Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : outubro 2014

Terra em transe, teu nome é Brasil
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Mário Magalhães

Caninha, copos de vinho, carne de porco, conversas sobre literatura e jornalismo, causos embalados pela verve saborosa, confissões temperadas pela sabedoria de tantos escritores e jornalistas que desde sempre fazem a minha cabeça.

Ouro Preto, nesses dias de Fórum das Letras, é um exercício de como a vida poderia ser.

A décima edição do festival gravita em torno do mote “Escritas em transe”.

Poucos encontros culturais palpitam tão intensamente, taquicardia da arte, da história e da alma, com as urgências e comoções do Brasil, mesmo quando se evocam conflagrações de mais de dois séculos atrás.

Tudo é um ensaio de paraíso, até o maldito instante em que as notícias me alcançam.

“Terra em transe”, obra-prima de Glauber Rocha lançada em 1967, poderia emprestar o título ao Brasil cujos ecos chegam a esta meca da convivência _ninguém troca uma ideia como os mineiros.

Se um dorminhoco caiu no sono sábado e despertou hoje, não duvidará de que o senador Aécio triunfou e a presidente Dilma perdeu a eleição.

Crédulo que sou, achava que não haveria mais nenhum escândalo a acrescentar ao escândalo da reta de chegada do segundo turno, até que me deparei com o Janio de Freitas me assombrando (para ler, basta clicar aqui).

Então, alguém me falou que os tucanos haviam recorrido à Justiça pedindo auditoria da votação de domingo.

De cara, desconfiei: eleição não é Campeonato Brasileiro para ser decidida no tapetão.

Cheguei ao hotel e corri a consultar quem sabe, o Josias de Souza. É tudo verdade, ele confirmou.

Na verborragia jornalística com que me deparei em meio ao noticiário, deu saudade do Carlos Lacerda. Não apenas pelo brilhantismo e pela prosa soberbos, mas porque o grande jornalista e contumaz golpista tinha limites de compostura.

Uma coisa é, com legitimidade inquestionável, o senador Aloysio Nunes Ferreira Filho anunciar que não haverá lua-de-mel para Dilma Rousseff.

Bendito o país cuja oposição faz mesmo oposição, em vez de corromper-se e se ajoelhar diante do poder.

Mas tem gente sugerindo, em vez de desfraldar as bandeiras da oposição, o fuzilamento da soberania do sufrágio popular.

Na convulsão dos tempos que correm, eu soube que o Sarney votou no Aécio. Quer dizer, disseram-me, e eu disse que não acreditava. Até ver o vídeo.

Com meus sentimentos mais sombrios, pensei: bem feito para o PT.

Em seguida, li mais um ser primitivo, protegido pelo verniz dos eufemismos, sugerindo que os brasileiros não sabem votar. “Odeio povo”, proclamou Justo Veríssimo, o personagem do Chico Anysio, ao fundo.

“Terra em transe” foi o filme em que Glauber reconstituiu alegoricamente o golpe de Estado de 1964 e expôs os caminhos para enfrentá-lo. A trama se passa na fictícia nação de Eldorado.

Diante do surto de maluquice que assola o país, não há como negar: terra em transe, teu nome é Brasil!

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Nos 45 anos da morte de Marighella, a iconografia esquecida da guerrilha
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Mário Magalhães

mariga - aln inconfidentes

 

A pesquisa acadêmica e jornalística sobre a luta armada contra a ditadura implantada em abril de 1964 desenvolveu-se expressivamente nos anos recentes. Com historiadores e repórteres cavucando velhos arquivos, empoeirados ou não, têm sido encontrados documentos, testemunhos e imagens de mais de quatro décadas atrás.

A ilustração acima foi apreendida em São Paulo por agentes do aparato repressivo, em 1972, num aparelho (local secreto de moradia) de militantes da Ação Libertadora Nacional, maior grupo guerrilheiro de combate à ditadura.

A ALN havia sido fundada e comandada pelo ex-deputado Carlos Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira.  Na próxima terça-feira, 4 de novembro, o assassinato de Marighella por policiais do Dops completará 45 anos. Câmara foi morto na tortura em outubro de 1970.

O desenho de Tiradentes, encimado pela sigla ALN e com a palavra “inconfidentes” abaixo tinha o propósito de mostrar que os guerrilheiros consideravam sua batalha continuidade histórica do movimento de Tiradentes contra o jugo português, no século 18.

A ilustração estava no aparelho de Iuri Xavier Pereira, que foi executado em junho de 1972. Entre outras atribuições, Iuri era o responsável pela imprensa da organização. Para as dramáticas condições de clandestinidade da ALN, é incrível que tenham sido editados jornais como “Ação”, “O guerrilheiro” e “Venceremos”, mesmo depois das mortes de Marighella e Câmara Ferreira.

É muito provável que o Tiradentes se destinasse a alguma publicação, mas não se sabe se Iuri teve tempo para isso. Ganhei a imagem de sua irmã, Iara Xavier Pereira, que a copiou de um processo judicial.

Como o desenho não consta da iconografia mais conhecida da ALN, exibo-o aqui, como relíquia histórica, admire-se ou reprove-se a luta armada e os guerrilheiros que deram sua vida enfrentando a ditadura.

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No Fórum das Letras, conversas com Audálio Dantas, Frei Betto e a rapaziada
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Mário Magalhães

uuuuuuuuu

 

Começa nesta quarta-feira, 29 de outubro, a 10ª edição de um dos encontros literários mais bacanas do país, o Fórum das Letras.

Até o domingo, uma rapaziada da pesada estará em Ouro Preto conversando sobre literatura, história, jornalismo, artes e ideias.

O mote deste ano é “Escritas em transe”. “O norte permitirá tratar também das relações entre a escrita e o inconsciente, a criação e a loucura. A temática faz menção ainda ao filme ‘Terra em Transe’, dirigido por Glauber Rocha, em 1967”, diz a idealizadora do fórum, Guiomar de Grammont.

Na quinta-feira, dia 30, terei o prazer de debater “Revelações à margem da história”, com Alessandra Vannucci, Frei Betto e Cláudio Aguiar. Na programação principal, a partir das 16h, no Cine Vila Rica.

Na sexta-feira, 31, participarei do bate-papo “Escritas da ausência”, com os colegas Marta Maia, Audálio Dantas e Luiza Villaméa. No Ciclo Jornalismo e Literatura, às 10h30, no Grêmio Literário Tristão de Ataíde.

A programação completa, de responsa, pode ser consultada clicando aqui.

Até mais, em Ouro Preto!

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Dia do Livro: minhas leituras de criança
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Mário Magalhães

Mônica, do Mauricio

 

Hoje, 29, é o Dia do Livro.

E outubro é o Mês da Criança.

A edição da revista “Imprensa” que está nas bancas traz depoimentos de 12 jornalistas, colhidos pela repórter Jéssica Oliveira.

Cada um de nós conta brevemente quais foram nossas leituras de infância.

O meu depoimento:

Nem Shakespeare ou Tchekhov ou Hemingway ou Machado ou García Márquez. Ainda não. As letras que me hipnotizavam quando criança eram as dos gibis do Mandrake e do Fantasma. Dos livros de bolso da trepidante série A turma do posto 4, assinados por Luiz de Santiago, nom de plume de Hélio do Soveral. E, devoradas com ainda mais sofreguidão, dos romances policiais da Agatha Christie, como O caso dos dez negrinhos, agora rebatizado E não sobrou nenhum. Infância com suspense, mistérios e revelações: um senhor projeto de vida”.

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Dez anos depois, promessa cumprida: não esqueci o Serginho
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Mário Magalhães

blog - serginho

No Morumbi, agonia e morte de Serginho em 27 de outubro de 2004 – Fernando Donasci/Folhapress

Faz dez anos, completados anteontem.

Na noite de 27 de outubro de 2004, o zagueiro Serginho teve uma parada cardiorrespiratória no Morumbi, agonizou no gramado e morreu.

Em uma década, soube-se mais sobre a tragédia do Serginho.

A ESPN acaba de veicular uma série alentada recordando o defensor do São Caetano (para ver, basta clicar aqui).

Da minha parte, promessa cumprida: sempre que surge um zagueirão valente que vai na bola como um famélico num prato de comida, lembro-me do jogador que tombou em campo, para nunca mais.

Reproduzo abaixo a coluna que escrevi na época.

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A vida não vale nada

Legendário manager, técnico e jogador, o escocês Bill Shankly um dia filosofou, como ontem lembrou Juca Kfouri no “Lance!”: “Algumas pessoas acreditam que o futebol é uma questão de vida e morte. Estou muito desapontado com essa atitude. Posso lhe assegurar que é muito, muito mais importante que isso”.

Na noite de quarta-feira, o futebol foi morte para Serginho. No 14º minuto do segundo tempo, sem ter se chocado com ninguém, o zagueiro desabou sobre as pernas do são-paulino Grafite. O médico do São Caetano fez respiração boca a boca. O do São Paulo, massagem cardíaca.

No gramado do Morumbi, os jogadores pularam, choraram, clamaram por socorro. Quando o zagueiro se foi na ambulância, abraçaram-se todos para rezar. O estádio inteiro gritou: “Serginho! Serginho! Serginho!”.

A agonia se deu em um palco no qual não se supunha que viesse a ocorrer, a despeito de episódios recentes. A morte, pensamos, é para velhos, e não crianças e jovens. Para doentes, e não para quem parece gente sã. Para fracos, e não superatletas.

Simulacro da guerra, na qual a morte é do jogo, o futebol celebra a vida. Pontuamos a memória com gols e frangos, triunfos e fracassos. No “mata-mata”, quem morre renasce amanhã. “Gosto da vida, não quero morrer”, disse Parreira antes da semifinal da Copa-94. A equipe que morre na praia tem a eternidade para dar a volta por cima. A “morte súbita” não representa o fim.

A morte de Serginho não é metáfora. Uma das heranças que sua tragédia pode deixar é uma revolução nos primeiros socorros nos estádios. Recomenda-se serenidade. O jornalismo esportivo mal domina rudimentos da ortopedia. Imagine de cardiologia e neurologia. Lições de medicina são para médicos. Jornalistas não são juízes, portanto não julgam. Essencialmente, informam. Sobram perguntas, que começam a ser respondidas em boas reportagens.

Divulgou-se que, consciente de problemas no coração, Serginho teria firmado um termo se responsabilizando pelo que lhe acontecesse. Um médico não deveria vetar, conforme o diagnóstico? Seria o caso? Washington, artilheiro e cardiopata, não assinou um documento assim?

O que move um atleta a arriscar a vida? Desconhecimento do risco? Foi o que houve com Serginho? Não somos nós que festejamos a paixão do centroavante do Atlético-PR pelo futebol? E o que leva um cartola a negar as alterações cardíacas relatadas por amigos do zagueiro? Uma canção cubana diz: “A vida não vale nada”.

A vida de Serginho teve fim em noite de eclipse da lua. Ele completara 30 anos na semana passada. Era um bom jogador, protagonista da histórica ascensão do São Caetano. Formava na estirpe de lutadores que teve em Rondinelli, o Deus da Raça, um dos ícones. Para sempre, quando surgir um zagueirão valente que vá na bola como num prato de comida, haveremos de recordar: Serginho era assim.

(MM, “Folha de S. Paulo”, 29 de outubro de 2004)


Gilberto Carvalho: ‘Fui chamado de ladrão, fui pra cima, falei um palavrão’
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Mário Magalhães

“Eu fui chamado de ladrão, esses dias, por um cidadão, sem mais nem menos, na porta de um supermercado. Fui pra cima dele, falei um palavrão, não vou levar esse desafio [sic] para casa, porque eu tenho 63 anos, estou comprando agora meu primeiro apartamento financiado em 19 anos do Banco do Brasil, e a maioria da nossa gente é assim. Há gente que errou entre nós? Há. Mas não se pode comparar a nossa postura com a postura tradicional dos outros partidos. Nós somos gente séria, e aqueles que erram no nosso meio são punidos, como estão sendo e vão ter que ser. E nós, mais do que ninguém, temos interesse em fazer esse processo de depuração.”

Foi assim, numa entrevista-desabafo que nenhum historiador honesto poderá ignorar ao reconstituir e interpretar estes tempos efervescentes, que o ministro Gilberto Carvalho se pronunciou no domingo à noite. Gostem ou não do entrevistado, concordem ou divirjam de suas opiniões.

Na transmissão ao vivo da TV UOL, respondendo a perguntas de Josias de Souza, Leonardo Sakamoto e eu, o secretário-geral da Presidência também se pronunciou sobre jornalismo, meios de comunicação, movimentos populares e outros assuntos.

Para assistir à entrevista, basta clicar aqui. O trecho sobre o episódio em que o ministro foi chamado de ladrão pode ser visto clicando na imagem do alto ou neste link.

Abaixo, reproduzo reportagem do UOL, com mais informações.

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‘Tratamento desmedido’ contra o PT na imprensa incita o ódio, diz ministro

O ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, criticou o tratamento dado ao PT, especialmente durante a campanha eleitoral, por alguns veículos de imprensa do país.

Durante transmissão ao vivo sobre os resultados alcançados por Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB) neste domingo (26), o ministro afirmou que “o excesso de editorialização da imprensa” é um indicativo da “conspiração contra a liberdade de imprensa”. Carvalho disse ainda que foi chamado de “ladrão” e que “foi pra cima” de seu acusador; e que “não dá para aceitar ser considerado como aqueles que inventaram a corrupção no Brasil”.

Abaixo, os principais trechos da entrevista.

O senhor acha que o discurso do partido foi ajustado como o senhor desejava, e esse discurso que a presidente fez hoje [ontem] sinaliza o que o senhor desejava, ou ainda há muito que avançar?

Há muito o que avançar ainda, de fato houve um amadurecimento porque a campanha eleitoral nos permitiu duas coisas fundamentais. A primeira delas, retomar o diálogo com as pessoas, nós fizemos mais de 260 reuniões plenárias pelo país afora, com 300, 400, 500 militantes. Eles foram decisivos, a meu juízo. Os movimentos sociais disseram para nós: “nós temos críticas profundas a vocês, mas sabemos que o outro projeto é pernicioso, vai ser muito pior”. Então, eles foram para as cidades trabalhar pela nossa campanha. Houve uma possibilidade de retomar esse diálogo franco, onde nós fazíamos a autocrítica da nossa falta de diálogo, do nosso distanciamento, seja do partido, seja do governo, em relação a nossas bases. O segundo fator é o da informação. Eu tenho convicção de que nós temos um problema na comunicação desse país. Eu não quero dizer que a imprensa é a única culpada porque nós somos muito incompetentes também nessa comunicação. Mas, haveremos de convir, há muita sonegação daquilo que ocorre de fato nesse país por parte da imprensa. O excesso de editorialização da imprensa, a meu juízo, capitaneado nesse episódio vergonhoso final da revista Veja é a ponta avançada a mim da principal conspiração contra a verdadeira liberdade de imprensa.

Eu acho que o fato de nós podermos ter transpassado esse obstáculo e termos o tempo de televisão para mostrar para o país aquilo que de fato nós pudemos realizar nesses anos foi, a meu juízo, também fundamental para podermos ter vencido essa duríssima batalha, onde desconstrução muito pior do que dizem que foi feita em relação a Marina e ao Aécio foi contra nós. Porque a gente ser chamado de ladrão o tempo todo a partir desse tipo de colunismo dói muito, foi muito difícil, mas o povo entendeu e o povo sabe qual é a nossa intenção, qual é a nossa prática.

O segundo governo da presidente Dilma Rousseff vai ter uma política diferente em relação aos meios de comunicação ou vai manter o mesmo discurso crítico permanente e a mesma política?

Eu faço uma autocrítica nossa, dos nossos erros, e atribuo à questão da comunicação parte também dos problemas que nós enfrentamos.  Ninguém mais do que nós vai defender permanentemente a liberdade de imprensa. A liberdade de imprensa é sagrada, e nesses 12 anos não houve um único gesto do nosso governo efetivo que contrariasse a liberdade de imprensa. Ninguém foi tão enxovalhado como nós fomos ao longo desses anos, e agora esse final de campanha, esse episódio que eu mencionei, lamentável, só mostra um pouco disso. Não vai haver nenhuma tentativa da presidente Dilma de tolher a liberdade de imprensa, de maneira alguma.

O que nós queremos é sentar com vocês, com gente séria da imprensa, para a gente fazer uma análise de como é que o Brasil está sendo passado para as pessoas, de como a realidade é traduzida efetivamente. A meu juízo, o excesso de editorialização, de adjetivação e o colunismo que acabou ganhando um peso enorme na imprensa brasileira têm feito, na minha opinião, um estímulo a esse ódio que nós vimos nos últimos tempos.

Felizmente não é [sic] todos, eu até destaco aqui particularmente a Folha, que eu acho que é um periódico dos mais equilibrados, mas infelizmente há jornais que se transformaram em panfletos nessa campanha. É isso que nós não vamos deixar de criticar. Acho que, em prol da própria liberdade de imprensa, da sua respeitabilidade, e para que a gente não ouça coros como esse que nós ouvimos aqui é que nós temos que trabalhar na sociedade brasileira numa espécie de repactuação, para que a gente possa ter uma imprensa sempre livre, cada vez mais livre, mas, ao mesmo tempo, que haja um equilíbrio entre a crítica adequada e aquilo que estimula o ódio, como, eu insisto, aconteceu nos últimos tempos, particularmente nessa campanha.

O senhor não reconhece que há matéria-prima para que o governo seja, para usar a sua palavra, enxovalhado? O governo não se deixou enxovalhar ao permitir que ocorresse o que está ocorrendo na Petrobras? Os fatos não conspiram contra o governo?

Ninguém mais do que nós tem feito autocrítica. Nós temos reconhecido que, infelizmente, o nosso partido acabou se assemelhando a outros partidos, a corrupção infelizmente entrou dentro de nós, é verdade. O que não dá para aceitar é a gente ser considerado como aqueles que inventaram a corrupção no Brasil, é absolutamente desmedida a maneira como nós fomos tratados nesse tempo, é como se a corrupção tivesse sido inventada por nós. Quando, na verdade, o que nós fizemos, embora tendo caído em erros, é verdade isso, eu não tenho como negar, não tenho por que negar, mas é como se o passado todo fosse um passado limpo nesse país e nós é que trouxemos para a cena da política a corrupção, quando na verdade, o que nós fizemos, foi ter a coragem de fazer a investigação e cortar na própria carne.

Eu fui chamado de ladrão, esses dias, por um cidadão, sem mais nem menos, na porta de um supermercado. Fui pra cima dele, falei um palavrão, não vou levar esse desafio [sic] para casa, porque eu tenho 63 anos, estou comprando agora meu primeiro apartamento financiado em 19 anos do Banco do Brasil, e a maioria da nossa gente é assim. Há gente que errou entre nós? Há. Mas não se pode comparar a nossa postura com a postura tradicional dos outros partidos. Nós somos gente séria, e aqueles que erram no nosso meio são punidos, como estão sendo e vão ter que ser. E nós, mais do que ninguém, temos interesse em fazer esse processo de depuração.


Dilma venceu com discurso à esquerda; virada à direita seria estelionato
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Mário Magalhães

Três milhões, quatrocentos e cinquenta e oito mil, oitocentos e noventa e um.

Repetindo: 3.458.891.

Essa foi a diferença entre os sufrágios conferidos no domingo à candidata Dilma Rousseff, reeleita para a Presidência da República, e ao seu contendor, Aécio Neves.

Não se trata de mero registro protocolar e atrasado, mas de contraste necessário ao noticiário do dia. O tom empregado por numerosos observadores sugere que a concorrente petista foi derrotada pelo senador tucano.

Não apenas não foi, como sua conquista possui abissal envergadura histórica.

É incrível que Dilma tenha vencido, tamanha a adversidade do cenário que enfrentou: economia capengando, roubalheira na Petrobras, bombardeamento midiático de última hora.

Ela só ganhou devido ao progresso que os anos Lula-Dilma significaram para dezenas de milhões de brasileiros, que agora têm muito pouco, mas antes nada tinham.

Seu triunfo oconteceu numa das eleições mais politizadas da história do Brasil. Desde 1989 não havia tanta clareza entre os eleitores sobre o caráter político dos postulantes ao Planalto, independentemente da autenticidade ou hipocrisia da pregação de cada um.

Na noite do sábado, jantei na churrascaria-botequim que constitui o epicentro do Baixo Gávea, tradicional reduto boêmio da zona sul do Rio, região carioca mais abonada, onde Dilma só bateria Aécio na zona eleitoral das favelas da Rocinha e do Vidigal.

As mesas do estabelecimento estavam tomadas por comensais que identificavam suas inclinações com adesivos de Aécio. Não todas as mesas, mas quase.

Já os garçons, eu vim a saber, estavam com Dilma.

Quem era servido e quem servia, todo mundo com voto consciente, puxando a brasa para o seu lado.

Dilma só deslanchou na campanha, ainda no primeiro turno, ao pincelar sua campanha com tons vermelhos. Primeiro, confrontando Marina Silva. Mais tarde, Aécio.

Sem a inflexão da campanha a bombordo, a timoneira teria naufragado.

Mal anunciado o resultado do pleito épico, pipocaram indicações para o futuro Ministério.

O presidente do Bradesco seria nome cotado para suceder Guido Mantega.

Um banqueiro, ou executivo de confiança dos banqueiros, na Fazenda? Depois da demonização de Marina por ter uma herdeira do Itaú entre os conselheiros mais influentes?

Outro ministeriável, palavra esteticamente medonha como presidenciável, é Sérgio Cabral.

O ex-governador foi o vilão supremo das Jornadas de Junho de 2013, que mobilizaram mais gente no Rio do que em qualquer outro Estado. A única palavra de ordem que unificava os manifestantes era “Ei, Cabral, vai tomar…”. Que não venham dizer que o vascaíno fez o sucessor, com a vitória do botafoguense Luiz Fernando Pezão, por isso sua impopularidade ficou no passado. O sapato 48 só sobrepujou Marcello Crivella porque escondeu o antecessor.

Sérgio Cabral ministro equivaleria a cuspir na cara da geração de junho de 2013.

Governo novo, ideias novas, o inspirado slogan de Dilma, não resulta em Cabral ministro, certo? Pelo menos não foi o que deram a entender.

Há quem considere que o recado das urnas, mais precisamente a menor diferença numa eleição presidencial no país, seria a prioridade de diálogo com o mercado, sobretudo o financeiro.

Pois me parece que a mensagem é outra: os movimentos sociais, maltratados por Dilma, é que deveriam receber preferencialmente novo tratamento (sem prejuízo do diálogo com o empresariado). Sem eles, a antiga brizolista agora estaria preparando a mudança para Porto Alegre.

Ontem, no “Jornal Nacional”,  assisti a Dilma falar muito em conversa com os empresários, mas calar sobre os movimentos sociais.

Não sei o que a presidente planeja, mas entendi o pronunciamento dos brasileiros. O PT só levou a eleição ao se comprometer com um governo voltado para quem mais precisa.

Aproximar-se de segmentos que rejeitaram Dilma não implica tripudiar sobre aqueles que a sufragaram.

Se a marquetagem mais à esquerda da campanha se transformar num segundo mandato mais à direita, haverá estelionato eleitoral.

Como nos ensinaram os sábios portugueses, o prometido é devido.

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O jingle eleitoral que virou canção de ninar
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Mário Magalhães

Assim como um gol, uma canção e um livro, campanhas eleitorais também podem marcar para sempre a nossa memória afetiva.

A de 1989 tinha tudo para isso e não decepcionou. Era a primeira direta para presidente depois da agonia e do funeral da ditadura. A anterior havia sido disputada no remoto ano de 1960, quando nenhum astronauta ainda pisara na Lua, a seleção não era nem bi e o Glauber não filmara “Terra em Transe”, até porque os eventos que inspiraram o clássico do cinema estavam por acontecer.

A turma de candidatos era da pesada. Para ninguém brigar comigo, neste tempo de pavios curtos, evoco alguns por ordem alfabética: Affonso Camargo, Aureliano Chaves, Enéas Carneiro, Fernando Collor de Mello, Fernando Gabeira, Guilherme Afif Domingues, Leonel Brizola, Luiz Inácio Lula da Silva, Mário Covas, Paulo Maluf, Roberto Freire, Ronaldo Caiado e Ulysses Guimarães.

Havia outros. Até o Silvio Santos concorreu, entrando e saindo fugazmente no meio da corrida.

Aquela campanha se fincou no coração não pelos postulantes de envergadura histórica, muitos deles com o porvir ainda mais promissor, e sim pela trilha sonora que a embalou. Nunca uma safra de jingles foi tão sensacional. Até hoje cantarolo, submetido por um chiclete que teima em não descolar da cabeça, os de Collor, Afif, Lula e Ulysses. Sem falar no do Silvio Santos, que aproveitou sua música de palco anunciando o “vem aí”.

Para a minha vida, contudo, nenhum teve a importância do de Brizola, que pode ser revisitado clicando na imagem no alto ou aqui.

Dos jingles que eu vivi, e não que vim a conhecer na posteridade, como os de Getulio em 1950 e Jânio em 1960, a lembrança mais antiga é de 1982: “Jair, Jair do povo/ Do pobre e do trabalhador / Vamos te escolher de novo /Jair do povo pra governador”. Jair Soares era o candidato do partido da ditadura ao Palácio Piratini. Talvez a letra nem fosse exatamente essa, mas assim a guardei. Jair venceu o oposicionista Pedro Simon, possivelmente na mão grande, como se suspeita até hoje.

O melhor foi o samba arrasa-quarteirão que Reginaldo Bessa compôs para a campanha vitoriosa de Roberto Saturnino Braga a prefeito do Rio. Corria o ano de 1985, e o povo entoava: “É carioca da gema/ Conhece o Rio decor/ De Santa Cruz a Ipanema, é Saturnino o melhor”… Para ouvir a obra-prima, eis o  link.

Sou insuspeito: não votei nem no Jair nem no Saturnino.

E, se soubesse do presente que o gaudério me daria com seu jingle, talvez tivesse sufragado o velho Briza em 1989.

A musiquinha era simples, quase naif, com o coral infantil sugerindo a preocupação _autêntica_ com a educação.

Por pouco, o Brizola não passou ao segundo turno. E poucos meses mais tarde nasceu minha primeira filha.

Para botá-la para dormir, eu tentava uma canção ou outra, mais dos mineiros, mas não funcionava. Nem Beto, Milton, Lô e Toninho.

Até que, como o jingle brizolista não cansava de martelar os meus miolos,  adaptei-o. No original, ele dizia: “Lá, lá, lá, lá lá, Brizola/ Lá, lá, lá, lá, lá, Brizola/ O voto no Brizola só pode nos trazer/ Um tempo bem melhor pra se viver”.

Eu cantarolava com a bichinha, branca feito iogurte, no colo ou no berço. Tiro e queda, ela adormecia na hora.

Hoje aquele bebê é uma guria linda de 24 anos, um a menos do que eu tinha quando a ninava.

Quando a vejo com sono, e sono é algo que não lhe costuma faltar, lembro o jingle de outrora e canto baixinho só pra mim: “Lá, lá, lá, lá, lá, Maria…”

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