Blog do Mario Magalhaes

O papelão dos repórteres diante de Trump

Mário Magalhães

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos - Foto Seth Wenig/AP

Donald Trump, presidente eleito dos Estados Unidos – Foto Seth Wenig/AP

Na primeira entrevista coletiva na condição de presidente eleito, Donald Trump foi o de sempre. Quer dizer, agora com mais poder. Que será ainda maior a partir do dia 20, quando tomará posse.

Trump avacalhou as agências de inteligência; comemorou a construção de fábricas de automóveis nos Estados Unidos, e não no México; confirmou que erguerá um muro entre os dois países; reconheceu que os EUA são raqueados por todo mundo, inclusive Rússia e China; mencionou informações sobre a campanha eleitoral de Hillary Clinton obtidas por interceptação ilegal de correspondência eletrônica; negou conflito de interesses no modelo que definiu para tocar seus negócios particulares enquanto ocupar a Casa Branca; e reiterou que certas notícias divulgadas sobre ele são típicas da Alemanha nazista.

Escolheu a dedo, o indicador direito ou esquerdo, os repórteres que poderiam lhe fazer perguntas. Houve repórter que, em tom submisso, agradeceu por ter sido um dos eleitos.

Antes da entrevista, o futuro presidente fez uma preleção sobre jornalismo e liberdade de imprensa. Em seguida ironizou repórter, interrompeu pergunta.

Muito mais grave, proibiu que o repórter da CNN lhe dirigisse uma pergunta.

Trump acusou a emissora de veicular mentiras, por ter informado a existência de um alegado dossiê sobre Trump. A CNN silenciou sobre o conteúdo do suposto dossiê. Ao contrário do BuzzFeed, que publicou a tal papelada na íntegra.

''Você não'', disse Trump agressivamente a Jim Acosta, o repórter da CNN que tentava perguntar. ''Sua empresa é terrível''. Emendou: ''Vocês são notícias falsas''.

É prerrogativa de Donald Trump e de qualquer pessoa achar o que bem quiser da CNN, do BuzzFeed e do jornalismo em geral. Quando mais uma sociedade pensa, escrutina e discute o jornalismo, mais chances têm a sociedade e o jornalismo de serem melhores.

O jornalismo é um serviço público cuja essência é a difusão de informações. Mesmo se exercido por companhias privadas, é _ou deve ser_ um serviço público. Informar é contraditório com propagandear. A principal deficiência do jornalismo contemporâneo é o sufocamento da informação pela propaganda.

Nenhuma autoridade com mandato conferido pelos cidadãos tem o direito de escolher repórter e pergunta conforme as convicções e idiossincrasias do poder.

Até aí, Trump foi Trump.

Lamentável foi observar que os repórteres presentes, ao menos os que perguntaram depois da atitude contra o jornalista da CNN, continuaram como se nada tivesse acontecido.

Aceitaram como cordeiros que Trump proibisse pergunta.

Não se trata de solidariedade corporativa com Acosta, mas de consciência democrática e jornalística sobre uma aberração como a imposta por Trump.

O problema não foram as perguntas, todas jornalisticamente legítimas e a maioria com espírito crítico _ao contrário do que se vê em determinada bajulação cotidiana a Michel Temer.

Mas o papelão de submeter-se a um capricho antidemocrático.

Os repórteres participaram da coletiva representando empresas privadas e públicas. O vexame foi da imprensa.

Não interessa a opinião de cada um sobre Trump. A ideia vale para qualquer situação e qualquer político. Depois do veto do presidente eleito, os repórteres só deveriam perguntar depois de o jornalista da CNN fazer a sua pergunta.

Em 1999, o repórter Luiz Maklouf Carvalho foi convidado pelo programa ''Roda Viva'' para ser um dos entrevistadores de Luiz Inácio Lula da Silva. O futuro presidente barrou a presença de Maklouf. O ''Roda Viva'' e os demais entrevistadores aceitaram. Se eu fosse um deles, teria ido embora na hora _se soubesse antes, não teria comparecido. Quando entrevistado escala entrevistador, o espírito crítico cede lugar à camaradagem, e o jornalismo se descaracteriza.

Ontem, pior que Trump, foram os repórteres.

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