Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: Peixaria

Mário Magalhães

Tainhas – Foto Gustavo Roth/Folhapress

 

A escritora portuguesa pergunta à mesa, com jeitinho, por que a cozinha brasileira não aproveita melhor os cardumes da vasta costa nacional. Evoco nossas moquecas. E o digno cherne ao sal grosso servido no restaurante carioca onde jantamos. Mas entendo seu desapontamento. Ela vem de um lugar cuja culinária reverencia os pescados com rara devoção.

Peixe em Lisboa é uma festa gastronômica anual. Onde, mundo afora, provei o peixe do mar mais saboroso? Ali pertinho, em Cascais, um dourado (de água salgada) ao forno. Precedido de amêijoas, molusco que no Brasil chamamos de vôngole, seu nome italiano. E sapateira, um caranguejão. Tudo tabelando com vinho verde.

Quase no mesmo nível, em Bilbao me lambuzei com uma iguaria incomum, kokotxa, carne escondida na cabeça da merluza. Só a encontrei no País Basco, assim como só lá bebi txakoli, vinho branco discretamente borbulhante, e comi o queijo idiazabal, de leite de ovelha.

Inesquecíveis, feito o salmão fresco pechinchado no mercado de Seattle. Meu pai o assou no forno do hotel, besuntado por colheradas de manteiga. Revi salmões exuberantes como aqueles, primos do Pacífico, em peixarias chilenas. Ignoro que peixes do Atlântico eram matéria-prima das moquecas com dendê que vinham em quentinhas nos almoços de férias em Ilhéus. Nem Gabriela faria igual.

Não sei se a colega portuguesa descobriu: em matéria de peixes de água doce, sobramos na turma. Quase ajoelhei diante de um tambaqui na brasa em Manaus. Às margens do Solimões, a quituteira preparou um almoço pantagruélico, com oito pratos de peixe: matrinxã assado ao forno, caldeirada de tambaqui, guisado de tambaqui, caldeirada de surubim, guisado de surubim, desfiado de pirarucu, pirarucu frito e peixe-boi _na verdade um mamífero, na época não ameaçado de extinção.

Os jundiás que uma tia cozinhava num balneário para os lados do Uruguai não faziam feio. Nós os pescávamos nos arroios das cercanias. Quer dizer, meus primos pescavam. Eu era sapateiro, saía sempre de mãos vazias.

Talvez por isso nunca tenham me levado à pescaria da miraguaia, peixão de dezenas de quilos fisgado no mar por anzol de três pontas encoberto pela isca, um siri inteiro. Certa manhã, fui à praia com dois moleques menores e, com uma rede, trouxemos para casa uns quinhentos siris e mais de setenta peixes.

Em Copacabana, desde menino ajudava a puxar o arrastão no posto 6. Os arrastões acabaram, porque acabaram os peixes. Em Surfers Paradise, na Austrália, não tinha peixe no autódromo de rua da Fórmula Indy. Pedi ostras frescas da Tasmânia, acompanhadas _ninguém é perfeito_ de Fanta laranja estupidamente gelada.

(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, janeiro de 2016)

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