Blog do Mario Magalhaes

A lição de Tristão para tempos bicudos
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Mário Magalhães

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O pensador Alceu Amoroso Lima, ou Tristão de Athayde, em 1965 – Foto Folhapress

 

Nas horas candentes do golpe de Estado de 1964, parto da ditadura de 21 anos, os golpistas disseram que o presidente constitucional João Goulart tinha saído do Brasil. Outros espalharam que ele renunciara. Eram mentiras _ou, em tempos trumpistas, fatos alternativos.

Em Petrópolis, um operário queixou-se ao pensador católico Alceu Amoroso Lima (1893-1983), que já então assinava como Tristão de Athayde:

''Senhor professor, é o fim do Brasil''.

Alceu respondeu:

''Não. É apenas um episódio na história do Brasil, que é maior do que todos esses episódios''.

O grande intelectual contou a conversa em carta endereçada a uma filha, como se lê na coletânea Cartas do pai, editada pelo Instituto Moreira Salles.

A ditadura duraria demais, mas acabaria.

A lição de Tristão para tempos bicudos permanece atual, mais de meio século depois.

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Bola cantada
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Mário Magalhães

Nenhum texto alternativo automático disponível.

Por Adão Iturrusgarai – ''Folha'', 20.12.2016


Lei Jucá ecoa nas articulações para sucessão de Teori Zavascki
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Mário Magalhães

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Trecho de diálogo entre Romero Jucá e Sérgio Machado – ''Folha de S. Paulo'', 23.05.2016

 

Em meio a lobbies de postulantes, escaramuças entre partidários desse ou daquele candidato e o temor de que as delações premiadas de sócios e executivos de grandes empreiteiras tornem periclitante o governo, Michel Temer conduz as tratativas para a nomeação do substituto de Teori Zavascki no STF. O ministro morreu na quinta-feira quando o bimotor em que viajava caiu no mar de Paraty. Ele era o relator do processo da operação Lava Jato no Supremo Tribunal Federal.

Nas aparências, devidamente alardeadas, Temer busca um nome técnico, e não político. Nenhuma novidade no discurso. Ignora-se na história presidente, sincero ou não, que tenha nomeado ministro do Supremo afirmando que o indicado não dominava a ciência jurídica.

As articulações são balizadas pela Lei Jucá, fundada pelo senador Romero Jucá, que um dia disse ao seu correligionário Sérgio Machado: ''Tem que mudar o governo pra poder estancar essa sangria''.

''Rapaz, a solução mais fácil era botar o Michel'', emendou o ex-presidente da Transpetro. Isto é, fazer do vice Temer o presidente da República. ''É um acordo, botar o Michel, num grande acordo nacional.''

Jucá precisou: ''Com o Supremo, com tudo''.

''Com tudo, aí parava tudo'', entusiasmou-se Machado. Ele se referia à interrupção das investigações e punições da Lava Jato.

Jucá concordou: ''É. Delimitava onde está, pronto''.

Romero Jucá é o líder do governo no Congresso. Preside o PMDB, partido de Temer.

No mesma conversa gravada por Machado, este comentou, sobre jogadas obscuras: ''Um caminho é buscar alguém que tem ligação com o Teori, mas parece que não tem ninguém''.

Jucá: ''Não tem. É um cara fechado, foi ela [a então presidente Dilma Rousseff] que botou, um cara… Burocrata da… Ex-ministro do STJ [Superior Tribunal de Justiça]''.

A definição do novo ministro ocorrerá nas circunstâncias da Lei Jucá.

No velório de Teori Zavascki, em Porto Alegre, muitos citados em delações da Lava Jato posaram ao lado do caixão, como o próprio Temer.

Jucá divulgou nota: ''O falecimento do ministro Teori Zavascki  é uma grande perda para o país, em especial para a Justiça brasileira. O ministro sempre desempenhou um trabalho com precisão técnica e discrição necessária. Todos nós lamentamos a perda e estamos solidários à família, amigos e admiradores''.

O festival de hipocrisia que assola o país tornou-se permanente.

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Sabáticas: Uma folha do passado
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Mário Magalhães

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Reprodução do velho ''Correio da Manhã'' que encontrei em meio a folhas de abricó-de-macaco

 

Minha ignorância botânica me impede de saber qual é a espécie das árvores que têm transformado a calçada da praia de Botafogo, grudada à areia, num tapete de flores amarelas. Perguntei aqui e acolá, o pessoal especulou, sem certeza.

O outono como única estação em que flores e folhas caem em profusão talvez exista em livros infantis ilustrados, mas não no Rio. Na quarta-feira, o sol marrento do verão já torrava às oito e meia da manhã. Na esquina da rua São Clemente com a praia de Botafogo, uma brava gari recolhia sozinha um monte de folhas mortas.

Mal distingo girassol de margarida, porém reconheci as folhas de abricó-de-macaco, árvore cujos frutos grandões se assemelham a bolas de futebol. Mais adiante, um pouco depois do monumento ao Estácio de Sá, uma bolota daquelas caiu perto de uma ciclista. Se pegasse na cabeça, machucaria.

Não vi folhas de amendoeira em meio às de abricó-de-macaco. Mas reparei no que parecia uma página de jornal velho ou sujo. Era as duas coisas, velho e sujo. Abaixei-me e li o título, Correio da Manhã, diário extinto há décadas. O ano, 1934. Edição de três de junho de 1934.

O tempo cortou um anúncio da Casa dos Três Irmãos, loja que vendia seda na rua do Ouvidor. “A maior liquidação de todos os tempos”, apregoavam _esse papo é antigo. Um desenho mostrava os três maiores felinos: leão, tigre e jaguar, que vinha a ser a nossa onça. Virando a página, a poeta Maria A. Velloso gracejava em versos com a história de um cabra valente pra chuchu que, no entanto, se borrava diante de rato.

Coloquei o papel no bolso, e ele escapou da lata de lixo da história. Quem será que o guardara? Por quê? E quem o descartou ou perdeu?

Meu plano era correr. Inibido pelo calor sádico, só caminhei. Pensei no ano de 1934. O da nova Constituição do Brasil. Da Copa da Itália, vencida pelos italianos. Hitler alcançara o poder um ano antes. Faltavam dois para a guerra civil espanhola e cinco para a Segunda Guerra.

Em 1934, os cariocas cantaram pela primeira vez Cidade Maravilhosa. Quando eu vejo as lâminas de flores amarelas e de folhas de abricó-de-macaco tenho a impressão de que a marchinha do André Filho ainda vale. Será?

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Confronto Trump x imprensa decorre de jornalismo crítico, raro no Brasil
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Mário Magalhães

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Donald Trump, que amanhã tomará posse na Presidência dos EUA – Foto Mike Segar/ Reuters

 

Em seu furor ressentido e intolerante contra o jornalismo, Donald Trump ameaçou acabar com a sala de entrevistas na Casa Branca. Recuou. Mas disse que escolherá os jornalistas que poderão participar das entrevistas. A barração seria ainda mais grave do que a atitude obscura, numa coletiva recente, de não permitir que o repórter da CNN lhe dirigisse uma pergunta.

Se cumprida, a ameaça do presidente que toma posse amanhã será uma decisão antidemocrática. Ela vai além da antipatia de todos os governos e governantes pelo jornalismo de espírito crítico _pleonasmo, pois tal espírito é indissociável do jornalismo digno do nome. Trump impediria repórteres e meios dos quais não gosta de o indagarem sobre assuntos que o perturbam.

No Brasil, inexiste confronto ou mínima tensão entre Michel Temer e o jornalismo mais influente. É possível que isso decorra da alma em tese mais tolerante do peemedebista. Digo em tese porque não foi testada.

A principal distinção na relação do poder com a imprensa, lá e cá, é o jornalismo.

O jornalismo norte-americano tem acumulado vexames nos últimos tempos, nenhum deles maior que o endosso à mentira das armas de destruição em massa alegadamente mantidas por Saddam Hussein no Iraque. Mas preserva em parcela expressiva a concepção do jornalismo como serviço público. O jornalismo serve _ou deveria servir_ à sociedade,  não ao poder.

O jornalismo dos Estados Unidos incomoda Trump.

O do Brasil, muitas vezes dócil, não importuna Temer.

Um exemplo escancarado é como a imprensa precisou ser avisada pelo governo sobre a concentração de recursos em 2% das contas inativas do FGTS. O jornalismo tem se limitado a divulgar acriticamente a palavra e os atos do governo. Por que não foi fuçar, em apuração autônoma, os números do fundo?

Outro é a crise nos presídios. Temer chamou a primeira matança, em Manaus, de ''acidente''. Essa imoralidade foi descrita como gafe, coisa desastrada porém leve. Por tratar o episódio de Manaus como ''acidente'', o governo demorou a reagir.

O jornalismo brasileiro sabe ser crítico. Mas se habituou a ser seletivo.

Costuma evocar a sábia lição de Millôr Fernandes: ''jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados''.

Esquece que a regra vale para todos os governos, não apenas os escolhidos como objeto de rigor crítico do jornalismo.

No jornalismo nacional, Temer aparece como grande tribuno (um Obama), sedutor de sucesso (um FHC) ou dono de lábia envolvente (um Lula).

Talvez só não o promovam como grande estadista, um Churchill, porque até o ridículo tem limite.

P.S.: é evidente que as observações acima não generalizam; também no Brasil há jornalismo e ''jornalismo'' (propaganda fantasiada de jornalismo).

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Na melhor hipótese, Temer anunciou liberação sem conhecer números do FGTS
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Mário Magalhães

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Quanto vale a palavra de Michel Temer? – Foto Pedro Ladeira/Folhapress

 

Na manhã de 22 dezembro, em café com jornalistas em Brasília, Michel Temer anunciou a liberação do dinheiro depositado em todas as contas inativas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço.

A medida liberaria R$ 30 bilhões na deprimida economia nacional, vangloriou-se o presidente.

O noticiário de hoje informa que, ao contrário da promessa de dezembro, haverá restrições aos saques.

De acordo com as repórteres Renata Agostini e Daniela Lima, ''após analisar detidamente os números, o governo descobriu que cerca de 2% dessas contas inativas concentram um montante muito expressivo do volume total de recursos que poderia ser sacado''.

Isso, evidentemente, é o que diz o governo.

Como se constata, o que diz o governo não vale muito, basta comparar a ''decisão'' de Temer mudada em menos de um mês.

O mais impressionante é o presidente ter alardeado aos brasileiros uma iniciativa sem antes analisar ''detidamente os números''.

Além do aspecto moral, do não cumprimento do prometido, há um escândalo em matéria de gestão: decidir _e anunciar_ sem conhecer a numeralha do FGTS.

Existe outra hipótese, que implicaria supor que o governo mentiu: já preveria o recuo, mas teria preferido a promoção marqueteira por algumas semanas.

Curiosidade elementar: quantos milhões, então, serão liberados?

O fundo foi criado há meio século, como contrapartida às regras de estabilidade no emprego. Constituiu uma derrota dos trabalhadores.

Hoje eles perdem, com a remuneração do FGTS aos seus recursos muito aquém do que ganhariam em outras aplicações.

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Corrupção: a piada que virou verdade
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Mário Magalhães

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O Hospital Central da PM do Rio de Janeiro, alvejado pela corrupção – Foto Zulmair Rocha/UOL

 

A piada é antiga.

Num jantar de quatro prefeitos, os ditos-cujos contaram vantagem sobre roubalheira.

Um puxou a fotografia de uma estrada e confidenciou o tamanho da propina que embolsara: ''Dez por cento''.

Outro mostrou no celular o release da inauguração da nova praça de sua cidade: ''Vinte por cento''.

Um terceiro sorriu com ar de menosprezo ao colega. Folheou a revista da prefeitura, onde se destacava em página dupla uma escola: ''Cinquenta por cento''.

Com o prazer de quem dá o xeque-mate, o último abriu no tablet o arquivo com imagens de um hospital suntuoso: ''Era  maquete. Nunca o construí. Cem por cento!''

A anedota tragicômica talvez tenha inspirado uma turma aqui no Rio.

Em dezembro de 2015, oficiais da Polícia Militar foram presos sob acusação de desviar dinheiro público do Fundo de Saúde da corporação.

Uma das armações teria sido o pagamento de R$ 4,2 milhões na compra de ácido peracético para o Hospital Central da PM. O tal ácido é usado para limpar material e equipamento hospitalares.

O busílis é que aparentemente o ácido nunca havia sido entregue.

Com o acordo de delação premiada de dois empresários fornecedores do hospital, agora se sabe o que de fato aconteceu. Suspeita confirmada: não entregaram nada.

Em entrevista ao repórter Eduardo Tchao, um dos sócios da empresa de produtos médico-hospitalares Medical West disse que o hospital encomendou 15 mil galões de ácido.

Seu depoimento: ''A gente já sabia que não iria entregar. Eu fiquei com R$ 1,7 milhão, se não me engano. Aí eu paguei imposto, quase R$ 400 mil de impostos. Cinquenta e cinco por cento teriam que ficar com eles e quarenta e cinco por cento com a gente, da empresa. A gente repassou a ele R$ 2,1 milhões, para o major Delvo''.

Entregavam o butim em bar e shopping.

O major Delvo Nicodemos é um dos oficiais presos.

Trocando em miúdos: dos R$ 4,2 milhões destinados à compra do ácido, corruptos e corruptores ficaram com cem por cento, como o prefeito mais ladrão da piada.

Só não o igualaram totalmente porque, na lavagem do dinheiro, recolheram impostos.

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Palavras malditas (22): descontinuar
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Mário Magalhães

Máquina de escrever de meados dos anos 1960 – Reprodução “The New York Times''

 

Outra noite informaram na TV que um programa científico público foi descontinuado.

Pelo rádio, eu soube que ameaçam descontinuar o fornecimento de leite para crianças pobres.

Toda semana noticiam a descontinuação de um periódico impresso.

Está errado? Não.

Mas o propósito do verbo descontinuar não é esclarecer e enfatizar, e sim eufemizar o fato.

Ele é mais suave para contar que preferiram gastar 6 bilhões de reais com veículos militares blindados a investir em ciência.

Falando descontinuar, parece menos imoral o sacrifício da alimentação de estudantes cujas famílias não têm como supri-la em níveis saudáveis.

Quando se escreve descontinuar, em vez de acabar, terminar, extinguir ou fechar, busca-se adoçar a pílula amarga.

Andam empregando tanto esse eufemismo que logo perguntarão a alguém como vai o casamento e ouvirão como resposta:

''Resolvemos descontinuar''.

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Rio adiado
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Mário Magalhães

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Em 2015, com o serviço de limpeza interrompido, a Uerj já sofria com o lixo

 

Na UTI, abandonada pelo Estado do Rio, a Uerj adiou a volta às aulas. Já tinha adiado o vestibular.

Todo mês o governo adia o pagamento do salário dos servidores estaduais.

Carente de recursos, o Teatro Municipal adiou a ópera. A despeito do nome, o teatro se vincula ao Estado.

O Maracanã é uma goleada de adiamentos.

O Rio, como todo o Brasil, sofre com o adiamento do crescimento da economia, das oportunidades de trabalho e do progresso alardeado há meses. A ponte para o futuro desemboca no passado.

Como diria um otimista, é melhor adiar do que cancelar.

Nem por isso certos adiamentos são bons.

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