Sala, quarto e cozinha: Jair Ventura deveria se lembrar das lições de Joel
Mário Magalhães
Discordo de quem culpou Jair Ventura pela derrota do Botafogo, por escalar três atacantes no primeiro tempo e, devido à contusão de Camilo, quatro no segundo.
Antes do intervalo, jogaram Pimpão, Guilherme e, mais enfiado, Sassá. Depois, Roger se uniu a eles.
O alvinegro foi jantado pelo Barcelona equatoriano por 2 a 0. No Niltão, resultado merecido.
Futebol é cabeça (defesa), tronco (meio-campo) e membros (ataque). O time da casa não teve tronco.
Mas o problema não foi de escalação. Com a suspensão de Bruno Silva, o técnico trocou por um atacante o volante punido.
A equipe se desequilibrou porque os jogadores de vocação ofensiva não souberam exercer igualmente funções defensivas.
Os volantes Airton e João Paulo foram abandonados.
Mais ainda os zagueiros Carli e, até sair machucado, Emerson Silva.
Todo mundo sabe que a zaga botafoguense é pesada, lenta. E todo mundo sabia que o ataque visitante é ensaboado.
Por isso o sistema defensivo deveria ser mais vigoroso, com os atacantes voltando mais para combater.
Duvido que o treinador não tenha dito isso na preleção. Que não tenha ensaiado, se tempo teve.
Seu erro talvez tenha sido o de superestimar alguns boleiros, supondo-os mais capazes do que são.
O Barcelona liquidou a partida em contra-ataques rápidos pela esquerda, em contraste com a lerdeza dos zagueiros e do lateral Emerson.
Ao ler e ouvir certos comentários, tive a impressão de que o pessoal supõe que, quando opta por três volantes, o técnico investe em retranca.
Não observo isso, inclusive na Libertadores. O Botafogo ousa, busca o gol, dá gosto de ver.
Jair Ventura tem feito ótimo trabalho, a despeito de limitações do elenco.
Mesmo que não tenha dito isso na entrevista depois da derrota, aposto que ele entendeu que perdeu também porque seu meio-campo se esvaziou. Metade do time atrás, metade na frente.
No princípio da carreira, o filho do Furacão foi auxiliar de Joel Santana. Certamente não se esqueceu do que aprendeu.
Aos seus atletas, Joel explica que é preciso habitar a casa inteira, sua metáfora de campo. Suas lições:
''Cada jogador tem o momento certo para estar num determinado lugar em campo. Cada um tem seu setor, seu lugar certo, como os móveis de uma casa''.
''Lugar de geladeira não é na sala, mas na cozinha. A poltrona não tem que estar na cozinha. Futebol é como casa: não adianta ter boas peças mal arrumadas''.
(Qual o lugar mais importante de uma casa e de um time de futebol?) ''A defesa. Ela é como a cozinha. É na cozinha que começa tudo. Quem for arrumar outra parte da casa vai sentir fome e precisar da cozinha. O principal é colocar geladeira, fogão e compartimentos, um auxiliando o outro''.
(E o meio-campo?) ''É a sala de visitas. É o local onde se consegue agrupar mais pessoas. No futebol é a espinha dorsal da equipe. Como a sala, não pode ser desarrumado. Ele se divide para ajudar dois setores, defesa e ataque. Neste caso, é o corredor da casa''.
(E o ataque?) ''É como o quarto. Completa tudo. É a hora da alegria, de sonhar, dormir''.
Ontem faltou sala, a ''espinha dorsal''. Houve gente que ficou no quarto na hora de ir para a sala e para a cozinha.
Acontece.
Graças à muito boa campanha na Libertadores, a vaga do Botafogo nas oitavas de final continua próxima.