Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: Eles também ouviram não
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Mário Magalhães

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O jovem escritor Truman Capote, fotografado por Henri Cartier-Bresson

 

Que eu saiba, excluindo masoquistas, ninguém gosta de ouvir não. Entre os que ouvem não, há quem jogue a toalha e quem persevere no ringue. Descobri um antídoto para sair das cordas e não se entregar quando nos recusam o sim: pensar em tanta gente boa que transformou negativas em estímulo.

O único jogador a disputar três finais de Copa do Mundo foi o Cafu. Mas o futuro capitão da seleção, no tempo em que engatinhava na carreira, frustrou-se com a reprovação em pelo menos nove peneiras. Quatro desses testes ocorreram no São Paulo, clube que mais tarde lhe abriu as portas e onde o Cafu se consagrou.

Se Truman Capote desistisse depois de lhe negarem a badalada bolsa Guggenheim, a literatura teria perdido obras-primas como Bonequinha de Luxo e A Sangue Frio. Patricia Cornwell teve três romances policiais descartados por editoras antes de emplacar Post-Mortem, o primeiro de uma coleção de best-sellers.

Existem os nãos definitivos que não valem uma lágrima. Honoré de Balzac foi barrado na Académie Française, para a qual Émile Zola candidatou-se 24 vezes sem sucesso.

O Oscar disse não a Alfred Hitchcock, que acumulou cinco indicações para melhor diretor, inclusive por Janela Indiscreta e Psicose _foi derrotado em todas, só ganhando uma homenagem pelo conjunto da obra. A Charles Chaplin também restou apenas prêmio de consolação. Peter Lorre, Glenn Close, Albert Finney, Natalie Wood e Marcello Mastroianni não experimentaram o prazer de receber a estatueta. Em todos os casos, pior para o Oscar.

Domingo no Parque, Roda Viva e Travessia são músicas que sobreviverão. Mas não conquistaram o título nos festivais da canção em que concorreram. Tive, Sim, clássico do Cartola, amargou o quinto lugar na Bienal do Samba de 1968.

O não mais doído é o de amor. Conheço quem insistiu em pedidos de namoro e casamento até ouvir o sim. E quem teve a sorte de escutar o não que evitou desastres. O não pode ser o começo, e não o fim.

(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, agosto de 2015)

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Por que Hillary e Trump são os candidatos mais sortudos do mundo?
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Mário Magalhães

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O republicano Donald Trump e a democrata Hillary Clinton – Foto Brian Snyder/Reuters

 

Nunca houve candidatos tão sortudos como Hillary Clinton e Donald Trump.

Sortudos por terem um ao outro como oponente.

Se eles não tivessem nascido virados para a Lua, não teriam chance de vencer a eleição para a Casa Branca.

A democrata só conserva o sonho de ser presidente por enfrentar um boçal odiado por parcela expressiva dos norte-americanos.

E o republicano só se mantém candidato competitivo por ter como adversária uma ex-secretária de Estado, fanzoca arrogante da condição dos EUA como polícia do mundo, igualmente detestada.

É verdade que a sorte de Hillary cochilou quando ela perdeu para Barack Obama a indicação presidencial do seu partido, mas logo despertou.

Um dos dois chegará lá menos por seus eventuais méritos e mais pelos deméritos alheios.

O que não os torna iguais, porque não é fácil encontrar figura tão funesta quanto Donald Trump.

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Imaginação de Crivella inventa plebiscito e referendo inexistentes no Rio
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Mário Magalhães

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O senador Marcelo Crivella, prefeito eleito do Rio – Foto reprodução Folhapress

 

Prefeito eleito do Rio, Marcelo Crivella tem repetido que sua vitória no domingo representou a manifestação popular sobre três temas tão relevantes quanto controversos: ''O que o povo do Rio determinou nesse momento das urnas é que as pessoas são contra liberação das drogas, legalização do aborto e a discussão de ideologia de gênero nas escolas. Isso foi dito na minha eleição''.

Deixe-se para lá as palavras escolhidas pelo bispo, como ''liberação das drogas'', que mais confundem do que explicam. Maconha, crack, cocaína, LSD, do que se trata?

Os cidadãos não se pronunciaram sobre descriminalização ou não de qualquer droga ilícita.

Muito menos sobre descriminalização do aborto.

Menos ainda sobre questões de gênero no ensino.

Daqui a pouco, Crivella vai supor que os cariocas são majoritariamente botafoguenses, por ser o Botafogo o clube pelo qual o senador torce.

É possível ou provável que, se instados a opinar nas urnas sobre assuntos como os enumerados pelo futuro prefeito, os eleitores o acompanhem nas opções conservadoras.

Mas não houve plebiscito ou referendo, consulta sobre drogas, aborto e questões de gênero na educação.

E sim a _importante, é óbvio_ eleição do novo prefeito.

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Demonizar eleitor, como andam fazendo no Rio, maltrata a democracia
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Mário Magalhães

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O legítimo prefeito eleito, Marcelo Crivella, na festa da vitória – Foto Júlio César Guimarães/UOL

 

Por que um eleitor de Marcelo Crivella é pior ou melhor que um de Marcelo Freixo?

Dissemina-se em certos círculos tidos como bem-pensantes a demonização dos cidadãos que no domingo escolheram o senador do PRB para ser o próximo prefeito do Rio.

Começam com o menosprezo de quem sufragou Crivella. Esses cariocas teriam votado no bispo da Igreja Universal do Reino de Deus porque seriam ignorantes. Têm menos escolaridade. São evangélicos, fiéis de igrejas que se desenvolvem mais em bairros humildes. Noutras palavras, não pronunciadas: porque são pobres. (Logo, diferentes dos núcleos mais ricos que preferiram Crivella para barrar quem identificam como perigoso esquerdista, o deputado do PSOL; essa turma caixa-alta tem pouco voto, em comparação com as multidões de menor renda.)

Do menosprezo, passam a demonizar. Trombeteiam que os tais desclassificados que levaram Crivella a colher 59,36% dos votos válidos serão culpados por tudo de ruim que vier a acontecer com a cidade. São vilões antes mesmo da posse do novo governo. Algo como condenar a maioria absoluta que consagrou o prefeito Eduardo Paes no primeiro turno de 2012 pelo desabamento da ciclovia na avenida Niemeyer.

No fundo, embora o pudor impeça que as ideias se manifestem escancaradas, classificam os eleitores em duas espécies: a ilustrada e a imbecil. Só teria optado pelo bispo-senador quem é estúpido.

Esse tipo de raciocínio faz mal à democracia. Vigorou em alguns ambientes no tempo em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff triunfaram quatro vezes em eleições presidenciais. Até Fernando Henrique Cardoso, o presidente sociólogo, flertou com tal interpretação, sobre os ''menos informados''.

Talvez seja difícil reconhecer, mas quem mais sofre com a desigualdade obscena do país sabe onde o calo dói. Se escolheram Crivella, é porque o têm como o candidato mais capacitado a defender os interesses de quem mais precisa.

Se estão certos, é outra coisa, e creio ser insuspeito para falar. Como já escrito, considero que a distância entre os pensamentos de Freixo e de Crivella é de séculos. O que não equivale a desclassificar eleitor.

Outro modo de tratar os eleitores do senador como parvos é culpar Freixo pela derrota. Essa análise parte do pressuposto de que necessariamente o deputado teria de ter vencido. Se não ganhou, seria por responsabilidade só dele. Os eleitores, suas convicções, percepções e sabedoria, inexistem para quem reduz a discutíveis derrapadas de Freixo a vitória de Crivella.

Na democracia, governante, seja quem for, se elege no voto.

Como Crivella, e não como Michel Temer.

Crivella será o prefeito legítimo do Rio.

Temer é presidente ilegítimo.

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Crivella insinuou falcatrua de adversário agora cotado para ser secretário
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Mário Magalhães

 

No discurso da vitória, domingo em Bangu, Marcelo Crivella (PRB) cercou-se de aliados. Alguns estavam com o prefeito eleito do Rio desde o primeiro turno, como a deputada Clarissa Garotinho (PR), que não costumava ser vista na campanha. Outros se tornaram parceiros no mata-mata derradeiro, como o candidato Carlos Roberto Osório (PSDB), eliminado na rodada inicial.

Um dos mais alegres na comemoração era o deputado Indio da Costa (PSD), que no começo de outubro colheu 9% dos votos válidos. No confronto final contra Marcelo Freixo (PSOL), Indio aderiu à campanha de Crivella, pediu voto na TV, empenhou-se. É cotado para integrar o secretariado do novo prefeito.

Se Crivella nomeá-lo, prestigiará um político contra quem semanas atrás fez insinuação de conduta imprópria como secretário municipal. Em um debate na Band, Crivella fustigou: ''Indio, na época em que você estava na administração pública havia uma musiquinha no Rio de Janeiro que dizia o seguinte: ''Ê, ê, ê, ê, ê, Indio quer merenda, se não der pau vai comer''. Cantou-a com a melodia da célebre marchinha ''Índio quer apito'' (para assistir ao ataque de Crivella, basta clicar na imagem no alto ou aqui).

O senador se referia a uma Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara Municipal que em 2006 investigou supostas irregularidades nos contratos de fornecimento de merenda para escolas mantidas pela prefeitura. A CPI da Merenda escrutinou contratos no valor de R$ 80 milhões celebrados quando Indio era o secretário de Administração. O relatório da CPI apontou ''omissão dos gestores da licitação''. Indio negou irregularidades. O inquérito foi arquivado.

Mesmo sem acusação do Ministério Público contra Indio da Costa, Crivella usou o caso da merenda para insinuar comportamento impróprio de Indio.

No mesmo debate, Crivella disse que o então oponente ''não leva em consideração o meu projeto de ajudar as famílias a terminarem suas casas porque ele mora na Vieira Souto [de frente para o mar de Ipanema]''.

A iniciativa do confronto virulento não foi de Crivella, que se defendeu atacando. Foi de Indio, que disparou frases como esta: ''Eu não sei quem quebraria a prefeitura primeiro: o bispo Crivella […] ou o Pedro Paulo [PMDB]''.

E falou ao eleitor: ''Se você não quer a Igreja Universal, com seus dogmas, mandando na escola do seu filho […]'', ''mandando em hospital público […]''.

Agora, Indio pode acabar secretário de Crivella.

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Frase do dia
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Mário Magalhães

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1º de janeiro de 2016: festa em Copacabana; depois viria a ressaca – Foto Marcelo Jesus/UOL

 

De um carioca, ao comentar que em 2016 Michel Temer se tornou presidente da República, Marcelo Crivella se elegeu prefeito do Rio e Donald Trump mantém chance _ou risco_ de ser eleito para a Casa Branca:

''Se eu soubesse que a ressaca do Réveillon seria tão forte, teria bebido menos''.

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Olhai por nós
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Mário Magalhães

Foto do grande Antônio Gaudério

 

Marcelo Crivella venceu ontem a eleição para prefeito do Rio com 1.700.030 votos (59,36% dos sufrágios válidos).

Marcelo Freixo obteve 1.163.662 (40,64%).

O candidato do PRB foi escolhido por 34,7% do total de eleitores inscritos (4.898.044).

O do PSOL, por 23,8%.

Não compareceram 26,9% dos cidadãos aptos a votar.

Os votos nulos representaram 15,9%. Os brancos, 4,2%.

Até a sexta-feira, de acordo com a Justiça Eleitoral, a campanha do senador tinha arrecadado R$ 7.572.174,81. Fundos de partido político bancaram 99% dessa quantia.

A do deputado, R$ 1.524.009,59. Fundos partidários cobriram 26%. A maioria das doações foi de pessoas físicas.

Cada voto de Crivella correspondeu em média a R$ 4,45 de arrecadação.

Cada voto de Freixo, a R$ 1,31.

Crivella colheu mais 857.829 votos que no primeiro turno, crescimento de 101,9%.

Freixo ganhou mais 610.238 eleitores, aumento de 110,3%.

O domingo no Rio foi nublado, chuviscando de vez em quando.

Não parecia primavera.

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Sabáticas: Provérbios furados
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Mário Magalhães

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O Gordo e o Magro: quem ri por último ri melhor?

 

Cão que ladra não morde, supunha o incauto que se fiou na dica e levou 23 pontos na batata da perna, retalhada pelas dentadas do cachorro que tanto ladrava quanto mordia.

Com ralos cabelos restantes e o rosto castigado pelos sulcos do tempo, a anciã desenganada ainda aguardava, convencida de que, afinal, quem espera sempre alcança. Um contemporâneo dela se despedira da vida sem chegar ao destino sonhado, rumo ao qual caminhara a passos lentos e esperançosos, confiante de que devagar se vai ao longe.

Por mais que provérbios ensinem sobre a existência, volta e meia alguns trapaceiam. Dinheiro não traz felicidade, costumam proclamar, com razão. Mas é mais fácil a infelicidade prosperar onde falta do que onde sobra. O ditado se presta a confortar quem nada ou pouco tem. Se nada tem, pouco adianta se queixar, pois o bom cabrito não berra, aconselham. Já a marchinha carnavalesca canta o contrário: quem não chora não mama.

Embora inspiradas, algumas tiradas não se sustentam. Quem ri por último ri melhor pode ser mera expressão de lerdeza para perceber a piada, só entendida depois que uma boa alma a explica bem explicadinha.

Quem não deve não teme talvez seja lição que imunize contra determinadas angústias, mas já temi justamente por não dever _no mundo real, às vezes é assim. Água mole em pedra dura tanto bate até que fura, o pessoal insiste. Pode até ser verdade, mas daqui a quantos milênios?

Por mais sedutora que seja a melodia da canção que a embala, a máxima as aparências enganam nos ocorre somente de vez em quando. O motivo é singelo: quase sempre, as aparências não só não enganam como denunciam. É o que comprovam os abacates maduros demais na feira ou as pessoas em quem, está na cara, não devemos confiar.

O fascínio de provérbios clássicos faz com que os repitamos mesmo se desconfiamos que sejam furados. Se um conhecido manda bem, e eu admiro sua ascendência, não resisto ao afago: quem sai aos seus não degenera.

Nesses casos, a frase procede. O problema é se o filho de um serial killer, o neto de um canastrão ou o bisneto de um larápio reedita feitos do antepassado. Aí, quem sai aos seus já nasce degenerado.

(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, julho de 2014)

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A cada R$ 1 arrecadado por Freixo na campanha, Crivella recebe R$ 5
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Mário Magalhães

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Crivella e Freixo – Fotos Thiago Ribeiro/FramePhoto/Agência O Globo/Reprodução/TV Globo

 

Para cada R$ 1 arrecadado até agora pelo candidato Marcelo Freixo (PSOL) na campanha a prefeito do Rio, seu adversário Marcelo Crivella (PRB) recebeu R$ 5.

Ao pé dos números, as doações para o deputado alcançam R$ 1.444.930,59. Para o senador, R$ 7.199.674,81.

Sem arredondar, são R$ 4,98 para Crivella a cada R$ 1 de Freixo.

Ou 398% a mais.

Esses são os dados mais recentes disponíveis, atualizados anteontem pelas campanhas na Justiça Eleitoral.

Além do abismo no volume de dinheiro, há outros contrastes.

Os recursos de Crivella provêm quase integralmente do PRB, que contribuiu com R$ 7.072.374,81, o equivalente a 98% do total.

Fundos partidários, para Freixo, respondem por 26% da receita. Sua campanha é bancada sobretudo por pessoas físicas. As colaborações via internet representam 46,24% da arrecadação. Freixo é o candidato campeão nacional em financiamento coletivo, com mais pessoas físicas contribuindo.

As despesas de Crivella já pagas atingem R$ 6.573.653,75. De Freixo, R$ 974.594,83. Ou R$ 6,70 desembolsado pelo senador por R$ 1,00 pelo deputado.

Ibope divulgado ontem confere 61% dos votos válidos a Crivella e 39% para Freixo.

Nessa conta, para cada voto em Freixo, a pesquisa estima 1,56 em Crivella, proporção bem menor que a diferença no caixa.

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Igualar Freixo e Crivella equivale a equiparar séculos diferentes
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Mário Magalhães

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Marcelo Crivella e Marcelo Freixo, candidatos a prefeito do Rio – Fotomontagem Folhapress

 

Se há atitude legítima em eleição, tão democrática quanto sufragar um ou outro candidato, é votar nulo ou branco.

Ou mesmo não comparecer às urnas. O voto obrigatório constitui coação do Estado, ato autoritário contra o direito de o cidadão não votar. Voto é direito, conquistado com sangue e suor, e não dever.

Noutras palavras, é evidente a legitimidade de votar em Marcelo Crivella, em Marcelo Freixo, em branco, anular, trocar a seção eleitoral por um dia na praia.

A votação do domingo será decisiva para o Rio dos próximos quatro anos? Será.

Mas se os dois candidatos provocarem engulho, qual a contraindicação de rejeitar ambos? Nesse caso, pena que não existam mais as cédulas de papel em que o eleitor garatujava mensagens ou palavrões ao anular o voto.

Dito isso, passemos ao segundo tempo: recusar os candidatos do PRB e do PSOL é do jogo, mas dizer que são iguais parece estranho.

Porque os dois são tão distantes quanto os séculos a que remetem suas pregações.

É possível amar ou odiar, gostar ou não, identificar-se muito, pouco ou nada, reconhecer mais aspectos negativos que positivos ou vice-versa, enfim, pensar o que se quiser sobre Freixo. No entanto, é inegável que sua agenda para a cidade e o país está fincada no século 21. São pautas contemporâneas, boas ou ruins, saudáveis ou daninhas. Talvez, como acusam seus adversários, o deputado ainda viva com a cabeça no século 20. Crivella o tem associado ao bolchevismo, numa pregação anticomunista hidrófoba que mimetiza o integralismo, o primo brasileiro do fascismo italiano. A Revolução de Outubro, comandada pelos bolcheviques, ocorreu em 1917 na Rússia. Os integralistas militaram na década de 1930. Se os contendores de Freixo estiverem corretos, as propostas alegadamente defasadas do candidato patinam no século 20. Para efeito de comparação, vá lá, que assim seja.

As consciências também são livres para endossar ou não os valores de Crivella. O que não elimina a impressão de que o senador parece trombetear ideias não dos anos 2000 ou 1900, mas de muitos séculos atrás. Ele afirmou, em 2011: ''Não sei se será na nossa geração, quando será, mas os evangélicos ainda vão eleger um presidente da República, que vai trabalhar por nós e por nossas igrejas e nós vamos cumprir a missão que há 2.000 anos é o maior desafio da igreja, que é levar o Evangelho a todas as nações da Terra''.

Um chefe de governo trabalhar por suas igrejas? Nos séculos 18 e 19 já se instituía ou defendia mundo afora a separação Igreja-Estado.

Num livro cuja edição brasileira foi lançada em 2002, Crivella pontificou que a Igreja Católica e outras religiões cristãs ''pregam doutrinas demoníacas''.

É preciso contar o que pensamentos assemelhados a esse causaram em eras medievais?

No mesmo livro, o autor, Crivella, aponta ''espíritos imundos'' no espiritismo e em religiões de matriz africana.

Interpretações dessa natureza custaram caro, século após século, também no Brasil.

Crivella tratou a homossexualidade como ''conduta maligna'' e ''terrível mal''.

Quantos seres humanos padeceram devido a tal preconceito?

Como organizador de um livro de frases do bispo Edir Macedo, seu tio, Crivella selecionou uma de orientação às mulheres: ''Não basta que ela seja de Deus e batizada com o Espírito Santo; é preciso que seja compatível com o marido, com o mesmo objetivo, sendo submissa, cumpridora de deveres como mulher, mãe e dona de casa'', ensinou Macedo. No prefácio, lê-se que ''os bispos Carlos Rodrigues [o outro organizador] e Marcelo Crivella 'pinçaram' dos escritos do bispo Macedo pensamentos que são verdadeiras pérolas para aqueles que comungam da fé cristã''.

O livro saiu em 1997 e foi reeditado até 2001. No século 19, movimentos de mulheres já lutavam por dignidade, igualdade, emancipação. Sabe quando Ana Floriano liderou o levante de mulheres, em Mossoró, contra o alistamento militar de seus maridos, filhos e irmãos? Em 1875.

Os apontamentos acima não significam que Marcelo Crivella tenha má índole, seja má pessoa, do mal. Nada indica isso. Mas representam valores e ideias manifestados por Crivella já adulto, ainda que ele tenha dito não mais comungar com certas declarações do passado. O senador é o que é. Na guerra contra o Grupo Globo, Crivella avacalha o conteúdo contra a família que seria característica de novelas da emissora. Esse tipo de olhar só não é mais antigo que o século 20 porque antes dele não havia televisão.

Respeito, porém me espanto com a equiparação de fundamentalismo religioso com o que seria fundamentalismo de esquerda.

Cada um concorda com quem quer, vota como prefere, mas Marcelo Crivella e Marcelo Freixo são figuras de séculos diferentes.

Igualá-los, tirando onda de sábio isento, é ignorar a obviedade do tempo que distancia os dois candidatos.

Esta é a síntese da votação de domingo no Rio: a escolha do século em que se deseja viver.

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