Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: De poliglota a troglodita

Mário Magalhães

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Rivellino é zurdo (canhoto), e não surdo – Reprodução

 

No anedotário de pexotadas verbais atribuídas a jogadores de futebol, eternizam-se causos como o do centroavante que se declarou comovido em Belém, no Pará, “por visitar a terra onde nasceu Jesus Cristo”. Um boleiro mais jovem, ao se deparar com a aeromoça que se expressava em uma babel de idiomas, celebrou-a como “troglodita”, quando pretendia dizer poliglota.

Outra comissária de bordo, norte-americana, ouviu o pedido de um viajante brasileiro, espantou-se com o apetite do glutão, mas o atendeu. Ele perguntara “tem milk?”, ela entendera “ten milk”, e dez caixinhas de leite foram servidas.

Alguns episódios são invenções de cabeças criativas, porém o relato sobre a leiteria é pura verdade. Eis uma qualidade nossa, brasileira: ainda que não dominemos uma língua estrangeira, não nos intimidamos.

O problema é a ilusão de que somos craques em idiomas que só arranhamos. Um jornalista fluente até em sueco exultou, ao ler a notícia em espanhol: um time tinha “oito jogadores surdos”! Em castelhano, zurdo é canhoto, mas escuta bem.

O tropeço lembra a gafe de um conterrâneo que, em legítimo portunhol, pediu perdão a uma argentina por deixá-la embaraçada. Ignorava que embarazada, na língua do Borges, significa grávida.

Também posava de sabichão o fotógrafo que dispensou ajuda para preencher um formulário. No item nombre, tascou o nome completo, em vez do prenome. Em apellido (sobrenome, em espanhol), nomeou o animal consagrado como seu apelido. No espaço para firma, (assinatura), informou a razão social da empresa em que trabalhava. Na fecha, (data), cravou: o jornal “fechava” (concluía a edição) a tal hora.

O fanfarrão não está sozinho. Se traduzir fosse moleza, bastava substituir literalmente as palavras, como galhofava o Millôr Fernandes. O gênio do Méier vertia para o inglês expressões anarquizando-lhes o sentido. ''Ele bancou o pato'' virou he banked the duck.

Quem ri das mancadas alheias pode pagar pela soberba. Eu trocava e-mails com um monge americano radicado na Coreia do Sul, para onde viajaria e escreveria sobre budistas que jogam bola. O gringo se mostrou solícito até a mensagem em que, num cochilo, digitei monkeys (macacos) no lugar de monks (monges).

Foi o meu dia de troglodita.

(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, maio de 2013)

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