Blog do Mario Magalhaes

Palavras malditas (19): crime passional

Mário Magalhães

Máquina de escrever de meados dos anos 1960 – Reprodução “The New York Times''

 

Se as coisas se passaram na derradeira semana de 2016 como a polícia contou, o embaixador da Grécia no Brasil foi assassinado num conluio entre a mulher dele, o amante dela e um aparentado do amante. Há um quarto suspeito. O propósito da agora viúva em cana seria herdar os bens do pai de sua filha.

A brasileira teria falado que o diplomata se embebedava e a agredia. Não se sabe como mataram o grego. Na Baixada Fluminense, encontraram seu corpo carbonizado, dentro do Ford Ka que alugara. Kyriakos Amiridis sobreviveu a anos de Líbia, para morrer no Brasil.

O embaixador foi morto por dinheiro, vingança ou ambos os motivos. Seus matadores não o amavam nem estavam apaixonados por ele. Mesmo assim o episódio tem sido descrito como crime passional. Só se for paixão por patrimônio alheio e vendeta.

Quando os fogos começaram a espocar em Campinas, anunciando 2017, um homem entrou numa casa e matou a ex-mulher, o filho de oito anos e mais dez pessoas. Atirou pela última vez com a pistola e deu cabo da própria vida. A chacina chegou a ser noticiada como crime passional. Não foi paixão o que moveu o assassino, mas ódio, ressentimento e outros demônios.

Crime passional inexiste no Código Penal. A lei, no limite, menciona emoção e paixão como fatores que não excluem punição. Não deixa de tipificar, isso sim, o crime de feminicídio em casos de ''violência doméstica e familiar'' e ''menosprezo ou discriminação à condição de mulher''.

A patranha do crime passional funcionou como ardil muito útil, nas décadas de 1970 e 1980, a réus assassinos de mulheres. O machão levava um par de chifres ou era abandonado. Desforrava-se matando a companheira. Agira em legítima defesa da honra, alegavam na cara dura os advogados, às vezes com sucesso. Matara por paixão, daí o crime dito passional. Por amor.

''Quem ama não mata'', reagiram almas civilizadas, com pichações em todo o país. Inspirada pela mensagem nos muros, a TV Globo exibiu uma minissérie homônima em 1982.

Dez anos mais tarde, uma talentosa atriz da emissora, Daniella Perez, foi apunhalada até a morte. O que a defesa do assassino Guilherme de Pádua argumentou? Que ele, comparsa de Paula Thomaz no homicídio, cometera crime passional.

Não ponham na conta da paixão o que é fruto de ira, maldade, rancor e torpeza.

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