Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : outubro 2014

Apoio de Marina a Dilma ou Aécio seria golpe na ‘nova política’ e na Rede
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Mário Magalhães

Mais do que a palavra dos candidatos Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB), a voz mais aguardada nos próximos dias é a de Marina Silva (PSB, para efeitos protocolares, mas politicamente da Rede Sustentabilidade).

A presidente e o senador passaram ao segundo turno da eleição presidencial, beneficiados pelo derretimento da ex-senadora na reta final do primeiro tempo da campanha. Mesmo assim Marina colheu um voto em cada cinco. Ela pode ser a grande eleitora do mata-mata derradeiro.

Se Marina respaldar um dos finalistas, causará espanto a milhões dos seus apoiadores e simpatizantes. Ele se construiu como candidata competitiva ao Planalto em 2010 e 2014 fermentada por uma crítica rigorosa à polarização entre tucanos e petistas.

Eles seriam a “velha política”, a ser superada pela “nova”, encarnada pela antiga companheira de lutas de Chico Mendes.

Como justificar a “nova política” abraçando um dos contendores cuja negação constitui o DNA da Rede Sustentabilidade, a nascente agremiação liderada por Marina cujo registro não ocorreu a tempo de concorrer neste ano?

A antiga ministra de Lula também condena, em pregação com amplo respaldo, que o confronto PT versus PSDB já deu o que tinha que dar. Como, agora, assumir uma trincheira neste Fla x Flu, Gre-Nal, Ba-Vi?

A multidão que, mesmo com a queda de Marina nas pesquisas, sufragou-a no domingo entenderá um tradicionalíssimo acordo eleitoral manjado da “velha política”?

Marina Silva foi, sim, atacada de modo virulento pelo PT. Mas o PSDB também a fustigou, inclusive dizendo que, no mínimo, ela foi leniente com o mensalão petista, quando integrava o mesmo partido de Dilma.

E a ex-senadora enfatizou que Aécio foi conivente com o mensalão tucano, o primeiro mas não único, que inspirou o congênere da sigla rival.

Se Marina se pronunciar por um dos dois lados, como explicar a necessidade da Rede?

Sim, política se faz com alianças legítimas. Ocorre que a Rede surge justamente contra as siglas que ocupam o Planalto desde 1995.

Se Marina aderir a A ou a B, golpeará seu discurso de “nova política” e novo tipo de partido.

Dá para imaginá-la ao lado de Fernando Collor e Renan Calheiros alardeando Dilma?

Ou com José Agripino Maia e ACM Neto propagandeando Aécio?

Para Aécio e Dilma, a bênção Marina teria enorme valor político, embora sem garantia de transferência de votos. Não custa assinalar que Dilma venceu ontem no Rio de Janeiro, mas o único candidato a senador que a presidente apoiou no Estado, Carlos Lupi (PDT), amargou raquíticos 3% dos sufrágios.

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Chegou a hora da demonização dos ‘marmiteiros’
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Mário Magalhães

Um breve preâmbulo, sem intenção professoral: com o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), sobreveio a eleição presidencial direta, em 2 de dezembro 1945. Os dois candidatos mais fortes eram altos oficiais das Forças Armadas: Eurico Dutra, do Exército, e Eduardo Gomes, da Aeronáutica. Deposto, o ditador Getulio Vargas apoiou Dutra. Sem traquejo político, o brigadeiro falou com desprezo da malta getulista que sufragaria o marechal. Um acólito de Vargas copidescou com malícia a declaração, espalhando que Eduardo Gomes zombara dos “marmiteiros”. Isto é, maldissera o povo simples, que levava comida em marmita para o trabalho.

A versão pegou, e ajudou Dutra a jantar Eduardo Gomes nas urnas.

Desde então, embora a expressão marmiteiros tenha caído no esquecimento, em todas as eleições os eleitores mais pobres são menosprezados como ignorantes que, como diria o Pelé, não sabem votar.

Isso vai acontecer de novo agora. Muitos sabichões tripudiarão sobre cidadãos _sem muitos direitos da cidadania, mas cidadãos_ como aqueles que ganham até dois salários mínimos, sejam eles eleitores da presidente Dilma Rousseff, que vai ganhar fácil o primeiro turno (mas provavelmente com menos de 50%), ou do governador Geraldo Alckmin, que em proporção terá ainda mais votos.

Para certos ditos bem esclarecidos, o povão inculto não sabe escolher.

Não imaginam esses demofóbicos, para empregar a sacada do jornalista Elio Gaspari, que os brasileiros mais pobres provavelmente têm mais consciência ao votar.

Porque da sua decisão pode depender um prato de comida, a escola para o filho e a chance de transformar em realidade o sonho de uma casa.

Nem o tempo apaga a intolerância: determinada intelligentsia vai continuar detonando os marmiteiros, que como sempre sabem o que fazem e querem ao digitar os números nas urnas.

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Registro taquigráfico da história: a euforia no Brasil de junho de 2013
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Mário Magalhães

Foto que eu fiz da concentração nas escadarias do Teatro Municipal do Rio, em 17 de junho de 2013

 

A poucas horas da eleição presidencial, eu poderia escrever, tentando entender e explicando, tentando entender e não conseguindo, o que rolou no Brasil desde as incandescentes Jornadas de Junho de 2013.

Mais difícil ainda, buscando interpretar como os protestos que mobilizaram centenas de milhares de cidadãos e receberam as bênçãos de milhões de brasileiros influenciaram ou não a campanha eleitoral de 2014.

É tão complicado que os dias que abalaram o Brasil ecoam, mas às vezes parece que os ruídos da memória vêm de muito tempo antes, e não de menos de 16 meses atrás.

Resolvi compartilhar somente o registro jornalístico que eu fiz então no blog, depois da passeata de mais de 100 mil cariocas em 17 de junho de 2013. Três dias mais tarde, seriam o triplo, a confiar em alguns chutes.

Meu testemunho é pessoal e insuficiente como reconstituição histórica.

Mas é o que eu vivi. E é um capítulo decisivo da trilha que vai dar no domingo, mas que não acaba nele ou em qualquer eleição.

Boa leitura.

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A passeata dos mais de 100 mil, um enigma tão complexo quanto coração de andorinha

18 de junho de 2013

Ainda no começo da passeata de ontem no Rio, eu a observava de uma calçada da avenida Rio Branco quando um rapaz abriu o que parecia uma niqueleira e a esticou na minha direção. Como quem recolhe a mão, fintando mais um panfleteiro de bugigangas nas ruas, recusei. Ele insistiu:

“É um oráculo, pode pegar”.

Dentro da aparente niqueleira, espremiam-se papeizinhos dobrados, como se fossem provérbios que acompanham biscoitos da sorte em restaurantes chineses. Reparei que o moço que me presenteava tinha embaixo de um braço um livro com poesias de Bertolt Brecht. Apanhei o papelzinho e o guardei num bolso da calça.

A multidão tomara a Rio Branco, na esquina com a avenida Presidente Vargas, pontualmente às 17h26. Só às 18h25 o cortejo entrou por completo na antiga Avenida Central. Mais de cem mil jovens proporcionaram a maior manifestação política da cidade desde as jornadas do Fora, Collor, de 1992. Evocaram também a Campanha das Diretas, em 1984, e a legendária Passeata dos 100 Mil, em outro mês de junho, nos idos de 1968. Só que ontem havia mais gente.

Sem comando

A diferença não foi só numérica, quase tudo aparentou ser diferente. A manifestação não tem comando. Logo, inexiste porta-voz. Como não erguem um palanque, ninguém discursa. Meros dois modestos carros de som foram vistos, com oradores ouvidos apenas por seus pares. O protesto é articulado por uma comissão, que o convoca pela internet. Uma enorme faixa em pano amarelo atravessou a avenida, estampando letras maiúsculas: “SOMOS A REDE SOCIAL”. Espalharam cartazes com o mote “Saímos do Facebook”.

As bandeiras comuns são a revogação do aumento das passagens de ônibus de R$ 2,75 para R$ 2,95 e o direito democrático de protestar. É pouco para identificar um eixo, e o cenário se desenha nebuloso. Cada manifestante parece ter uma agenda customizada, uma passeata para chamar de sua.

O norte-americano John Reed escrevinhou um relato clássico sobre a Revolução Russa de 1917, “Dez dias que abalaram o mundo”. Como na terra dos czares era preto no branco, o jornalista produziu uma narrativa brilhante, mas linear. Reed penaria para contar o que houve ontem. Eu já sabia que um filósofo que decretou o fim da história não passa de um fanfarrão. Mas não supunha que tudo pudesse ser tão complexo como o que se descortinou.

Só constatei duas unanimidades. A primeira, contra as tarifas. Como demonstrou o jornal “Extra”, desde 2007 os bilhetes de ônibus, trens e barcas no Rio subiram mais do que a inflação. Fui de metrô para o Centro, pagando R$ 3,50, aumento de 52,17% nos últimos seis anos, em contraste com IPCA de 41,73%. A mulher do governador Sergio Cabral foi sócia de um escritório de advocacia que representa _ou representava_ a empresa particular que opera o metrô, uma concessão do Estado.

“Sexo é amor, sacanagem é R$ 2,95”, li num cartaz. Poucos segmentos dos negócios convivem com tanta promiscuidade público-privada quanto o dos transportes. Talvez sem ter noção do que seja uma greve geral, milhares de vozes a propuseram: “1, 2, 3, 4, 5 mil, abaixa a tarifa ou paramos o Brasil”. Ameaçaram não passar pela roleta: “Se a passagem não baixar, eu vou pular”. E se associaram aos trabalhadores: “Ô motorista, ô cobrador, me diz aí se o seu salário aumentou”.

Vilão

O único vilão comum foi Sérgio Cabral. O aumento das passagens foi concedido pelo prefeito Eduardo Paes, mas era a Polícia Militar, estadual, que vinha reprimindo os manifestantes em atos anteriores. Junta, a Rio Branco só entoou uma palavra de ordem, em seis palavras: “Ei, Cabral, vai tomar no cu!”. É um tradicional xingamento de estádios de futebol, do tipo de ofensa que a Fifa pretende abolir no Brasil. Os blocos puxados pelo PSOL e pelo PSTU, duas agremiações de esquerda, repetiram o mantra: “Cabral é ditador”.

Embora não faltassem cartazes contra o prefeito, não prosperaram os cânticos contra ele. Nem contra a presidente Dilma Rousseff, do PT, aliada de Paes e Cabral, ambos do PMDB. Como até então se desconhecia pronunciamento dela sobre a mobilização, multiplicaram-se folhas A-4 xerocadas com o apelo “Manifeste-se, Dilma”.

Um ator segurou uma cartolina: “Dilma, você foi perseguida e presa na ditadura. Ontem fomos perseguidos e alguns presos no Maracanã. Como você consegue dormir sabendo disso?”. Onde escrevera “Nova ditadura”, o artista riscou a segunda palavra e a substituiu por “Dilmadura”.

Depois do governador, o Judas mais malhado foi a Copa do Mundo de 2014 _e a das Confederações, em curso. Ao contrário do que prognosticaram certos analistas, a proximidade dos torneios não arrefeceu as críticas, e sim vitaminou-as. A massa gritou, desprezando a preposição: “A Copa, a Copa, a Copa eu abro mão, eu quero mais dinheiro pra saúde e educação!”. Alunos do Colégio Pedro II também não se disciplinaram pelo protocolo da Fifa: “Ô, ô, ô, foda-se a Copa!”.

Faixas e cartazes reiteraram: “Legado não é cimento”; “Não vai ter Copa”; Copa pra quem?”; “Brasil 3 x 0 Japão – E daí? O Japão ganha em saúde, transporte, educação…”; “1 Maracanã = 40 anos de hospital universitário”; “Enquanto te exploram vc grita gol”; “Caguei pro hexa”. E por aí em diante, com palavrões ou não.

Os meios de comunicação também foram alvejados pelos pulmões, que sopraram sobretudo contra o comentarista Arnaldo Jabor, da TV Globo. “Jabor arregão”, atacou um cartaz. Desinformado, descobri na internet que o jornalista havia esculhambado os manifestantes. Noutro recado, colaram o rosto de José Luiz Datena dentro de uma televisão, ao lado da reprimenda: “Datena, quem faz baderna é a polícia”.

Rebeldes com causas

Na contramão de críticas que os maldizem como rebeldes sem causa, os manifestantes evidenciaram que têm causas sem fim. O movimento galvanizou frustrações e desejos, a partir da gota d’água do aumento das tarifas. Estandartes improvisados pediam de tudo, e talvez nem nos anos 1960 tenha se erguido um como este: “Não combata a repressão com homofobia. Dar o cu é bom!”.

Homo ou heterossexuais, quase todos são jovens. Como milho estourando na panela de pipoca, eles saltitavam berrando: “Quem não pula quer aumento, quem não pula quer aumento!”. Mais puxado que spinning na academia. Uma barreira biológica para os mais vividos, que foram poucos.

“Senhor, chega pra lá, por favor”, escutei de um garoto _jamais fora tratado como “senhor” num protesto, cobrindo-o como repórter ou protestando noutros tempos. “Tá escrevendo poesia?”, abordou-me um adolescente, ao me flagrar anotando no caderno. “Quem me dera ter inspiração”, respondi. “Pois eu já fiz a minha poesia hoje”, ele emendou, abrindo uma pequena faixa de pano com o toque: “Tá foda”.

Podia mesmo estar, mas não por causa de repressão. Para evitar um morto como o estudante Edson Luis, baleado em março de 1968, a PM se retirou da Rio Branco. Só havia uns poucos homens do 5º BPM na esquina com Presidente Vargas, e outros na Cinelândia _mais tarde sobreviria a encrenca. O cheiro dominante era o de vinagre, levado pela garotada para minimizar o efeito de bombas de gás lacrimogêneo.

“Legalize o vinagre”, ironizavam. Seria pedir muito banheiros químicos na Cinelândia, infestada pelo fedor de urina… O Rio testemunhou o maior protesto de ontem no país, mas o que vitaminou os jovens daqui foi a revolta com a violência da polícia paulista na quinta-feira, disseram-me estudantes.

Eles recorreram a músicas de décadas que não viveram para traduzir em pequenos cartazes suas broncas e aspirações. Reescreveram Cazuza, “Nossos inimigos estão no poder”, sem nomear os antagonistas. Regressaram a Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. Viajaram dois séculos, com o Hino da Independência, no refrão adotado como lema por uma organização guerrilheira dos anos 1960 e 70: “Ou ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”. Cederam à música sertaneja: “Seu guarda eu não sou delinquente”. E reverenciaram Renato Russo: “Que país é esse?”, “Somos os filhos da revolução”. Assim, nas ruas, consagram-se os clássicos musicais.

Contra partidos

Se um manifestante ostentava a mensagem “Viva la revolución”, uma outra fustigava petistas: “Contra os petralhas”. A manifestação não foi nem de esquerda nem de direita, mas o confronto a permeou, mesmo que boa parte da audiência possa não ter se dado conta.

Os brados contra a corrupção foram incansáveis: “O povo acordou, o povo decidiu, ou acaba a roubalheira ou paramos o Brasil!”. Por escrito: “Políticos safados, parem de roubar”. Sobrou para Renan Calheiros. Desfraldaram-se apelos contra a PEC 37.

Da rejeição ao aumento das passagens, derivaram sugestões de estatização do transporte. Desfilaram camisas do MST e de Che Guevara, adesivos da marcha da maconha, bandeiras rubro-negras das Brigadas Populares, faixas do movimento negro e o alarme: “Não seja capitalizado pela direita golpista”.

Para uns, o foco era a corrupção. Para outros, aspirações sociais. No fundo, tudo constitui política, na geleia geral brasileira nunca tão eloquente como ontem.

Uma das maiores novidades trazidas pela multidão foi a aversão a partidos políticos. “Não tenho partido!”, proclamavam coros. Na Cinelândia, um rapaz enrolado na bandeira nacional e com óculos de motoqueiro resmungava para os amigos: “Eu odeio esse pessoal de partido”. Ao passar por bandeiras do PSTU, centenas de jovens repreenderam: “Sem partido! Sem partido!”.

Na Rio Branco, ecoou a profissão de fé: “O povo unido não precisa de partido!”. O contra-ataque também foi vigoroso: “O povo unido jamais será vencido!”. Uma professora universitária interpretou: um ato em disputa. Nem a bola de cristal tem ideia de quem no ano que vem se beneficiará eleitoralmente pela rebeldia novidadeira, por mais carona que queiram pegar: o PPS gravou seu programa de TV em meio à aglomeração. Não faltarão pitacos e previsões de sabichões.

Entre as siglas partidárias, nada assombrou mais do que a ausência do PT, o campeão das manifestações populares cariocas desde o princípio da década de 1980. Não percebi uma só bandeira vermelha com a estrela _o partido ocupa a vice-prefeitura e várias secretarias municipais e estaduais. Nem do PSB. Do PDT, duas _Leonel Brizola recebeu uma homenagem acidental, de um homem que exibia uma folha denunciando: “Farsa, urna eletrônica, caô do caralho”. Se os aliados de Dilma sumiram, também fizeram forfait os oposicionistas do PSDB e do DEM.

Uma síntese dos constrangimentos foi a discrição da UNE, presente com algumas bandeirolas no fim do cortejo, no bloco da União da Juventude Socialista. A UNE é controlada por estudantes do PC do B, sigla à qual a UJS se vincula. Os jovens convidavam quem acenava das janelas dos prédios: “Vem, vem, vem pra rua contra o aumento!”.

Faltou informar que quem aprovou a nova tarifa foi o prefeito cujo governo o PC do B integra. Bem como participa da gestão do Estado, a cujo chefe, Sérgio Cabral, subordina-se a PM que tem batido nos jovens. Tirando PSOL e PSTU, todos os partidos mais conhecidos estão desconfortáveis com a conjuntura inédita.

Contra tudo

O sentimento que animou a multidão foi o de mudança. Querem participar e mudar, mesmo que não saibam o que pôr no lugar. São contra tudo e todos. Disseminam-se os símbolos de que nada será como antes. Eram raros os panfletos impressos e incalculáveis os digitadores de celulares. Artistas celebrizados em atos políticos de outrora não compareceram. Agora, emerge a nova geração, feito atrizes como Leandra Leal e Georgiana Góes. Muitos reeditaram os caras-pintadas de 1992, lambuzando o rosto com tinta verde e amarela. Mas se destacaram as máscaras do filme “V de Vingança”. E lenços tapando o rosto, como nas rebeliões da primavera árabe.

No outono carioca, a zona sul, da geografia mais bem nutrida da cidade, dominou. Como em 1968 e 92 _em 1984, operários marchavam rumo aos comícios das Diretas vestidos com seus macacões. Contudo, acorreram escolas inteiras da zona norte, públicas e privadas. Todos os alunos sob o papel picado que chovia dos edifícios.

Como não foram providenciadas fotos de todo o trajeto da passeata, jamais se saberá com exatidão quantas almas havia. Técnicos avaliaram em 100 mil. Recorri a um método conhecido. O mapa do iPhone estima em no mínimo 900 metros a distância entre a Igreja da Candelária, início da caminhada, e a esquina de Rio Branco com rua Araújo Porto Alegre, na chegada. A largura da Rio Branco é de 33 metros. Portanto, ao menos 29.700 metros quadrados.

A concentração de indivíduos por metro quadrado é menor quando as pessoas se movimentam.  Às 18h26, porém, a marcha parou, porque todo o espaço havia sido preenchido, e os da frente estacionaram. Esse quadro implica quatro a sete manifestantes por metro quadrado. Veterano de protestos nos anos 1980, eu nunca vira massa tão compacta. Mas nas calçadas a concentração era menor. Com sobriedade, é possível calcular a densidade em quatro por metro quadrado, o que resultaria em 118.800 presentes.

Baixando para três por metro quadrado, o número cairia para 89.100. Ocorre que na Cinelândia, depois do ponto final da passeata, havia perto de 5.000 pessoas à espera (uma parte nas escadarias do Teatro Municipal, como registra a foto lá em cima). Nas ruas adjacentes, também se notavam agrupamentos abundantes. Ainda com essa média, o total passaria dos 100 mil de 1968, quando existiam menos habitantes no Rio _no passado houve mais presentes, relativamente. Perguntei a um participante do ato de mais de quatro décadas atrás e ele confirmou que o de ontem foi mais numeroso. Talvez tenha reunido 120 mil pessoas.

Feridos

A cada correria, elas reagiam: “Sem violência! Sem violência! Sem violência!”. Foi assim na Cinelândia, às 18h47. Pouco depois das 19h, milhares se desgarraram, seguindo um carro de som rumo à Assembleia Legislativa. Às 19h57, manifestantes que bebiam no Amarelinho se levantaram para ver na TV do bar as imagens ao vivo da Globonews. “É na Alerj”, alguém esclareceu. “Pô, tava tão bom”, lamentou um passante. Uma garota alertou: “Aí, galera, a chapa tá quente na Alerj!”. Uma mulher de branco convocou: “Vamos pra Alerj, tão batendo nas pessoas!”.

No caminho, defronte ao prédio do Ministério da Educação projetado pela equipe de Lúcio Costa, os tímpanos tremeram: “Sem vandalismo! Sem vandalismo! Sem vandalismo!”.

Já era tarde. Diante da sede do Legislativo estadual, um número reduzido de vândalos atirava rojões, pedras e coquetéis molotov contra policiais militares, queimava pelo menos um automóvel e depredava outros. A PM respondia com bombas. Mais tarde, conforme testemunhas, também com balas de borracha e “de verdade”, ou seja, de chumbo. Houve feridos, levados para o hospital. Sem sucesso, a maioria dos jovens apelou aos baderneiros: “Não perde o foco! Não perde o foco!”.

A passeata pujante havia terminado na Rio Branco. Para a Alerj, dirigiram-se alguns manifestantes, que carregaram quem não queria parar. Mas foram poucos os que invadiram o Palácio Tiradentes, onde se instala a assembleia, e o picharam. Foi daquele terreno que Tiradentes partiu para a forca. Naquelas tribunas, discursaram políticos de direita, como Carlos Lacerda, de centro, como Juscelino Kubitschek, e de esquerda, como Luiz Carlos Prestes.

Uma reflexão que não justifica a arruaça: em um país com tamanha desigualdade, como o Brasil, a baderna nem de longe se assemelha à de jovens da periferia de Paris, que queimam até milhares de automóveis numa noite. Os vândalos destoaram na caminhada de paz.

Oráculo

Só no metrô, de volta para casa, lembrei-me do oráculo. No papel comprido e estreito, estava escrito em letras azuis de impressora, com o crédito para o livro “O gato Malhado e a andorinha Sinhá”, de Jorge Amado: “Não sou tão tolo a ponto de achar-me capaz de entender o coração de uma mulher, quanto mais o de uma andorinha”.

Pensei cá comigo: nem coração de mulher, nem de andorinha. Enigma cabeludo é essa passeata dos mais de 100 mil.


Randolfe antecipa voto em eventual 2º turno: vai de Marina contra Dilma
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Mário Magalhães

O senador Randolfe Rodrigues (Psol/AP) – Foto Lula Marques/Folhapress

 

O único senador do Partido Socialismo e Liberdade, Randolfe Rodrigues (AP), rompeu o silêncio: depois de reiteradas vezes adiar para depois do próximo domingo sua declaração de voto em eventual segundo turno, ele antecipou ao blog que já decidiu.

Em caso de confronto entre Dilma Rousseff (PT) e Marina Silva (PSB), Randolfe votará na ex-senadora para presidente.

Seus motivos: “[…] O Brasil pode, através dela, inaugurar o quarto ciclo necessário de sua história. Nos últimos 30 anos o país alcançou a democracia, a estabilidade da moeda e ascensão social. Entretanto, a política, da ditadura para cá, se degenerou, virou palco da corrupção e do fisiologismo, afastou a juventude e desestimulou a participação popular. A política tem que voltar a apaixonar as pessoas. Apenas na candidatura de Marina vejo a possibilidade de produzir uma revolução simbólica fundamental: derrotar figuras encasteladas no estado desde a ditadura, como José Sarney e Renan Calheiros, que representam a velha política e tudo aquilo que as ruas repudiaram em 2013″.

Se houver segundo turno entre a presidente e o senador Aécio Neves (PSDB), Randolfe vai declarar “voto crítico” na candidata à reeleição.

Indicado no fim do ano passado para concorrer à Presidência pelo Psol, Randolfe desistiu da candidatura, dando lugar à ex-deputada Luciana Genro. Ele não participa da campanha e, como se vê abaixo, esboça um discurso de ruptura e despedida. Afirma que no primeiro turno votará na ainda correligionária.

É possível que em breve se associe a Marina e à Rede Sustentabilidade, se a nova agremiação prosperar, como farão companheiros seus como os vereadores Heloísa Helena (Maceió) e Jefferson Moura (Rio). Caso contrário, escolherá outra legenda.

No começo de setembro, o UOL revelou que Randolfe estava filiado ao Psol “com pendência de cancelamento”, conforme certidão da Justiça Eleitoral. Agora há pouco, ele disse que este registro assim permanece desde 2011, devido a problemas burocráticos.

De qualquer forma, como se vê na entrevista abaixo, concedida por e-mail, logo não haverá mais pendência, e Randolfe Rodrigues deixará o partido.

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É verdade que o senhor vai se transferir do Psol para a Rede Sustentabilidade? Por quê (independentemente da resposta)?

Desde minha desistência da pré-candidatura para cá a relação com o PSOL tem sido desgastada, isso aconteceu muito menos por mim. Não seria de minha vontade sair do PSOL, mas alguns setores, dentro do partido, têm considerado que a convivência comigo não pode ser sustentada. Resumindo, diálogo buscado apenas por uma parte, é monólogo.

O senhor votará em Marina Silva ou Luciana Genro?

No primeiro turno, em respeito ao meu partido, votarei em Luciana.

Por que – a pergunta decorre do acompanhamento do noticiário – o senhor não participa da campanha da candidata do Psol?

No marco da desistência à pré-candidatura presidencial, formalizei algumas críticas e autocríticas objetivando abrir um debate fraterno com o partido e com a própria companheira Luciana, mas não fui procurado para dar prosseguimento ao diálogo. Não foram estabelecias pontes, embora tenha me colocado à disposição para tanto.

Por que, indicado pela convenção partidária, o senhor abriu mão da candidatura presidencial?

A minha pré-candidatura foi definida em dezembro passado, no 4º Congresso Nacional do PSOL. Obtive 53% dos votos congressuais sobre a própria Luciana Genro. Pretendia que a candidatura apresentasse um novo projeto democrático e popular, que reunisse os setores progressistas da sociedade brasileira, expandindo o espectro da esquerda. Mas entendi que o propósito da candidatura era produzir um rearranjo de forças dentro do PSOL. Diante disso, percebi que não seria o meu nome que melhor para cumprir esse objetivo e a devolvi a candidatura.

Em eventual segundo turno entre Marina Silva e Dilma Rousseff, de quem será o seu voto? Por quê?

Votarei em Marina. Isso não significa adesão a todas as ideias que foram e estão sendo expostas por ela ou por sua campanha. Apenas compreendo que o Brasil pode, através dela, inaugurar o quarto ciclo necessário de sua história. Nos últimos 30 anos o país alcançou a democracia, a estabilidade da moeda e ascensão social. Entretanto, a política, da ditadura para cá, se degenerou, virou palco da corrupção e do fisiologismo, afastou a juventude e desestimulou a participação popular. A política tem que voltar a apaixonar as pessoas. Apenas na candidatura de Marina vejo a possibilidade de produzir uma revolução simbólica fundamental: derrotar figuras encasteladas no estado desde a ditadura, como José Sarney e Renan Calheiros, que representam a velha política e tudo aquilo que as ruas repudiaram em 2013.

(Mais tarde, transmiti outras duas perguntas:)

Em um possível segundo turno entre Aécio Neves e Dilma Rousseff , em quem o senhor votaria?

Nesta situação, a opção seria voto crítico na Dilma Rousseff.

Após as eleições, o senhor ingressará na Rede?

O meu futuro partidário ainda não está definido, minha preferência seria permanecer no PSOL, mas esse é o tipo de relação em que apenas um tem apostado, neste caso: eu.


Obituários precoces: analistas chegaram a enterrar Dilma, Aécio e Marina
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Mário Magalhães

A campanha presidencial permanece indefinida e, em virtude da corrida parelha, eletrizante.

Um balanço, contudo, já pode ser esboçado: desde que acompanho eleições (pleito para o Senado em 1974), nunca li e ouvi tanto palpite furado de quem se pronuncia com a autoridade de analista e comentarista.

Também já me embrenhei no estudo de eleições desde a virada da década de 1920 para a de 1930. Também não me recordo, indo mais longe no tempo, de prognósticos tão desautorizados pelos fatos.

Primeiro, com a morte de Eduardo Campos e a ascensão espetacular de Marina Silva, dei com, mais do que menção à hipótese, previsão de triunfo no primeiro turno da ex-senadora. Dilma Rousseff já era.

Em seguida, com a presidente demonstrando que sua base social entre os mais pobres não lhe virou as costas, foi a vez de muitos tratarem Aécio Neves como defunto. Era certo: o mata-mata final oporia as ex-ministras de Lula.

A convicção de que Aécio não se recuperaria resultou em plantação: ele abandonaria o confronto pelo Planalto. Hoje, isso significaria Dilma liquidar a fatura no domingo. Quando espalharam o boato sem fundamento, a cascata sobre a desistência do tucano favorecia a consagração de Marina direto no primeiro turno.

Com a lenta recuperação de Aécio e a intensa deterioração de Marina, houve quem a dissesse fora do segundo turno. Mais um chute precipitado.

O cenário tem mudado com assombrosa rapidez, mas certos vaticínios parecem mais expressão de vontade do que de razão.

A impressão é de que regressamos à época da imprensa partidária e colérica dos anos 1950 e 1960.

Não há mais o Plano Cohen da década de 1930 ou a Carta Brandi dos 1950, ambos instrumentos do golpismo.

Mas o que tem de factoide às vésperas da eleição de 2014…

Em suma, Dilma, Marina e Aécio seguem vivíssimos.

O único obituário real foi o do governador Eduardo Campos, na tragédia que nem ele nem o Brasil mereciam.

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Rio: Arquivo Nacional abre hoje exposição sobre o presidente João Goulart
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Mário Magalhães

 

 

Curiosidade sobre a prosódia nacional: em todo o país, o presidente João Belchior Marques Goulart (1919-1976) tem o último sobrenome pronunciado como “Gu-lár”, duas sílabas. Mas entre seus conterrâneos gaúchos ele é “Gu-lár-ti”, trissílabo.

Voltando à vaca fria, ou quente: o Arquivo Nacional abre hoje no Rio, às 18h, a exposição “Jango: nossa breve história”.

Com 160 fotografias, vídeo e dezenas de documentos, a mostra passeia pelos tempos de João Goulart presidente _governante no regime parlamentarista (1961-1963) e no presidencialista (1963-1964)_ e um pouco antes e pouco depois.

Presidente constitucional, Jango foi derrubado pelo golpe de Estado que deflagrou a ditadura que se estendeu por 21 anos.

A exposição fica em cartaz até 15 de janeiro. Está aberta de segunda a sexta, das 9h às 18h.

Para mais informações, basta clicar aqui.

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São Paulo: livro sobre Alexandre Vannucchi será lançado nesta 5ª-feira
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Mário Magalhães

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Assassinado na tortura por beleguins da repressão política, o brasileiro Alexandre Vannucchi Leme é o protagonista da biografia que leva seu nome e o subtítulo “Jovem, estudante, morto pela ditadura”.

O autor é o seu tio Aldo Vannucchi, e o livro sai pela Editora Contexto.

O lançamento rola hoje, quinta-feira (2 de outubro), a partir das 18h30, em São Paulo. Na Livraria Cultura do Bourbon Shopping.

Alexandre era quartanista de geologia na USP quando foi preso em março de 1973 por agentes do DOI (Destacamento de Operações de Informações) do II Exército e martirizado até a morte.

Tinha 22 anos e militava na Ação Libertadora Nacional, organização guerrilheira de combate à ditadura.

O comandante do DOI era o então major Carlos Alberto Brilhante Ustra, hoje coronel reformado. E impune.

Para mais informações sobre o livro, basta clicar aqui.

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Levy Fidelix não passa de bode na sala da eleição
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Mário Magalhães

São bem-vindas as reações às declarações preconceituosas do estrupício Levy Fidelix.

Preconceito é grave, mas no caso seria o de menos. O pronunciamento homofóbico do candidato a presidente pelo PRTB, no debate da TV Record, estimula a intolerância e inflama o ódio.

Mas quem é o tipo caricatural, sessentão de bigodão e parcos cabelos mais negros que piche na praia?

Politicamente, um zé-ninguém.

O que ele prega não mobiliza mais que meia dúzia, e olhe lá.

A indignação diante dos seus desvarios é saudável, reitero, mas sem querer ajuda a ocultar comportamentos que podem influenciar muito mais a vida dos cidadãos.

Dilma Rousseff é a presidente que recuou no ensino anti-homofobia, acatando pressões medievais contra o dito “kit gay” nas escolas.

Bastou um tuíte do pastor Silas Malafaia para Marina Silva mudar seu programa sobre casamento igualitário.

E Aécio Neves… Bem, o que Aécio Neves diz sobre o tema?

Em suma: os três principais candidatos ao Planalto jogam na retranca em relação à homofobia.

Mas agora só se fala em Levy Fidelix.

Quando o bode sair, a sala vai continuar como estava antes, mas muitas almas civilizadas, ingenuamente, sentirão conforto.

É como escutar o Pastor Everaldo ensandecido contra o direito ao aborto: muita gente esquece que Dilma, Marina e Aécio também se opõem.

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Na Globo, Tarcísio pergunta a Pezão: ‘Cadê o Amarildo?’ E o governador ri
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Mário Magalhães

 

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A cara de Pezão ao ouvir pergunta sobre Amarildo – Reprodução TV Globo

 

País afora, eleitores se queixaram do nível dos candidatos nos debates da TV Globo que começaram na noite de ontem e entraram pela madrugada de hoje.

Pois no Rio o encontro dos concorrentes ao Palácio Guanabara prestou um enorme serviço. Deixou mais claro, para o bem e para o mal, quem é quem. Os cinco participantes capricharam: pela primeira vez na campanha, poucas vezes estouraram o tempo estabelecido para falar.

Oscilando nas pesquisas com 1% a 2% de intenção dos votos, Tarcísio Motta (PSOL) foi um dos dois protagonistas do debate, ao questionar o outro, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). O professor de história desfiou estatísticas sobre pessoas desaparecidas no Estado e fustigou:

“Eu quero te dar a chance de responder: Pezão, cadê o Amarildo?”

Espantosamente, a primeira reação do postulante à reeleição foi rir.

Isso mesmo: Pezão riu.

E não só ele: parte da plateia presente no estúdio _assessores, correligionários e jornalistas_ quase gargalhou.

Acharam engraçada a indagação sobre o pedreiro morto na tortura por PMs em 14 de julho de 2013 e cujo corpo até hoje não foi devolvido à família.

Pezão esgrimiu números e argumentos, mas não escapou de ouvir a observação de Tarcísio Motta sobre o riso.

Para assistir à cena insultuosa, basta clicar aqui e ver de 1 hora, 0 minuto e 11 segundos a 1 hora, 4 minutos e 30 segundos.

No mais, tudo como dantes: o Datafolha divulgou ontem levantamento em que Pezão aparece com 31%; Anthony Garotinho (PR), com 24%; Marcelo Crivella (PRB), com 17%; e Lindberg Farias (PT), com 11%.

A não ser que ocorra surpresa, Pezão e Garotinho se confrontarão no segundo turno.

Hoje, Pezão venceria por 50% a 33%. A diferença de 17 pontos é ampla, mas caiu 7 pontos desde a semana passada.

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