O ônus e o bônus da Igreja Universal na carreira política de Crivella
Mário Magalhães
Sempre que Marcelo Crivella concorre a cargos executivos na cidade e no Estado do Rio, seus adversários lembram aos cidadãos o que o senador já escreveu ou falou. No passado recente ou um pouco mais distante. Quase sempre afirmações que menos ajudam e mais atrapalham o candidato. Em vez de reiterar as ideias antes alardeadas, Crivella sente-se obrigado a relativizá-las, interpretá-las ou mesmo pedir desculpas.
O tormento tem lhe custado caro. Crivella perdeu duas eleições para prefeito e duas para governador. Em 2014, foi batido por Luiz Fernando Pezão na disputa pelo Palácio Guanabara. E olha que Pezão, que se revelou um administrador desastroso, era apoiado por Sérgio Cabral, o político mais apupado nas Jornadas de Junho de 2013.
As declarações e escritos que constituem o calcanhar de Aquiles do postulante do PRB à Prefeitura do Rio estão quase sempre associadas, de algum modo, aos valores cultivados pela Igreja Universal do Reino de Deus. Essa denominação neopentecostal é liderada pelo bispo Edir Macedo, tio de Crivella.
Crivella batalhou muito em 2016 para diminuir a rejeição provocada por seu vínculo com a Igreja Universal, da qual é bispo (licenciado). Obteve êxito no primeiro turno, quando foi pouco atacado pelos adversários, que o previam no mata-mata derradeiro. Agora, pena com as incursões ao passado eleitoralmente incômodo.
Era previsível. Há dois anos, Pezão liquidou-o ao exumar cenas marcantes da trajetória da Universal. Marcelo Freixo (PSOL) repete o expediente em 2016, veiculando vídeos que também foram ao ar na última eleição para governador. A distância de Crivella caiu de 34 para 22 pontos, em votos válidos, de acordo com o Ibope. Na quarta-feira, com o novo Datafolha, será possível saber se a distância foi reduzida, mantendo a chance de virada do deputado.
O discurso de Crivella queixando-se de perseguição jornalística tem dificuldade para emplacar. Ele não é acusado de ter dito isso ou aquilo. As palavras são de sua lavra e de sua boca. Tem sua assinatura o livro que qualifica a homossexualidade como ''conduta maligna''. Uma de suas reações ao noticiário foi adotar um jingle pregando ''chega de preconceito''. Existe evidente ruído entre a mensagem publicitária e os conceitos que Crivella algum dia trombeteou.
Conforme o blog anotou, Freixo era o oponente preferido de Crivella para o segundo turno. O senador temia o trator das máquinas municipal, estadual e federal, se o seu antagonista fosse Pedro Paulo (PMDB). Prognosticava que o Grupo Globo lhe seria antipático em confronto com o peemedebista, Indio da Costa (PSD) ou Carlos Roberto Osório (PSDB). No raciocínio de assessores de Crivella, a _na expressão deles_ ''perseguição da Globo'' ameaçaria a vitória. Apostavam que, por Marcelo Freixo ser militante de esquerda, as organizações não fustigariam o bispo da Universal. Ontem, o candidato disse que a TV Globo é ''inimiga jurada'' de sua campanha.
Noutras palavras, para a campanha de Crivella, seus laços com a Igreja Universal, nessa situação, representam ônus. A TV Record, concorrente da Globo, é controlada pelo bispo Macedo. Por isso, a concorrência nos negócios se expressaria na refrega eleitoral.
Pode ser. Mas não resolve o problema político mais notório de Crivella. O jornal ''O Globo'' publicou que ele escreveu um livro afirmando que a Igreja Católica e outras religiões ''pregam doutrinas demoníacas''. A informação é incontestável. Pode ser checada. O senador argumenta, divulga nota de esclarecimento, porém não nega a autenticidade do livro mencionado na reportagem. Essa notícia tem relevância pública, logo jornalística. Difundir informações é a essência do serviço público denominado jornalismo. Nesse caso, manipulação jornalística aconteceria se, de posse de informação útil aos cidadãos, o jornal a omitisse. Quem falou o que falou foi Crivella.
Não é invenção a reportagem contando que ele ensinou que homossexuais podem ser fruto de aborto malsucedido. Fala, Crivella: ''Vocês já repararam como os homossexuais são devotados às suas mães? Já repararam como os homens que se relacionam com outros homens têm verdadeira idolatria pela imagem da sua mãezinha querida? ‘Mamãe, mamãe, mamãe, minha mãezinha, minha mãezinha’. Você vê como uma criança pode sofrer no útero da mãe”. O jornal ''O Estado de S. Paulo'' prestaria desserviço público se escondesse essa informação.
Crivella se empenha em assegurar que a Igreja Universal não intervém em sua carreira política. Talvez tenha razão. Mas não foi o que o candidato disse e pode ser comprovado em vídeo. Ele contou ter ingressado na política por determinação da Universal.
Os católicos se dispersam por um sem-número de partidos. Idem evangélicos da Assembleia de Deus. Já os políticos ligados à Universal se concentram no PRB, presidido por um bispo (licenciado) da igreja.
É evidente que, a despeito do ônus, a Igreja Universal do Reino de Deus também constitui bônus para o político Marcelo Crivella.
Dificilmente ele teria chegado ao Senado da República sem o apoio da instituição que ele chamou, no debate da Band no começo do mês, de ''minha igreja''.
Entre os cariocas pentecostais, Crivella alcançava 91% dos votos válidos, contra míseros 9% de Freixo, no Datafolha mais recente.
Se Crivella prevalecer no domingo, a Igreja Universal colherá o maior triunfo político de sua história.