Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : dezembro 2013

Por que derrubaram Jango (1)
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Mário Magalhães

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Eis, acima, a manchete da “Folha de S. Paulo” de 50 anos atrás.

Anos antes, no Rio Grande do Sul, o governador Leonel Brizola, que em 1963 era deputado federal, havia nacionalizado empresa norte-americana.

As multinacionais esperneavam contra a lei que regulava remessas de lucros para o exterior e temiam que o presidente João Goulart repetisse com mais convicção a política nacionalista do seu correligionário e cunhado Brizola. Em breve, Jango encamparia as refinarias particulares de petróleo.

Muitas forças, o capital estrangeiro entre elas, conspiraram para a deposição de Goulart, como se comentará aqui no blog nos próximos meses.

Em 23 de dezembro de 1963, faltavam 101 dias para o golpe de 1º de abril de 1964.


Cabral + Paes + Renan + Newtão: políticos tripudiam das jornadas de junho
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Mário Magalhães

blog - manif mais de 100 mil

17 de junho de 2013 no Rio, diante do Teatro Municipal, na manifestação dos mais de 100 mil

 

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Parece que os caras fazem só para provocar, e talvez não seja só impressão.

Na sexta-feira, a maior das manifestações populares de junho, no dia 20, completou seis meses. Chutaram que naquela jornada, no Rio, mais de 300 mil pessoas haviam saído às ruas. Pode ter sido mais, pode ter sido menos. Em 17 de junho, tinham sido mais de 100 mil aqui na cidade.

Embalada pela exigência de anulação do aumento das passagens dos transportes públicos, a revolta engolfou o Brasil, contra quase tudo e quase todos. Entre as palavras de ordem mais entoadas, as que miravam as bandalheiras dos políticos tremulavam os tímpanos.

Nos últimos dias, o noticiário acumulou indícios de que quem tremeu no auge dos protestos de junho considera que eles ficaram lá atrás, sem repercussões e constrangimentos no presente. Quem se borrou há meio ano está pouco ligando para as advertências de 2013.

Por acaso ou não, os quatro personagens pertencem ao PMDB.

Sérgio Cabral, depois de ser flagrado voando em helicóptero bancado pelo contribuinte, para passear com a família numa casa particular em Mangaratiba, anunciou que não reincidiria no vício. Promessa não cumprida pelo governador do Rio de Janeiro, como revelou o repórter Hanrrikson de Andrade.

O prefeito Eduardo Paes divulgou que o “reajuste” das passagens, barrado pelos cariocas em junho, viria em janeiro de 2014. Esse mês é consagrado para os aumentos, porque os estudantes estão de férias, o que torna menos prováveis mobilizações de massa. Mas o Tribunal de Contas do Município do Rio recomendou que o aumento não entre já em vigor, informou o colunista Fernando Molica.

Presidente do Congresso, Renan Calheiros havia sido descoberto voando em avião da FAB para convescote privado de correligionário, um casamento. Como os meninos que fazem xixi na cama, prometeu não fazer mais. Até que a repórter Andréia Sadi contou que o senador pegara na semana passada um avião da Força Aérea, tudo custeado pelo dinheiro dos cidadãos, num bate-volta Brasília-Recife para implantar fios de cabelo. Deve ser a tal parceria público-privado, aquela em que o público se dá mal, e o privado, bem.

A notícia mais recente é sobre Newton Cardoso, o deputado federal que já governou Minas Gerais. Newtão, dono de fortuna do tamanho das que inebriam a imaginação do Djavan quando fala de biógrafos, empregou verba da Câmara para um upgrade para a primeira classe de voo rumo a Nova York, reportaram Fernando Gallo e Ricardo Chapola. Precavido, esse Newtão: se voasse de econômica, correria o risco de ter ao lado o povaréu que deu, audácia de pobretões, para viajar de avião.

Não sei quando, que eu não sou adivinho, mas outros junhos virão.


Palavras malditas (5): não resistiu
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Mário Magalhães

Na “Tribuna da Imprensa”, em 1986, eu escrevia em máquinas – Foto multtclique.com.br

 

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Entre aspas, escrevi “não resistiu” no Google, e a pescaria foi gorda.

A moça “não resistiu e faleceu ao dar entrada no hospital”.

A vítima “não resistiu e morreu a caminho do hospital”.

“Rapaz vai visitar cunhado e leva seis tiros; ele não resistiu.”

“Motociclista que sofreu acidente não resistiu aos ferimentos.”

“Mesmo após receber todos os atendimentos, não resistiu e morreu.”

São 997 mil links com “não resistiu”, talvez centenas de milhares antecedendo os verbos morrer e falecer.

O vício vocabular instalou-se.

Ninguém bate as botas, mas não resiste.

Pior, antes de morrer, é preciso não resistir.

Nada de levou um tiro e morreu.

E, sim, levou um tiro, não resistiu e morreu.

É, o pessoal não resiste.


Após 54 anos, escola dos EUA deixa de ter nome de líder da Ku Klux Klan
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Mário Magalhães

Marcha do movimento de “supremacia branca” Ku Klux Klan, nos EUA – Foto reprodução

 

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A ampulheta da história está longe de encerrar a contagem do tempo. A história não chegou ao fim, segue acertando contas, do lado de baixo e do lado de cima do Equador.

Em poucos dias, três notícias.

Na Bahia, a comunidade escolar decidiu em eleição trocar o nome do Colégio Estadual Presidente Emílio Garrastazu Médici para Colégio Estadual Carlos Marighella (clique aqui para saber mais).

No Estado do Rio, o Colégio Estadual Costa e Silva passou a se chamar Colégio Estadual Abdias do Nascimento (aqui).

Em ambos os casos, abandonou-se a reverência a presidentes sem voto do período da ditadura 1964-1985, para homenagear cidadãos que combateram aquele regime, com (Marighella) ou sem (Abdias) armas.

A novidade mais recente vem da Flórida, Estado norte-americano: depois de 54 anos de batismo celebrando um líder racista, uma escola pública de ensino médio desistiu do antigo nome. A Nathan Bedford Forrest High School deixa no passado a honraria a um célebre dirigente da Ku Klux Klan, movimento político, terrorista e racista que pregava a supremacia branca.

O general Forrest (1821-1877) foi o primeiro chefão da Ku Klux Klan. Do século XIX ao XX, a organização não apenas cultivou o ódio contra judeus, índios, imigrantes e sobretudo negros: desenvolveu lobbies contra igualdade de direitos, protagonizou atos violentos, inclusive matando.

A história do colégio da Flórida expõe as resistências atávicas para caminhar da barbárie à civilização.

Seu nome foi escolhido em 1959 como retaliação à lei contra a segregação racial nas instituições de ensino.

Até 1966, estudantes negros eram proibidos na Nathan Bedford Forrest High School. A partir daquele ano, uns poucos ingressaram. Hoje a maioria é afro-descendente.

Apesar do horror de carregar o nome do capo fundador da KKK, a congregação do colégio rejeitou em 2008 qualquer mudança. No mesmo ano, Barack Obama triunfou na eleição presidencial.

Em outubro de 2013, mais de 150 mil cidadãos das redondezas da escola assinaram uma petição pedindo o fim da aberração.

Na noite da segunda-feira passada, por unanimidade, enfim a congregação dobrou-se ao século XXI e à roda da história. O público presente aplaudiu de pé o anúncio.

Nas semanas que antecederam a reunião, saudosos da Ku Klux Klan enviaram mensagens a favor da permanência do nome do ícone racista.

Os 1.300 alunos decidirão no voto como o estabelecimento se chamará: Westside High School ou Firestone High School.

Assim como as viúvas da ditadura chiaram no Brasil, nos Estados Unidos há consternação entre as viúvas da KKK.


‘Irmãos e irmãs de Shakespeare’, por Karina Kuschnir
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Mário Magalhães

metro passageiros turp

Desenho de Karina Kuschnir, feito com caneta nanquim

 

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A antropóloga, jornalista e professora universitária Karina Kuschnir tem se revelado sobretudo uma cronista inspirada.

E uma cronista rara, pela combinação de dois imensos talentos, o da prosa e o do desenho.

É difícil saber o que a Karina faz melhor, se escrever ou desenhar.

Para o tira-teima, o blog dela, amálgama de arte e inteligência, pode ser visitado aqui.

Acima, no desenho de passageiros do metrô carioca, e abaixo, no texto que acompanha a ilustração, compartilho uma amostra da cronista Karina.

Aposto que logo, logo seus trabalhos acabarão em livro impresso.

*

Irmãos e irmãs de Shakespeare

Por Karina Kuschnir

“A maior de todas as libertações é a liberdade de pensar nas coisas em si”, disse Virginia Woolf, em 1928, numa conferência para mulheres. Vamos imaginar, ela diz, o que aconteceria “se Shakespeare tivesse tido uma irmã maravilhosamente dotada, digamos, Judith”. O irmão aprende os clássicos, latim, álgebra, torna-se um grande autor, encena para a rainha da Inglaterra. Judith não vai à escola, mal chegam-lhe os livros, aprende a cozinhar e a remendar meias; seu pai almeja um marido rico. Ela se recusa, foge de casa; quer escrever, criar, atuar! Todos riem. Desprezam a ideia de que a irmã de Shakespeare possa ter sonhos e talentos. Judith por fim descobre-se grávida de um oportunista e se mata numa noite de inverno.

Mulheres não podiam ter a genialidade dos homens naquela época, como nem hoje podem trabalhadores, humildes ou operários — perguntem ao bispo!, ironiza Virginia. Mas ela não quer esse destino.

O talento é andrógino, escreve Virginia. O artista precisa da mente livre. E a liberdade, acreditem, é uma renda modesta e um quarto com chave na porta. É o poder de contemplar e de pensar por si mesma.

É por isso que me comovem e é por isso que desenho os passageiros andróginos do metrô. Penso que são todos parecidos com Judith. Irmãos e irmãs de Shakespeare, aprisionados em seus destinos de transporte e sobrevivência. Virgínia pergunta à sua platéia se está sendo injusta. “Podemos tagarelar sobre a democracia, mas, na verdade, uma criança pobre na Inglaterra tem pouco mais esperança do que tinha o filho de um escravo ateniense de emancipar-se até a liberdade intelectual de que nascem os grandes textos. (…) A liberdade intelectual depende das coisas materiais. E as mulheres sempre foram pobres, não apenas nos últimos duzentos anos, mas desde o começo dos tempos.”

Amo em Virgina seu gosto pelos aprisionados, pelas mulheres, pelo anonimato, pelo medo de escrever, pela inteireza. Ela lembra que os bilhões de seres humanos um dia foram gerados, alimentados e criados por suas mães. Ela chama de poetas todas as Judiths que não podem estar na sua platéia porque “estão em casa lavando a louça e pondo os filhos para dormir”. E nos convida a lutar, mesmo na pobreza e na obscuridade, para que um dia a irmã de Shakespeare nasça, viva e escreva sua poesia.

Foi pensando nesse texto de Virginia Woolf, que tanto impactou a minha vida de leitora, que trouxe esse desenho com os passageiros do metrô, os tranquilos e os cansados, os idosos e os leitores, os pais e as mães com seus filhos no colo. São mulheres que acordaram sem vontade de acordar, são funcionárias aflitas, professoras desanimadas, homens de olhar perdido, jovens entusiasmados ouvindo música. Eles me fazem companhia todos os dias; e me lembram de ser humilde, de que sou apenas mais uma nesse vagão.

Sobre o desenho: Fiz os passageiros a partir da observação direta, nos vagões do metrô entre as estações Botafogo e Uruguaiana, ao longo de seis páginas (uns dez dias) em um caderninho cinza, com caneta nanquim 0.1 mm ou 0.4 mm. Hoje escaneei as imagens e alinhei os diferentes tamanhos com a ajuda de um cut&paste no Photoshop (onde também joguei uma tinta meio cinza azulada em tudo). Tinha pensado em redesenhar cada uma das figurinhas para deixá-las uniformes e icônicas, mas depois resolvi que era mais congruente com o texto manter as imperfeições.

Sobre o texto citado: livro de Virginia Woolf, Um teto todo seu (ed. Nova Fronteira, 1985, tradução de Vera Ribeiro.) A publicação original é de 1929 e tem um título lindo: A room of one’s own. Li pela primeira vez esse livro em Belém (PA) numa versão xerox tirada na biblioteca da Uerj no início dos anos 1990. Em 2004, felizmente a Nova Fronteira lançou uma nova edição que comprei para dar de presente para todas as minhas amigas que ainda não tinham!


Entenda as tragédias: plano do RJ para áreas de risco não sai do papel
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Mário Magalhães

Angra dos Reis (RJ), janeiro de 2013 – Foto Nelson Antoine/Fotoarena/Folhapress

 

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Por Italo Nogueira (“Folha de S. Paulo”, 14.dez.2013)

Anunciado há três anos como principal programa para retirar moradores de áreas de alto de risco de deslizamento no Rio, o Morar Seguro ainda não saiu do papel.

Há um ano e meio o projeto tem recursos garantidos com parte do empréstimo de R$ 3,6 bilhões do Banco do Brasil para o governo do Rio.

Porém, até o momento, foram empenhados somente R$ 2,5 milhões, sem qualquer construção de casas populares através do programa.

O programa estadual foi anunciado três meses após os deslizamentos em Angra dos Reis, em janeiro de 2010, onde mais de 50 pessoas morreram. Em janeiro de 2011, depois do desastre na região Serrana, onde quase mil pessoas morreram, voltou a ser citado pelo governador Sérgio Cabral (PMDB). Foram prometidos cerca de R$ 1 bilhão de investimentos.

Para aderir ao programa, comandado pela Secretaria de Obras, as prefeituras deveriam identificar as áreas de risco em seus municípios e classificá-las em três categorias: área verde (baixo risco); área amarela (médio risco); e área vermelha (alto risco).

A primeira a aderir foi Petrópolis, apenas em novembro deste ano. Ela pode receber R$ 75 milhões de recursos federais pelo programa.

Procurada, a Secretaria de Obras disse que medidas de contenção de encostas e construção de moradias foram feitas dentro de outros programas. Segundo a pasta, foram concluídas ou estão em construção 9.272 unidades.

A secretaria aponta ainda que gastou R$ 514 milhões em reassentamento de moradores de áreas de risco e recuperação de locais atingidos.

O número de famílias que ainda recebem aluguel social, porém, supera o valor. Segundo Cabral, são cerca de 15 mil famílias. Essa solução é considerada pelo próprio Estado “precária e emergencial”.

Nos últimos dias, o Estado voltou a sofrer com enchentes e deslizamentos. Três pessoas morreram.

Força-tarefa

Cabral reuniu-se ontem com o ministro Francisco Teixeira (Integração Nacional) e propôs a criação de uma força-tarefa para limpeza de ruas e casas atingidas. Não foi definido o repasse ao Estado e às prefeituras.

A falta de limpeza das ruas é uma das grandes queixas dos moradores da Baixada Fluminense. Em Austin, distrito de Nova Iguaçu, muitos começaram a queimar móveis destruídos pelas águas.

“Joguei fora o jogo de sofá da sala, a minha cama e a do meu filho. Está tudo aqui na frente de casa e a prefeitura não veio recolher”, disse Lucimara da Conceição, 52.

A Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos informou que ontem ainda havia 6.653 famílias atendidas pelo órgão. Delas, 71 estão em abrigos.

Ainda segundo a secretaria, a maioria dos desalojados pela chuva já voltou para suas casas ou de parentes.


Palavras malditas (4): circula com desenvoltura
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Mário Magalhães

Na “Tribuna da Imprensa”, em 1986, eu escrevia em máquinas – Foto multtclique.com.br

 

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Até onde a memória, essa traiçoeira, alcança, foi o jornalismo brasiliense que disseminou a expressão “circula com desenvoltura” para caracterizar a influência de certas pessoas em ambientes do poder.

Fulano circula com desenvoltura no Palácio do Planalto, no Congresso, no Supremo, em tal ministério, partido político e daí por diante.

O problema é que, se lobbies e arranjos forem feitos de longe, porque pode não pegar bem a presença de alguns personagens em determinados corredores, o pessoal continuará dizendo que sicrano circula com desenvoltura… em lugares que não frequenta .

Se o dito cujo está com limitações de locomoção, a descrição permanece: ele prossegue circulando com desenvoltura.

Mesmo que os movimentos sejam feitos com discrição, como é comum, para não dar bandeira, sobrevive, nas vozes dos comentaristas de política e economia, a circulação com desenvoltura.

Dos clichês adotados nos últimos anos, poucos irritam tanto quanto esse que, perdão, circula com desenvoltura no linguajar jornalístico.


Breve crônica da bandalheira no esquema de táxis do Santos Dumont
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Mário Magalhães

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Mais de 11 horas da manhã, antes das 11 e meia, isto é, agora há pouco.

A fila dos táxis comuns do aeroporto Santos Dumont é comandada por personagens que parecem se submeter a teste de filme pastelão _uma tremenda bagunça.

Ao chegar a minha vez de embarcar, um dos organizadores da fila toma 2 reais do taxista em cujo carro eu entro. O táxi não é do ponto, cujos automóveis estão todos fora. Para dar conta dos passageiros, permitem motoristas forasteiros, mas lhes cobram um trocado.

A cerca de cinco metros, um guarda municipal assiste à cena, já habitual.

O trabalhador, motorista de táxi, tem de pagar um dinheirinho extorsivo a um esquema que opera concessão pública _que eu saiba, o ponto do Santos Dumont não é propriedade privada da dita cooperativa lá instalada.

Mais cedo, naquela mesma fila, uma senhora respondeu à pergunta sobre seu destino: Niterói. Informaram-lhe que a corrida de táxi comum custaria 120 reais, mais o pedágio de 4,90.

A mulher se assustou e, como tantos recém-chegados, pegou um táxi parado em outra pista. No seu destino, o taxímetro cravou 62 reais.

Outro dia o ministro Moreira Franco (Aviação Civil) e o secretário municipal Carlos Roberto Osório  (Transportes) anunciaram com pompa e circunstância que organizariam e moralizariam o sistema de táxis do Santos Dumont.

Palavras, nada mais.


Ato no RS cobra transformação de centro de tortura da ditadura em memorial
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Mário Magalhães

blog - suzana e ico lisboa

Suzana Keniger Lisboa, Milke Waldemar Keniger (a mãe da noiva) e Luiz Eurico Lisboa antes de partirem para o cartório onde os jovens se casariam, no fim dos anos 1960 – Foto arquivo de família

 

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No número 600 da rua Santo Antônio, em Porto Alegre, ergue-se um casarão de no mínimo três pisos, hoje com as paredes externas em cor predominante amarela e a pichação, com tinta preta, “Cadê o Amarildo?” no muro.

Na década de 1960, o vermelho corria abundante nas dependências da edificação onde funcionava um centro de tortura da polícia política gaúcha. A casa passaria a ser conhecida como Dopinha, em referência ao Dops, nave-mãe da repressão policial contra opositores, cuja sede ficava em outro lugar.

O vermelho era o sangue dos militantes martirizados no Dopinha. Um deles foi Manoel Raimundo Soares, antigo sargento do Exército cujo cadáver viria a ser encontrado com as mãos amarradas, no rio Jacuí, em 1966.

Em 1972, na cidade de São Paulo, foi a vez de agentes públicos da ditadura assassinarem Luiz Eurico Tejera Lisboa, o Ico, guerrilheiro que havia se celebrizado como dirigente do movimento secundarista porto-alegrense. Mataram e desapareceram com seu corpo. Sete anos mais tarde, seus restos foram descobertos, sobretudo pelo empenho comovente de sua viúva, Suzana Keniger Lisboa.

Hoje, a partir das 14h30, as histórias de Manoel Raimundo e Luiz Eurico vão se cruzar num ato público no prédio das velhas câmaras de tortura. Com shows de Nei Lisboa, irmão de Luiz Eurico, Raul Ellwanger, veterano da luta contra a ditadura, e muitos outros artistas do primeiro time da música do Sul, a manifestação reivindicará que o ex-Dopinha se transforme no centro de memória Ico Lisboa.

O propósito é, como ocorre no planeta inteiro na transição de regimes autoritários para democracias, que o local da barbárie passe a ser espaço de documentação e testemunho sobre o tempo que não deixou saudade. Um memorial pró-civilização.

O casarão é propriedade privada. O Comitê Carlos de Ré da Verdade, Memória e Justiça, entidade promotora do ato, propõe que a Prefeitura de Porto Alegre e o governo do Estado adquiram o imóvel e que a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República o administre.

Os organizadores esperam à tarde a presença do prefeito José Fortunati, do governador Tarso Genro e da ministra Maria do Rosário.

Até agora, houve promessas de construir o memorial, mas nada de concreto ocorreu.