Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : outubro 2014

Farsa e tragédia: em 19 capas, como a imprensa disse sim ao golpe de 1964
Comentários Comente

Mário Magalhães

A reportagem reproduzida abaixo foi publicada originalmente no blog na virada de março para abril de 2014, nos 50 anos do golpe que depôs o presidente João Goulart.

Boa leitura.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

19 capas de jornais e revistas: em 1964, a imprensa disse sim ao golpe

Na semana dos 50 anos do golpe de Estado, o blog compartilha uma coleção de 19 primeiras páginas de jornais e capas de revistas publicadas nas horas quentes do princípio de abril de 1964.

Mais do que informação, constituíam propaganda, notadamente a favor da deposição do presidente constitucional João Goulart.

Até onde alcança o conhecimento do blogueiro, as imagens configuram a mais extensa amostra (ficarei feliz se não for) do comportamento do jornalismo brasileiro meio século atrás.

Trata-se de documento histórico, seja qual for a opinião sobre os acontecimentos.

Desde já o blog agradece novas capas que eventualmente sejam enviadas por meio do Facebook e do Twitter. Caso venham, serão acrescentadas a esta exposição.

Dos 19 periódicos aqui reunidos, oriundos de cinco Estados, 17 são jornais diários, alguns dos quais já não circulam, e dois são revistas hoje extintas.

Apenas três se pronunciaram em defesa da Constituição: “Última Hora”, “A Noite” e “Diário Carioca”. Nos idos de 1964, os dois últimos não tinham muitos leitores.

Os outros 16, em diferentes tons, desfraldaram a bandeira golpista.

As fontes da garimpagem foram: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; Google News Newspaper Archive; sites e versões impressas de jornais; não menos importantes, blogs e sites, aos quais sou imensamente grato.

É muito provável que, quanto mais capas se somarem, maior seja a proporção das publicações que saudaram o movimento que pariu a ditadura de 21 anos.

Para não ser original e repetir uma expressão consagrada: em 1964, a imprensa disse sim ao golpe.

* * *

A Noite (Rio), 1º de abril de 1964: “Povo e governo superam a sublevação”.

Contrário ao golpe, o jornal aposta no triunfo de Jango.

press - a noite - 1 de abril de 1964

 

Correio da Manhã (Rio), 1º de abril de 1964: “(?) Estados já em rebelião contra JG”.

Editorial clama pela deposição de João Goulart: “Fora!”.

000 - correio

 

Diário Carioca, 1º de abril de 1964: “Guarnições do I Exército marcham para sufocar rebelião em Minas Gerais”.

O jornal defendeu a Constituição.

000 - diario carioca 5

 

Diário da Noite (São Paulo), 2 de abril de 1964: “Ranieri Mazzilli é o presidente”.

O jornal dos Diários Associados trata a nova ordem como “legalidade”.

000 - diario da noite 5

 

Diário da Região (São José do Rio Preto, SP), 2 de abril de 1964: “Exército domina a situação e conclama o povo brasileiro a manter-se em calma”.

Depois do golpe com armas, o apelo por calma.

 

Diário de Notícias (Rio), 2 de abril de 1964: “Marinha caça Goulart”.

“Ibrahim Sued informa: É o fim do comunismo no Brasil.”

000000 - diario de noticias 6

 

Diário de Pernambuco, 2 de abril de 1964: “Jango sai de Brasília rumo a Porto Alegre ou exterior: posse de Mazilli”.

Governador constitucional Miguel Arraes, vestido de branco no Fusca, é preso e cassado.

 

Diário de Piracicaba (SP), 2 de abril de 1964: “Cessadas as operações militares: A calma volta a reinar no país”.

No dia seguinte: “Relação de deputados que poderão ser enquadrados: Comunistas ou ligações com o comunismo”.

 

Diário do Paraná, 2 de abril de 1964: “Auro Andrade anuncia posse de Mazzilli com situação normalizada”.

No alto: “Povo festejou na Guanabara vitória das forças democráticas”.

000000000000000 - teste

 

Fatos & Fotos, abril de 1964 (data não identificada): “A grande rebelião”.

Uma revista em júbilo.

 

Folha de S. Paulo, 2 de abril de 1964: “Congresso declara Presidência vaga: Mazzilli assume”.

“Papel picado comemorou a ‘renúncia’ de João Goulart.”

press - folha - 2 de abril de 1964

 

Jornal do Brasil (Rio), 1º de abril de 1964: “S. Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart”.

“’Gorilas’ [pró-Jango] invadem o JB.”

press - jornal do brasil - 1 de abril de 1964

 

O Cruzeiro, 10 de abril de 1964: “Edição histórica da Revolução”.

Revista celebra um herói da “Revolução”, o governador de Minas, Magalhães Pinto, um dos artífices do golpe.

 

O Dia (Rio), 3 de abril de 1964: “Fabulosa demonstração de repulsa ao comunismo”.

Jango chegou ao Rio Grande do Sul no dia 2. De lá, iria para o Uruguai. “O Dia”: “Jango asilado no Paraguai!”.

press - o dia - 3 de abril de 1964

 

O Estado de S. Paulo, 2 de abril de 1964: “Vitorioso o movimento democrático”.

É a contracapa, porque a primeira página, era o padrão, só tinha notícias do exterior.

 

O Globo (Rio), 2 de abril de  1964: “Empossado Mazzilli na Presidência”.

Título do editorial: “Ressurge a democracia!”

press- o globo - 2 de abril de 1964

 

O Povo (Fortaleza), sem data: “II e IV Exércitos apoiam movimento mineiro”.

Quartel-general do IV Exército, no Recife, comandava a Força no Nordeste.

press - o povo sem data

 

Tribuna do Paraná, 2 de abril de 1964: “Rebelião em Minas”.

“General Mourão Filho abre a revolta: ‘Jango tem planos ditatoriais’.”

 

Última Hora, 2 de abril de 1964: “Jango no Rio Grande e Mazzilli empossado”.

Jogando a toalha: “Jango dispensa o sacrifício dos gaúchos”.

GOLPE-ultima-hora-2-de-abril-de-1964

 


Hora do chororô: o povo não sabe votar, já dizia Pelé
Comentários Comente

Mário Magalhães

Calma, amigos alvinegros, a conversa não é sobre futebol, mas a respeito de eleição, e não a que escolherá o novo presidente do Botafogo.

Com a proximidade do domingo, cresce a ladainha que busca desqualificar os cidadãos que elegerão Dilma Rousseff ou Aécio Neves.

Agora, os resmungos só se insinuam. Na noite de 26 de outubro, com o anúncio do vencedor, a grita balançará os tímpanos.

Os brasileiros não sabem votar, já disse Pelé, dando uma força à ditadura que aqui vigorava.

No fundo, no fundo, é o que se sugere ao pressupor que armadilhas, cascatas, falsidades e armações ilimitadas definirão o sétimo pleito presidencial pós-Constituinte de 1988.

Noutras palavras, que é moleza iludir o povo, que seria a soma de mentecaptos incapazes de discernir uma coisa de outra coisa.

Se fôssemos um bando de parvos, não haveria cortes de opinião tão definidos, como os que caracterizam os eleitores de maior e de menor renda. Cada um sabe muito bem o que é melhor para si.

Quando escrevo “sabe muito bem” não significa que eu concorde necessariamente com a maioria. Mas as pessoas têm opiniões tão legítimas quanto as minhas, e vice-versa.

O raciocínio vale para a marquetagem eleitoral. Os publicitários embrulham seu produto da forma mais sedutora, mas não o inventam. Em 2002, relações sociais, históricas e políticas levaram Luiz Inácio Lula da Silva ao Planalto, mas houve quem concluísse que o triunfo do velho metalúrgico era obra da propaganda de Duda Mendonça. Se o craque baiano tivesse esse poder todo, em 2014 Paulo Skaf teria ao menos ido ao segundo turno em São Paulo. Não foi, nem com Duda pilotando sua campanha.

A tal propaganda negativa, recurso legítimo, desde que não fraude os fatos, costuma ser evocada para nos chamar de abobados _cairíamos ingenuamente nas pegadinhas dos reclames. Esse tipo de expediente costuma funcionar quando há lastro na realidade.

Ou, no Rio, Luiz Fernando Pezão não é mesmo apadrinhado por Sérgio Cabral, como denuncia Marcelo Crivella? E Crivella não é o candidato a governador predileto da Igreja Universal do Reino de Deus, como martela Pezão?

Por que a Justiça eleitoral não permite aos eleitores saber que Aécio se recusou a fazer o teste do bafômetro numa blitz da Lei Seca e que Dilma em certa oportunidade elogiou de modo protocolar o adversário que agora critica? Porque o povo não sabe votar?

À medida que Dilma ou Aécio se distanciar nas pesquisas, o menosprezo aos eleitores vai prosperar.

Dizem que esta é a campanha com mais baixarias desde 1989.

Não sei.

Mas sei que é a mais politizada desde então, o que é ótimo para o país. Ao fim do debate dominical na Record,  os espectadores-eleitores tinham claro quais são as ideias e os interesses de Aécio e Dilma.

Não é evidente que o centro da pregação do tucano é o combate à corrupção e o da petista o combate à desigualdade social?

Até que ponto existe hipocrisia na cantilena dos dois é outra coisa.

No limite, a desqualificação dos brasileiros leva um delirante a afirmar que determinado candidato, se eleito, não terá “legitimidade” para governar.

E quem confere legitimidade? Novos lacerdistas ou os brasileiros que vão às urnas?

O povo sabe votar, sim.

Se ganhar o PSDB, como em 1994 e 1998, ou o PT, como em 2002, 2006 e 2010, a decisão é soberana.

Ensaiar terceiro turno é ranço intolerante.

Se as lágrimas do chororô caíssem sobre São Paulo, a seca daria lugar a temporais mais vorazes que os dos romances de García Márquez.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Rio: nesta 4ª-feira, Isabel Clemente lança ‘A pior mãe do mundo’
Comentários Comente

Mário Magalhães

A pior mãe do mundo, de Isabel Clemente (Foto: Reprodução)

 

É claro que a jornalista Isabel Clemente não é a pior mãe do mundo, apesar da sacada brincalhona do título do seu livro de estreia.

Ela é uma das mães, contadas aos bilhões, que já se sentiram assim.

E com certeza é uma das melhores ao transformar prazeres e perrengues da vida com os filhos _no caso dela, filhas_ nas crônicas saborosas e viciantes que nos habituamos a ler no site da revista “Época”.

Nesta quarta-feira, 22 de outubro, Isabel lança “A pior mãe do mundo: Uma biografia não autorizada de todos nós”.

Na Livraria da Travessa, em Botafogo, a partir das 18h30.

O livro reúne tanto textos inéditos quanto alguns veiculados na “Época”.

A cronista Isabel Clemente é a porção mais talentosa da talentosíssima jornalista que Isabel é, moça que sabe tudo de economia e negócios.

E que tem como uma das mais notáveis virtudes escrever não somente para as mães, mas também para os pais, esses coitados de quem ninguém se lembra na hora de evocar as vicissitudes da criação e da convivência com as crias.

Assim abre a primeira crônica de “A pior mãe do mundo”:

“Eu não assisti a grandes sucessos na televisão. Perdi ‘Avenida Brasil’. Vi filmes ganhadores do Oscar quando chegaram à prateleira das promoções do videoclube. Deixei de ler livros muito comentados e interrompi leituras. Não acompanhei grandes revoluções tecnológicas nem aderi à última das redes sociais. Também deixei de sair em várias fotos e tem e-mail a que ainda não respondi. Nunca pego a liquidação da minha loja favorita. Não fui a aniversários; perdi diversas comemorações; dei uma desculpa qualquer para não aparecer; não compareci ao chope da galera. Não revelei fotos. Como prato frio e não é o da vingança. Não pude prestigiar gente querida. Recusei convites irrecusáveis e também deixei o celular tocar sem responder. Reduzi a frequência das minhas viagens e da minha malhação. Encurtei minha passagem por lugares alegres só para voltar rápido para casa. Saí sem me despedir e fiz ‘forfait’ sem querer. Dormi menos. Tive que ver no replay os gols de algumas Copas.

Onde eu estava?

Procurando as regras de um joguinho. Brincando com um morcego de borracha e uma tartaruga de plástico. Colorindo com giz de cera. Montando lego e mandando as crianças guardarem os brinquedos. Também poderia estar interpretando um fantoche e coçando as costas de alguém. Quem sabe eu estivesse simplesmente cansada em casa, ou sentada ouvindo uma história sem pé nem cabeça, ou apartando uma briga. Ou amamentando (…)”.

Impossível não ir até o fim, nem que seja entre uma reunião de pais na creche (argh!) ou pegando filha tarde da noite do sábado, único dia em que teria dado para ir ao cinema.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

Abaixo, reproduzo o release da editora 5W:

A pior mãe do mundo: uma biografia não autorizada de todos nós

Livro conta com leveza as mancadas, os acertos e as delícias de criar filhos

“Você sabe como pensa e age a pior mãe do mundo? A pior mãe do mundo é, antes de tudo, uma chata, porque chama à reflexão. Ela aprendeu desde muito cedo que a realização de sonhos inclui o caminho trilhado.Talvez por esse motivo ela não confie no sistema de trocas. Que lição passaremos para nossos filhos ao ensinar-lhes que a vida segue este padrão? Pode ser que não haja recompensas no final. Quem vive em função de uma linha de chegada não curte a caminhada.”

No próximo dia 22 de outubro acontece o lançamento do livro A pior mãe do mundo: uma biografia não autorizada de todos nós, na Livraria da Travessa de Botafogo. A jornalista e colunista da revista Época Isabel Clemente conta, de forma bem-humorada, os desafios de uma família com filhos pequenos. Escritas no intervalo da loucura, na paz da madrugada e às vezes com crianças bisbilhotando por baixo da mesa, as crônicas traduzem as belezas e dificuldades do processo de educar e expõem, de forma muito sincera, as dúvidas que mães e pais possuem. Do olhar da autora não escapa quase nada:

 

– Mamãe, eu também preciso cuidar da minha vida às vezes. Você entende, né?

Carolina, aos 5 anos

 

– Chega para lá, Letícia, que eu vou deitar aqui para você fazer cafuné em mim.

– Tá, mamãe, mas não devia ser ao contrário?

Letícia, aos 6 anos

 

Nas palavras de Karen Acioly, autora do prefácio, “ser mãe é, definitivamente, olhar de frente para as nossas imperfeições”. A pior mãe do mundo é verdadeiro e comovente, porque nada poderia ser mais humano do que o compromisso gerado pela mais nobre das missões: educar os filhos.

 

ISABEL CLEMENTE tem 41 anos, é carioca, jornalista e mora no Rio de Janeiro. Trabalha na revista Época como editora na sucursal do Rio. Desde 2013, assina uma coluna sobre família no site da revista.  A pior mãe do mundo: uma biografia não autorizada de todos nós é seu primeiro livro.


Tragicômico: jornalistas imploram, mas candidato não faz uma só proposta
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

Inacreditável!

O entrevistado do quadro “Na chincha”, do programa “La Urna”, era José Ivo Sartori (PMDB), candidato que lidera com folga as pesquisas eleitorais para o governo do Rio Grande do Sul.

Ao contrário do que parece, Sartori não está interpretando, como um comediante que simula sentir-se em maus lençóis e pronuncia patacoadas diante dos entrevistadores.

Durante seis infindáveis minutos, os jornalistas imploraram para o simpático ex-prefeito de Caxias do Sul apresentar ao menos uma “proposta concreta” de governo, com “início, meio e fim”.

As respostas foram tão desastrosas que as cenas acabaram na propaganda televisiva do adversário de Sartori no segundo turno, o postulante à reeleição Tarso Genro (PT).

É difícil conter o espanto e o riso diante das imagens, seja por constrangimento _rir pra não chorar_ ou graça.

Depois falam do Tiririca _este finge, não é o que parece.

Para assistir, basta clicar na imagem do alto ou aqui.

“Na chincha” com Tarso pode ser visto aqui.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

Assim a RBS apresenta o “La Urna”:

Comunicadores do Grupo RBS […] publicam […] um novo vídeo da série especial La Urna que revela o lado divertido da campanha eleitoral e entrevista candidatos com humor e contundência. O conteúdo digital do dia tem formato de um telejornal. A iniciativa é comandada por Paulo Germano, Anderson Fetter, Gustavo Foster e Marcelo Carôllo, de “Zero Hora”, Arthur Gubert e Marcos Piangers, da Rádio Atlântida, e Marina Ciconet, do Kzuka.

Um dos quadros do La Urna chama-se Na Chincha, no qual quatro membros do grupo promovem uma entrevista em vídeo com um candidato. A versão impressa do projeto é publicada em uma coluna às quartas-feiras e aos domingos.

A missão da equipe é atrair um público nem sempre interessando na eleição com vídeos, áudios, fotos e textos, que são publicados nos jornais do Grupo RBS, redes sociais e páginas dos veículos na internet. A equipe já entrevistou o candidato “Cigano Igor” e ouviu pessoas nas ruas. Os vídeos com as entrevistas estão no site de ZHTV e na página do La Urna. Interessados podem participar compartilhando conteúdo na internet com a hashtag #laurna.


História: Marighella e o ‘outro avô’ de Aécio se enfrentavam na Câmara
Comentários Comente

Mário Magalhães

Se o mundo configurava uma arena para o choque entre comunistas e capitalistas, a Câmara era um Coliseu onde para cada gladiador vermelho revezavam-se dezenas de leões dispostos a devorá-lo. Com o mandato ainda preservado, Marighella reivindicava medidas contra a nuvem de gafanhotos que causava danos à safra de trigo, e Tristão da Cunha, deputado do Partido Republicano que um dia teria um neto de nome Aécio Neves, galhofou:

“Vossa excelência acha que a praga dos gafanhotos também foi enviada dos Estados Unidos?”

O petebista Abelardo Mata já resmungara:

“É uma verdadeira fobia pelo fascismo.”

Numa discussão com Ataliba Nogueira, Marighella referiu-se ao grupo de nipônicos fanáticos que, por não admitir como fato a rendição do Japão, assassinava compatriotas em São Paulo:

“Vossa excelência […] teve a oportunidade de defender os fascistas japoneses da Shindo Renmei.”

“Vossa excelência não conhece a nossa língua, tão versado que está no idioma russo e, por isso, não nos entende”, reagiu o pessedista, antes da tréplica:

“Não tive o ensejo de aprender a língua russa, e talvez vossa excelência conheça bem o alemão ou o japonês.”

(Trecho da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, Companhia das Letras, págs. 186 e 187)

*

A passagem acima é de 1947, quando a Guerra Fria engatinhava, e os partidários dos EUA e da União Soviética terçavam armas e argumentos planeta afora. Os personagens mencionados eram deputados federais, integrantes da Câmara que funcionava no Palácio Tiradentes, atual sede da Assembleia Legislativa do Rio.

Carlos Marighella (PCB-BA) tinha mais expressão política _ou fama, se preferirem_ que Tristão da Cunha (PR-MG). Ambos militavam na Comissão de Finanças da Casa, mas o baiano vinha de ser  membro da mesa diretiva, vulgo Comissão de Polícia, da Constituinte de 1946 que institucionalizara a redemocratização do Brasil. Ainda era o coordenador _não o líder formal_ da bancada comunista e um dos seus dois ghost-writers titulares, ao lado do amigo e camarada Jorge Amado.

O candidato presidencial Aécio Neves é mais conhecido como neto de Tancredo Neves, pai de sua mãe. Mas sua veia política se espalha pela árvore genealógica. O avó paterno, Tristão da Cunha, foi parlamentar de projeção nacional e secretário de Estado influente em Minas.

O nome completo do tucano é Aécio Neves da Cunha.

Bem mais à direita que Tancredo, Tristão viria a apoiar o golpe de Estado de 1964, ao qual o antigo ministro de Getulio Vargas resistiu. Enquanto Tancredo se engajou na oposição moderada à ditadura, Tristão se beneficiou de uma sinecura, o Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Quem o nomeou para a presidência foi o marechal-ditador Castello Branco. O avô de Aécio só deixaria o cargo ao morrer, uma década mais tarde, em 1974.

Na apuração da biografia “Marighella”, li os anais da Constituinte inaugurada em fevereiro e encerrada em setembro de 1946 e da Câmara instalada em seguida. O protagonista do livro nela permaneceu até janeiro de 1948, quando teve o mandato cassado, junto com seus correligionários, em decisão da maioria dos deputados. O pretexto dos algozes: como o PCB havia sido banido pela Justiça eleitoral, os representantes eleitos pela agremiação seriam expulsos, a despeito de terem a legitimidade do voto popular.

Foi passeando pela Câmara do passado que acompanhei os embates entre Marighella e Tristão da Cunha. Em novembro de 1947, eles se confrontaram devido a um projeto de lei que diminuía o imposto para importação de arame de alumínio usado pela agricultura e pela pecuária.

Tristão, a favor, era porta-voz dos grandes proprietários de terra. Dizia, o que era correto, que não havia produção nacional suficiente. Marighella contrapunha: o rebaixamento das tarifas prejudicaria os produtores nacionais de arame. Lamentava o que julgava possibilidade de a “indústria instalada no Brasil ser aniquilada por quaisquer concessões que fizéssemos à estrangeira”.

Naquela quadra histórica, os comunistas perdiam todas as votações para os deputados pró-latifúndio, assim como hoje o agronegócio se impõe aos defensores da reforma agrária.

Marighella e seus companheiros criticavam o que apontavam como concessões exageradas da administração do presidente Eurico Gaspar Dutra ao governo norte-americano: “Enquanto há falta de carne no mercado interno, os frigoríficos estrangeiros, instalados no Rio Grande, estão exportando”.

Seu discurso ironizado por Tristão da Cunha dizia: “Quanto à agricultura, a situação não é melhor. A safra atual do trigo está sendo ameaçada, em virtude da praga dos gafanhotos. São 120 mil toneladas de trigo produzidas pelo Estado [RS], fadadas ao desaparecimento. E bem assim o milho. Apesar do sensacionalismo jornalístico, nenhuma medida prática e eficiente está sendo tomada para salvar a atual safra de trigo, e isso num momento em que nos encontramos a braços com a restrição no fornecimento da farinha de trigo, imposta pelos trustes e seus moinhos”.

Marighella respondeu, ao ouvir a pergunta jocosa de Tristão (“Vossa excelência acha que a praga dos gafanhotos também foi enviada dos Estados Unidos?”): “Não o foi, mas a praga dos gafanhotos tem concorrido para que a nossa produção de trigo no Rio Grande do Sul seja diminuída, se não aniquilada. Enquanto isso, o governo central, o governo do sr. general Eurico Dutra, tem se mostrado incapaz para debelar a praga”.

Tristão da Cunha: “Mas o governo está fazendo o que pode para impedir o flagelo”.

Marighella discordou, e o debate prosseguiu. Em nível civilizado, até que os conservadores fuzilaram seu mandato, dois meses depois. O ex-deputado só deixaria a clandestinidade em novembro de 1957, dali a quase dez anos. No papel, havia uma democracia, mas o PCB era ilegal, e Marighella, um foragido por ser dirigente de partido proscrito.

Um filho de Tristão, Aécio Cunha, também seria deputado federal. Aécio Cunha teria um filho conhecido como Aécio Neves.

A partir de 1967, Marighella se dedicou à luta armada contra a ditadura, que o declarou “inimigo público número 1”. Ao lado do jornalista Joaquim Câmara Ferreira, fundou e comandou a organização guerrilheira Ação Libertadora Nacional.

Um dos guerrilheiros mais destacados dos primeiros tempos da ALN foi o jovem Aloysio Nunes Ferreira Filho, hoje candidato a vice na chapa de Aécio Neves (para saber mais sobre Aloysio na luta armada, basta clicar aqui).

Àquela altura, a estudante Dilma Rousseff militava noutro grupo guerrilheiro de combate à ditadura.

Desarmado, Marighella foi morto por ao menos 29 agentes policiais armados até os dentes, na noite de 4 de novembro de 1969.

Seu assassinato completa 45 anos daqui a poucos dias.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Rio: na 5ª-feira, Marcelo Backes lança ‘A casa cai’ na Travessa de Ipanema
Comentários Comente

Mário Magalhães

blog - marcelo backes a casa cai

 

Se “A casa cai” estiver à altura de “O último minuto”, é um livraço.

Ainda não li “A casa cai”, novo romance de Marcelo Backes que será lançado na quinta-feira na Travessa de Ipanema, a partir das sete da noite.

Mas devorei e adorei “O último minuto”, livro anterior do Marcelo, também editado pela Companhia das Letras.

Na ficção do ano passado, o protagonista é um treineiro de futebol saído das bandas das Missões, ali onde costeamos o alambrado da fronteira com a Argentina. O gaudério engole o mundo, feito um Guaíba, até o mundo o engolir.

O cenário de “A casa cai” é o Rio.

Assim a Companhia apresenta obra e autor:

“Marcelo Backes é um dos mais respeitados tradutores do Brasil. Verteu para o português obras de clássicos da literatura em língua alemã, tais como Kafka, Goethe, Schiller e Heine.
Recentemente, Backes deu início a uma bem-sucedida carreira de romancista. Em 2013, lançou O último minuto. Sucesso de crítica, o livro traz a história de João, o vermelho, um treinador de futebol que narra, da prisão, sua história de vida a um jovem seminarista.
Em A casa cai, o espectro de João está por toda parte. O narrador do livro é o mesmo padre que, no livro anterior, se encantara por sua história. Ele largou a batina e agora está no Rio de Janeiro, incumbido de uma missão para a qual não se sente preparado: administrar a herança recebida do pai, que acaba de morrer.
O destino o joga no centro do mundo de frivolidades dos endinheirados cariocas. Os vernissages de artistas da moda, os apartamentos de frente para o mar no Leblon, as reformas feitas por arquitetos descolados, as tardes à toa no Country Club de Ipanema.
Backes dá feição literária a um fenômeno típico dos nossos tempos: a explosão do mercado imobiliário, com todas as consequências que isso traz para as metrópoles brasileiras, com a gentrificação de regiões inteiras e a expulsão dos pobres para áreas cada vez mais afastadas.
Mais uma vez, o autor brilha com sua prosa exuberante, feita de lirismo, eloquência e acuidade social”.

Para ler um trecho de “A casa cai” em PDF, basta clicar aqui.

No Ig, o Rodrigo de Almeida escreveu sobre o livro e  conversou (aqui) com Marcelo Backes, o escriba sósia do jovem Trótsky.

Até a quinta, na Travessa!

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Homossexualidade é ‘pecado’, disse Crivella na sabatina. Eu: ‘Pecado!?!’
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

Ao lado dos colegas Isabele Benito, Kennedy Alencar e Humberto Nascimento, participei na sexta-feira da sabatina UOL-SBT com o senador Marcelo Crivella, candidato do PRB a governador do Rio.

Na antevéspera, havíamos sabatinado o governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB, o outro concorrente do segundo turno (veja aqui).

A íntegra da conversa com Crivella pode ser assistida clicando na imagem do alto ou aqui.

Transcrevo abaixo o diálogo que trata da convicção do candidato sobre a homossexualidade como pecado.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

MM: Senador, se a questão fosse religiosa, eu não voltaria ao assunto, porque cada um tem o direito de ter a sua crença e de manifestar a sua crença. Mas há interesse público, um candidato a governador do Estado. Os poetas compuseram e cantaram o lindo verso “Qualquer maneira de amor vale a pena”. Mas, como o preconceito e o ódio persistem, só no ano passado pelo menos 312 cidadãos e cidadãs foram assassinados no Brasil por motivações homofóbicas. Uma morte a cada 28 horas. Recorde mundial. O senhor, outro dia, afirmou que considera a homossexualidade um pecado. O senhor tem ideia de como tal convicção e tal declaração, na boca de um homem público, podem significar um incentivo à discriminação, à intolerância, à violência e ao ódio?

Crivella: De jeito nenhum!. Isso é absolutamente…

MM: Pecado, senador!?!

Crivella: Ué, você quando se refere a alguma coisa de ser pecado o que você está querendo expressar é a sua sinceridade e a sua convicção, que é um direito seu. Agora, com amor e respeito. Eu não estou dizendo aqui que é uma inquisição, nem para perseguir, nem para colocar na cadeia, nem que é doença, nem incentivar…

MM: Mas que é pecado.

Crivella: Mas que é pecado.

MM: Por quê?

Crivella: Porque é o que a Bíblia diz, e eu creio nela. O senhor não crê, mas eu creio, é um direito meu.

MM:  Não coloque palavras na minha boca. Em que passagem a Bíblia diz que a homossexualidade é pecado?

Crivella: Ah, em várias passagens. Agora, o senhor também me respeite, não coloque na minha boca…

MM: Eu estou perguntando. O senhor é o candidato ao governo do Estado.

Crivella: Eu sei, mas eu mereço respeito também. E espero que o senhor me dê…

MM: Como eu estou respeitando o senhor.

Crivella: Você não deixa eu acabar de falar. Eu acho que respeito é a gente ouvir. Eu ouço o senhor, me ouça também.

MM: Sem colocar nada na boca alheia.

Crivella: Exatamente. Em várias passagens a Bíblia fala isso, e eu creio na Bíblia. Agora, isso não se expressa de maneira nenhuma como o senhor colocou nesse texto. Esse texto que o senhor colocou aí é completamente contra o espírito da Bíblia. Quando tem na Bíblia os pecados, é um alerta, é uma maneira de você tentar dizer para a pessoa de um caminho melhor. Que você acha que é melhor, pode ser que ela não ache. E você vai divergir com ela, e ambos vão se respeitar e conviver perfeitamente. Deixa eu lhe dizer uma coisa: na minha família tem pessoa homossexual que convive comigo há anos, e vivemos bem. No meu gabinete tem também. Então não vai ser o senhor agora que vai me ensinar como me comportar ou me dar uma lição de ética que eu já pratico na minha vida.

MM: O senhor discorda do Milton e do Caetano quando eles dizem que qualquer maneira de amor vale a pena?

Crivella: É uma convicção deles, mas eles têm que respeitar a minha. É assim que é a democracia, a gente se respeita mutuamente. O que não pode é eu dizer para eles que têm que seguir a minha, e eles dizerem para mim que eu tenho que seguir a deles. Cada um, na vida pública e na democracia, tem as suas convicções. Isso é da liberdade, é da justiça.