Só em republiqueta presidente e governo agem por prédio residencial de luxo
Mário Magalhães
Um dos aspectos mais grotescos do affair em torno da construção do edifício La Vue é a mobilização do presidente e de ao menos dois ministros para liberar um prédio residencial de luxo vetado por servidores públicos especializados em patrimônio histórico e artístico. E agindo para a Advocacia-Geral da União cuidar do caso. Tudo bancado, do salário dos governantes ao do pessoal da AGU, com o sofrido dinheiro dos contribuintes.
Isso não é coisa de República, mas de republiqueta.
Como quase todo mundo sabe, o ministro Geddel Vieira Lima (Secretaria de Governo) procurou reiteradamente o ministro Marcelo Calero (Cultura) para tratar da edificação projetada com 30 andares em Salvador. Geddel comprara um apartamento no prédio. Calero pediu demissão e contou que o antigo colega de Ministério o pressionara para mudar a decisão do Iphan de proibir o espigão na Ladeira da Barra _o instituto autorizou no máximo 13 pisos. Geddel alega que não o pressionou.
Calero disse à Polícia Federal que o ministro Eliseu Padilha (Casa Civil) também o abordou sobre o La Vue.
Mais grave, o ex-ministro afirmou que, mais de uma vez, Michel Temer teve a mesma atitude.
O presidente e os ministros Geddel e Padilha confirmaram as conversas, mas sustentam que não peitaram Calero.
Tendo peitado ou não, é inaceitável que os pesos pesados do governo interpelem um ministro de Estado por causa de interesses de empreendimento privado como o prédio de nome francês.
Nem discuto agora os investimentos cortados em obras públicas que poderiam gerar milhares de empregos na construção civil.
E sim a intervenção do Planalto num instituto público como o Iphan, para favorecer ambições particulares.
O servidor público deve defender o Estado e os cidadãos, não o bolso de empreiteiros. A regra vale para Temer, Dilma, Lula, FHC, qualquer governante.
A hipocrisia presidencial atingiu o despudor. ''Precisamos aprender no país a respeitar as instituições'', disse recentemente Temer, provocando e avacalhando os adolescentes que ocupam escolas país afora.
Na posse do sucessor de Calero, Temer não pronunciou o nome do antigo ministro, que somente ontem acabou sendo elogiado em nota.
O discurso do presidente na posse de Roberto Freire, sabendo que Calero partira por não ceder ao reclamos do chefe, foi de desfaçatez assombrosa.
Como escrito outro dia, comparado a Temer, Geddel é só um probleminha.
De personagens controversos da República, Temer e seus lugares-tenentes se transformaram em figuras de republiqueta e ópera-bufa.