Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : janeiro 2014

Livro reúne três peças de Consuelo de Castro, ‘maior punch’ da dramaturgia
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Mário Magalhães

blog - consuelo de castro

 

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“Consuelo, de nossos autores, talvez seja, em linguagem desportiva, quem tenha o maior punch.”

Impressa na contracapa de “Três histórias de amor e fúria”, a frase do imortal Gianfrancesco Guarnieri ilustra a potência dos uppers, jabs e diretos que golpeiam a alma nas peças escritas por Consuelo de Castro.

Três delas,  das décadas de 1980 e 90, estão reunidas em novo livro, como conta o repórter Gustavo Fioratti (leia aqui o original).

A íntegra da reportagem está abaixo.

* * *

Livro reúne peças de Consuelo de Castro

Por Gustavo Fioratti

(“Folha de S. Paulo”, 16.jan.2014)

“Não sou mulher de gaveta”, diz Consuelo de Castro, dramaturga de raízes combativas e uma extensa carreira embebida em situações de repressão política. Ela lança, no sábado, o livro “Três Histórias de Amor e Fúria”, no Espaço Parlapatões, em SP.

Agitada e sempre empunhando um cigarro que demora 15 minutos para acender e outros dois para fumar (foram três em uma hora e meia de entrevista em seu flat próximo à avenida Paulista), a autora conta que só produz se é para ver suas peças no palco ou publicadas.

A aflição com a possibilidade de ver os textos guardados resultou num hiato de 15 anos –período em que não produziu nada que tenha vindo a público.

“Três Histórias de Amor e Fúria” é composto de três peças já encenadas, apresentadas em cronologia decrescente: “Only You” (1998), “Memórias do Mar Aberto – Medeia Conta Sua História” (1997) e “Mel de Pedra” (1985).

Consuelo explica a pausa: “Vem aquela explosão, você escreve… E depois o texto fica na gaveta… Pois eu abortei ideias para não passar por esse tipo de impasse de novo”, diz ela, criticando, de quebra, colegas que encomendaram textos e sumiram do mapa sem encená-los.

Em “Only You”, sua última peça levada ao palco (por José Renato, em 2001, e por Bibi Ferreira, em 2002), um autor de novelas recebe a visita de uma mulher enigmática e embarca num jogo para desvendar sua identidade.

Em “Memórias do Mar Aberto”, Consuelo relê a tragédia de Medeia, que mata os filhos, “só que na minha versão ela o faz por um erro de estratégia, e não por vingança”, diz a autora. Em “Mel de Pedra”, uma bailarina e uma antropóloga abastecem angústias determinadas por esperas “becketianas”.

São, diz Consuelo, obras preferidas de um determinado período em que seu trabalho se impregnou da polaridade referida no título do livro: “O amor e a fúria estão ali, nessas histórias”. “Não vou dizer que há uma evolução entre os trabalhos porque seria muito pretensioso dizer que eu própria evoluí”, diz.

Em sua fase mais combativa, até os anos 1980, ela não poupava esforços para provocar os militares. Foi assim com “Prova de Fogo” (1968), seu primeiro texto, censurado.

Consuelo conta que está disposta a se dedicar novamente aos palcos. Há pouco mais de um ano, ela escreveu uma nova peça a partir de uma pesquisa sobre a vida da farmacêutica cearense Maria da Penha, que foi baleada e torturada pelo marido e lutou para aprovar a lei que endureceu a punição a casos de violência doméstica.

Só não quer produzir o espetáculo. “Quando resolvi produzir, percebi que não sou do ramo e quebrei a cara. Saí dessa experiência esgotada.”

TRÊS HISTÓRIAS DE AMOR E FÚRIA
AUTOR Consuelo de Castro
EDITORA Giostri
QUANTO R$ 35 (158 págs.)


Defesa da concessionária de trens pega mal, e candidato de Cabral recua
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Mário Magalhães

blog - extra julio lopes

 

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Na iminência de se tornar o governador do Rio de Janeiro a partir de março e concorrer em outubro ao Palácio Guanabara, o vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) recuou hoje à tarde da defesa enfática que fez ontem da SuperVia, a concessionária de trens controlada pela Odebrecht.

Na quinta-feira, Pezão afirmara que estava satisfeito com a empresa. Na quarta, um descarrilamento de trem, seguido da inépcia da SuperVia para enfrentar o acidente, havia provocado um caos que deixou 600 mil passageiros sem transporte na região metropolitana. O candidato escolhido pelo governador Sérgio Cabral (PMDB) à sua sucessão disse que “o sistema ferroviário está ganhando credibilidade” (clique aqui para ler a reportagem).

Hoje, mudou o tom, por meio do Twitter: “A Supervia errou e tem de ser punida”, digitou. Eis algumas de suas mensagens, pela conta que tem um número modesto de seguidores, 364, para um político com as ambições eleitorais de Pezão:

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A explicação para a mudança de discurso é óbvia: pegou muito mal para o futuro candidato advogar pela concessionária que presta um serviço contra o qual os usuários manifestam críticas contundentes. Enquanto o secretário estadual de Transportes, Julio Lopes, incensa a SuperVia, o estrago para Pezão é pequeno. Quando o vice de Cabral evidencia a camaradagem com a empresa, perde votos.

A primeira página do jornal “Extra” nesta sexta-feira traz a fotografia da risada ou gargalhada de Julio Lopes, enquanto os trens estavam parados e a população padecia.

Assim o jornal descreve o trio da imagem:

“1) Carlos José Cunha – Presidente da SuperVia, companhia controlada pela construtora Odebrecht, que doou R$ 200 mil para o Comitê Financeiro Único do PMDB, no ano da reeleição de Sérgio Cabral”;

“2) Arthur Vieira Bastos – Desde dezembro, é conselheiro da Agetransp, órgão que fiscaliza as concessionárias de transporte. Tesoureiro do PMDB até o ano passado, foi quem cuidou do dinheiro doado por empresas, como a Odebrecht, às campanhas do partido”;

“3) Julio Lopes – Secretário estadual de Transportes”.

Assim caminha a humanidade.


Trens – Secretário de Cabral é igual ao Fluminense: não tem jeito de cair
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Mário Magalhães

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Detalhe da primeira página de “O Globo”; Julio Lopes ri da desgraça alheia? A foto é de Gabriel de Paiva

 

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O jornal carioca “Meia Hora” pergunta marotamente, na “Pegadinha do ‘Meia'”, na primeira página de hoje: “O que Julio Lopes e o Fluminense têm em comum?”. De cabeça para baixo, imprime a resposta da charada: “Eles não caem nunca”.

O “Meia Hora” não tinha a imagem que mais combinaria com o seu tirocínio editorial, a que está na capa de “O Globo” (reprodução acima) e já corria a internet ontem: em meio ao caos nos transportes da região metropolitana do Rio, desencadeado pelo descarrilamento de um trem, o secretário estadual de Transportes ria ou gargalhava.

O gesto ofensivo aos 600 mil passageiros prejudicados trai a essência de Julio Lopes, mas ainda está longe do seu pronunciamento mais covarde desde que assumiu a pasta em 2007, no começo do governo Sérgio Cabral. Em agosto de 2011, um acidente com um bonde de Santa Tereza provocou a morte de seis pessoas e o ferimento de ao menos 57.

Quem Julio Lopes culpou então? O motorneiro do bonde. Acontece que Nelson Correa da Silva não podia se defender, pois morrera na tragédia em que o veículo tombou numa curva. Quando o freio falhou, em vez de se safar, o condutor permaneceu no posto, gritando para os passageiros pularem para fora. Morreu como herói, conforme o testemunho de numerosas vítimas.

Um laudo comprovaria que o bonde tinha 23 defeitos e não poderia circular. Nove dias antes, o Estado havia deixado de pagar a empresa responsável pela manutenção, depois de o Tribunal de Contas questionar o contrato. Procurada à época, a secretaria comandada por Julio Lopes se recusou a informar qual era o problema.

Tão valente contra os mais fracos, Julio Lopes é no mínimo pusilânime com a SuperVia, concessionária que opera os trens metropolitanos. Sempre que o descaso da empresa com os usuários fica evidente, o secretário vai à luta para defender, como ele diz, a “parceira”. A tal parceira teve o contrato estendido desde que passou a ser controlada pela Odebrecht, essa grande amiga do Estado.

O comportamento da SuperVia é ilustrado pelo episódio de abril de 2009, quando agentes a seu serviço açoitaram passageiros, em cena que, exibida na TV, assombrou o Brasil. Ontem, Julio Lopes disse que não houve caos e que solução só virá em 2016. Ele assumiu, reitero, em 2007.

Quem deveria cuidar de punir a SuperVia pelo descaso aplica multas miseráveis, e mesmo assim a maioria dos valores acaba não sendo paga. Mas o que esperar da agência reguladora recheada de partidários de Sérgio Cabral? Alguns membros, indagados sobre seu know-how na área dos transportes públicos, não titubearam em reconhecer que nada entendem.

E o que entende Julio Lopes? Como ele conta em seu site oficial, tem formação superior em administração de empresas e pós-graduação em administração escolar e marketing. É empresário do ramo educacional. Seus colégios costumam ter desempenho de sofrível a ridículo no Enem.

O secretário de Cabral integra o Partido Progressista (o nome é mais engraçado do que a pegadinha do “Meia Hora”). Reivindica a condição de “grande seguidor do mestre e exemplo na política brasileira”. Para quem não identificou o guru, trata-se do senador Francisco Dornelles.

Eleito deputado federal em 2002 e 2006, no ano seguinte Lopes foi trabalhar com Cabral. Reelegeu-se em 2010, mas com menos votos do que no pleito anterior.

Na época das mortes em Santa Tereza, houve protesto de centenas de moradores pedindo a cabeça de Julio Lopes. Como lembrou hoje o jornal, o secretário é feito o Fluminense, não tem jeito de cair.

Seu tapetão se chama Sérgio Cabral, governador do Rio de Janeiro.


Biografia ‘Marighella’: Prêmio Botequim Cultural, agora com troféu
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Mário Magalhães

mariga - premio botequim cultural

 

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Eis o novo e ilustre morador aqui de casa: Dom Quixote, esta estatueta belíssima, obra do Edgar Duvivier para o Prêmio Botequim Cultural.

Recebida com imensa alegria, a escultura só chegou graças à generosidade da Adriana e do Renato Mello, animadores do site Botequim Cultural. Na primeira edição do prêmio, com voto dos internautas, “Marighella” (Companhia das Letras, 2012) foi eleito a melhor biografia do ano _ganharia também o Prêmio Jabuti e o Prêmio APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte, de melhor biografia, além do Prêmio Direitos Humanos, como hors concours.

Só que em 2012 ainda não havia troféu, introduzido em 2013. Na camaradagem, o Renato e a Adriana me presentearam com um, com nome gravado e tudo.

Gracias, viejos!

Bem-vindo, Dom Quixote!


‘Por que os generais não imitam a Rede Globo’, por Luiz Cláudio Cunha
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Mário Magalhães

Comandantes militares não batem palmas – Foto Alan Marques/Folhapress

 

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Com muita honra, compartilho aqui no blog ensaio de autoria do jornalista Luiz Cláudio Cunha, publicado na edição de janeiro da revista “Brasileiros”. Trata-se de uma reflexão densa e arguta, pela pena de um dos mais talentosos e íntegros repórteres do país. São 11.958 palavras, ou mais de 73 mil caracteres (incluindo espaços), que não cansam. Pelo contrário, convidam ao passeio pela história e provocam as consciências, deixando um gosto de quero mais. Se eu fosse editor de livros, correria para imprimir este ensaio brilhante, a tempo do aniversário de meio século do golpe de Estado. Boa leitura.

* * *

Por que os generais não imitam a Rede Globo

Por Luiz Cláudio Cunha

Passaram-se 49 anos, quase meio século, para o Brasil ver o inesperado, o impensável. Não uma, mas duas vezes. No curto intervalo de 75 dias, o País que hostiliza a memória teve de se voltar para o passado e resgatar personagens e verdades históricas, revolvendo fatos e circunstâncias que uniram durante muito tempo duas forças poderosas na implantação e essenciais na sustentação da ditadura: as Forças Armadas e as Organizações Globo.

Na manhã cinzenta de uma histórica quinta-feira, 14 de novembro de 2013, no hangar da Base Aérea de Brasília, dez cadetes do Exército, Marinha e Aeronáutica carregaram com visível esforço a pesada urna funerária que continha os restos mortais do presidente João Goulart (1919-1976), exumado de seu túmulo em São Borja (RS) para uma perícia internacional que poderá elucidar dúvidas sobre sua morte. O esquife foi recebido com reverência de chefe de Estado, guarda de honra, hino, salva de tiros de canhão e um forte clima de emoção dominava os 160 convidados da família Goulart e da presidenta Dilma Rousseff, que ali estava com parte de seu Ministério. Entre as autoridades, os três comandantes das Forças Armadas, que prestaram continências tardias ao homem que derrubaram do poder em 1964, marco de uma ruptura institucional que golpeou a democracia e martirizou a nação pela violência e pelo arbítrio.

Goulart, popularizado como Jango, resume uma acelerada história de sucesso que a força militar abortou pelo peso esmagador das armas. Aos 26 anos, Jango era apenas um jovem e rico fazendeiro na fronteira do Rio Grande do Sul com a Argentina. Aos 28, estreou na política como deputado estadual. Aos 31, tornou-se deputado federal. Com 34 anos, foi nomeado ministro do Trabalho por Getúlio Vargas, seu padrinho político. Aos 36, elegeu-se vice-presidente com mais votos do que o presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Aos 41, reelegeu-se vice, pela chapa de oposição ao presidente eleito Jânio Quadros. Aos 42 anos, pela crise inesperada da renúncia do titular, viu-se ungido presidente da República, 16 anos mais jovem do que Lula ao chegar ao Planalto em 2003. Aos 45, foi deposto e exilado. Aos 57, morreu no exílio argentino e só então pode regressar à sua terra natal. Teria 94 anos, agora, se não tivesse retornado a Brasília reduzido aos restos de um punhado de ossos ainda atravessados na consciência nacional. A volta de Jango à sede do poder, do qual foi apeado militarmente há meio século, foi o primeiro fato inesperado que remexeu com a memória dos brasileiros. O segundo fato, ainda mais imprevisível, ocorreu dois meses e meio antes.

Na edição nobre de um domingo, 1o de setembro de 2013, o jornal O Globo, carro-chefe das Organizações Globo, abriu duas páginas para um histórico mea culpa, reconhecendo em editorial um refrão das ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. O editorialista cravou que, “à luz da História, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais que decorreram desse desacerto original”.

( Leia a íntegra clicando aqui, no link do “Observatório da Imprensa” )


Em meio ao caos nos trens, Cabral corta mais imposto de empresas de ônibus
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Mário Magalhães

O governador Sérgio Cabral – Foto Daniel Marenco – 14.jun.2013/Folhapress

 

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O descarrilamento de um trem pouco depois das cinco da manhã, na altura do bairro de São Cristóvão, provoca o caos no transporte da cidade, como informa reportagem do UOL. Como sempre, pagam os mais pobres, como a diarista aqui de casa, que não conseguiu chegar ao trabalho. Milhares de passageiros protestam contra a concessionária SuperVia, controlada pela Odebrecht. Não faltarão, certamente, críticas estridentes das autoridades estaduais contra a empresa, mas as multas seguirão o padrão miserável que mais incentiva do que constrange o mau serviço aos cidadãos.

Em meio ao caos nos trens, ecoa a novidade veiculada ontem pelo “Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro”: decreto do governador Sérgio Cabral concedeu mais um abatimento de impostos para os empresários de ônibus. Agora, caiu pela metade, desconto de 50%, o IPVA, como conta a repórter Célia Costa.

Os empresários já haviam sido beneficiados nos últimos meses com a redução de outros tributos e taxas, mãozinha dada por órgãos e amigos do Município do Rio, do Estado e da União.

Nada disso impediu o compromisso entre o prefeito Eduardo Paes e as empresas de ônibus para o aumento das passagens no comecinho do ano. A tarifa ainda não mudou devido a restrições apresentadas pelo Tribunal de Contas do Município.

Parece que esqueceram: as jornadas de junho de 2013 nasceram de protestos contra o abuso nas tarifas do transporte público.


Grande história, grande livro: ‘Operação Banqueiro’ já nasce clássico
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Mário Magalhães

blog - op banq

 

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Se fosse um livro ficcional, ‘Operação Banqueiro’ teria mais chances de oferecer um final menos deprimente. Reportagem lastreada em fatos, portanto peça jornalística, da família editorial da não ficção, a obra do jornalista Rubens Valente apresenta um roteiro tão miserável quanto banal no Brasil: escrutina pecados, falcatruas e crimes pelos quais no fim ninguém paga.

Mas não é qualquer roteiro o do livro recém-lançado pela Geração Editorial. O premiado repórter da “Folha de S. Paulo” produziu uma das mais assombrosas radiografias do amálgama entre interesses privados e públicos na história republicana, ou pouco republicana, do país.

Sem eufemismos: exumou passagens horripilantes sobre como o capital se apropriou de patrimônio dos cidadãos, sobretudo nas grandes privatizações de companhias estatais, na derradeira década do século XX. Foram os negócios que o jornalista Elio Gaspari batizou como “privataria”.

“Operação Banqueiro” se debruça sobre a Operação Satiagraha, que em 2008 levou à prisão, por algumas horas, controladores e executivos do grupo financeiro Opportunity. Entre eles, o banqueiro Daniel Dantas, protagonista do livro. Coadjuvantes de luxo com estatura de co-protagonistas, o delegado Protógenes Queiroz conduziu a investigação policial, e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, mandou soltar o empresário.

Eletrizante como a narrativa da captura dos próceres do Opportunity é a reconstituição da rumorosa privatização do setor de telecomunicações, na qual o banco abocanhou um naco, e da gestação tormentosa da Satiagraha na Polícia Federal.

Mais contundentes ainda são as mensagens eletrônicas, boa parte inédita, trocadas no segundo governo Fernando Henrique Cardoso entre o lobista Roberto Amaral, o então presidente da República e seu candidato à sucessão, José Serra. O lobista tratava FHC por você e, em tom assemelhado ao de chefe para subordinado, enumerava sugestões caras ao Opportunity. Para o ex-ministro da Saúde, digitava palavrões e o desafiava: “Você precisa de mim, e eu não preciso de você”. E se referia a Daniel Dantas como “credor, grande credor”. Alguns missivistas empregavam nomes de guerra nos e-mails, mas deixaram rastros que os identificaram.

De todos os personagens, nenhum se credencia com tanto fascínio para estrelar uma biografia jornalística, ou filme de Francis Ford Coppola, como Roberto Amaral, cujas ações e estilo haviam merecido atenção de “Notícias do Planalto”, livro de Mário Sérgio Conti. Nos tempos de Collor presidente, PC Farias e Orestes Quércia, Amaral perfilava entre os mandachuvas da empreiteira Andrade Gutierrez.

Jornalismo e clareza

Há terrenos em que os jornalistas brasileiros só costumam trafegar munidos de coragem: apuração em campo, expondo-se a retaliação física, sobre quadrilhas do narcotráfico; cobertura independente sobre o Judiciário e magistrados; Daniel Dantas e o seu Opportunity.

A leitura do livro-reportagem de Rubens Valente esclarece o terceiro temor: as intimidações são virulentas, tentando muitas vezes, mais do que contestar informações, desqualificar o informante. Mesmo que o alvo não sejam jornalistas, mas, por exemplo, juízes de direito. Numa mensagem, uma antiga executiva do Opportunity chancela a proposta de _literalmente_ “assassinato de reputação” de certa pessoa.

Mas coragem não basta. Uma das regras aprendidas na primeira infância do repórter ensina ser melhor mostrar sua ignorância ao entrevistado do que ao editor. Mais apropriado seria, nessa lição elementar, mudar “editor” para “internauta – leitor – espectador – ouvinte”, o cidadão e consumidor a quem a informação se destina.

Trocando em miúdos, quem não compreende o assunto fracassa ao tentar explicá-lo. Dominar o objeto do interesse jornalístico é imprescindível. Ocorre que também não é suficiente. Nem todos os que entendem de privatizações, Opportunity e Daniel Dantas, quando dispostos a contar o que sabem, logram ser claros.

Este é outro imenso mérito de “Operação Banqueiro”: a clareza para autopsiar esquemas bilionários e promíscuos entre Estado, empresas privadas e governantes que servem mais a elas do que à cidadania. Para quem se habituou a penar para decifrar reportagens e análises ilegíveis como hieroglifos, o novo livro é redentor.

O autor contornou três armadilhas: ignorou a controvérsia ideológica sobre privatizações, evitando que o relato substantivo sobre negociatas viesse a ser contaminado por adjetivos oriundos de idiossincrasias políticas; aferrou-se à sobriedade, elegendo fatos, e não a opinião, como matéria-prima essencial; e driblou fuxicos e fontes não nomeadas _no fundamental, exumou os processos judiciais e inquéritos policiais, no Brasil e no exterior, relativos a Daniel Dantas, seus aliados e oponentes.

Rubens Valente colecionou 62 mil arquivos digitais, sem permitir que a apuração monumental, de mais de quatro anos, resultasse em maçaroca enfadonha para o leitor. Pelo contrário, em muitas sequências a narrativa é típica de thriller literário, à espera de ser adaptado às telas de cinema e televisão.

Outra virtude é a síntese apurada, que ecoa um mestre nessa técnica, o historiador Jacob Gorender. De tão criterioso, o repórter reiteradamente corrige, favorecendo ou não Daniel Dantas, transcrições de grampos feitas pelas autoridades. Cético e perfeccionista, não se fia no que os policiais escrevem: ouve e transcreve por conta própria.

Lições e impressões

Ao contrário do que é comum considerar, os conflitos de Daniel Dantas com sócios (italianos, norte-americanos e brasileiros, os fundos de pensão) não principiaram no governo Lula, em 2003, mas vieram de antes, como recapitula “Operação Banqueiro”.

A queda do delegado Paulo Lacerda, detestado pelo Opportunity, do comando da Agência Brasileira de Inteligência, decorreu da denúncia de que Gilmar Mendes teria sido grampeado ilegalmente. Todas as provas até hoje colhidas, inclusive por inimigos viscerais de Lacerda e Protógenes Queiroz, derrubam a suspeita de espionagem alardeada com histeria pelos meios de comunicação.

O jornalismo tem sido instrumentalizado nas coberturas sobre o Opportunity, especialmente a favor, como ilustra o obsceno episódio da demissão de Paulo Lacerda. Sem o concurso da imprensa, possivelmente o bem-sucedido golpe contra o diretor da Abin não teria vingado.

O livro não afirma, mas permite supor que, se prosperasse a suspeita, que se mostraria infundada, de que o presidente Lula mantinha uma conta bancária clandestina em paraíso fiscal, poderia ter avançado um movimento para afastá-lo da Presidência, por impeachment. Rubens Valente esmiúça os vínculos do Opportunity com a plantação contra Lula.

Gordos negócios de Daniel Dantas tiveram a bênção ou o patrocínio de Fernando Henrique Cardoso, seus corifeus da equipe econômica e cabeças do PSDB. Mas figuras de vulto do PT, quando no governo, pelejaram estoicamente para socorrer o banqueiro acuado, evidenciam interceptações de comunicação autorizadas pela Justiça. Talvez seja esse o motivo do silêncio ensurdecedor sobre o novo livro, seja nas brigadas tucanas, seja nas petistas.

O juiz Fausto De Sanctis passou de julgador a acusado por ter decidido pela segunda prisão de Daniel Dantas, depois da ordem para libertá-lo emitida por Gilmar Mendes. Muito li na imprensa que não teria havido “fato novo”, condição legal para encarcerar novamente o beneficiário de habeas corpus do Supremo. Aprendi que houve não um, mas três: o depoimento de uma testemunha-chave, a apreensão de documento bombástico na residência do banqueiro e, principalmente, noutro apartamento, de uma dinheirama que se destinava, de acordo com conversas gravadas, a corromper delegados da Satiagraha.

O pedido de prisão da repórter Andréa Michael, então na “Folha de S. Paulo”, assinado por Protógenes Queiroz às vésperas das prisões na Satiagraha, já soava abusivo e delirante anos atrás. De Sanctis não o acolheu, rejeitando a suspeita de que ela conspirasse em prol do Opportunity. O livro comprova, com gravações eloquentes, que a jornalista trabalhava em reportagem (sobre a operação em curso) que contrariava Daniel Dantas _e também a PF. Profissional digna e competente, Michael não atuou a favor de interesse x ou y, mas do jornalismo. Rubens Valente lhe faz justiça, com informações, e não pitacos, assim como aponta com nome, sobrenome e fatos alguns jornalistas camaradas do banqueiro.

O messianismo e a egotrip marcantes em Protógenes Queiroz foram decisivos para que eu jamais simpatizasse com ele. Pior, rebaixa-o sua constrangedora bajulação de cartolas da estirpe de João Havelange e Ricardo Teixeira. No balanço sincero da história, contudo, o que define o hoje deputado federal é o espírito público de líder da Operação Satiagraha e a decência de recusar o dinheiro da corrupção e batalhar pela prisão de corruptores. O livro assinala erros e tropeços de Protógenes, numerosos. Porém, no capítulo histórico da Satiagraha, concluo, ele não equivale ao vilão demonizado pelo noticiário. O Brasil não perdeu por ter tido um delegado como Protógenes Queiroz; perde por não existirem mais Protógenes e outros policiais como ele.

Não é novidade, mas o livro enfatiza, com um sem-número de fatos comprováveis, que a disputa privada pelo domínio do Estado não se restringe ao Executivo, mas atinge o conjunto dos poderes. São assustadoras as manifestações _grampeadas na forma da lei_ de advogados especulando e se jactando sobre influência e possibilidades de sucesso no Judiciário. “Operação Banqueiro” expõe relações e conexões inacessíveis à esmagadora maioria dos brasileiros.

A equilibrada reportagem de Rubens Valente fornece pistas de que Daniel Dantas tem razão quando se queixa de ser um Judas no qual alguns críticos depositam responsabilidades quase exclusivas por certos males. O jogo do capitalismo não é para amadores. O Opportunity _ou executivos associados ao grupo_ contratou a agência internacional de espionagem Kroll para xeretar vidas alheias. Mas sua concorrente Telecom Italia contra-atacou na mesma moeda, embarcando agentes privados estrangeiros para bisbilhotar ilegalmente no Brasil. Um dos momentos mais curiosos do livro conta como hackers italianos invadiram o sistema eletrônico de um hotel em Copacabana, o Sofitel, no qual se hospedaram, com o exitoso propósito de vigiar um chefão da Kroll londrina, aqui a serviço da Brasil Telecom, então controlada por Daniel Dantas. Vale ou não um filme?

Daniel Dantas pode não ser ou não ter sido o “dono do Brasil”, como o tratou em conversa com outrem seu parceiro Naji Nahas, famigerado “investidor”. Mas é notável que, depois de toda a brigalhada com sócios e governo, tenha saído do setor das teles, passando adiante a Brasil Telecom, em pleno governo dos seus ditos inimigos petistas, com uma bolada, talvez bilionária. No final, ou ao menos por enquanto, o banqueiro triunfou.

Anatomia do poder

O magnífico livro de Rubens Valente é econômico sobre a vida do superempresário longe dos negócios e da política. Valem por pilhas de volumes sobre (i)mobilidade social as informações sobre a família do banqueiro baiano, descendente do Barão de Jeremoabo, célebre senhor de engenho que nutria ódio por Antônio Conselheiro, o guia de Canudos. O Dantas do século XIX virou personagem de Vargas Llosa em “A Guerra do Fim do Mundo”. O Dantas do século XXI é protagonista de “Operação Banqueiro”.

Mas o autor é reticente sobre o cotidiano particular de Daniel Dantas. Aborda assuntos sobre os quais não restam dúvidas _e não restam, mesmo_ de que configuram tema de relevância pública, o que legitima sua publicação, nos moldes tradicionalmente adotados por veículos jornalísticos nas nações democráticas. Todas as informações do livro guardam interesse público, pois têm consequências para a vida dos cidadãos.

Mesmo assim, “Operação Banqueiro” afetou minha percepção sobre seu personagem principal. Antes, eu imaginava que o economista Daniel Dantas não aproveitasse a vida _nem em restaurantes costuma ser visto aqui no Rio. Agora, os sinais indicam que, para ele, a vida é quase somente acumular dinheiro, acordar todas as manhãs à procura de novos conflitos, para de noite descansar à espera de mais um dia de contendas. O prazer estaria no ringue, e não no que os sucessos sobre o ringue proporcionam. Ou seja, Dantas aproveita, sim, a vida, considerando o que a vida lhe parece significar.

Embora Daniel Dantas seja um protagonista hipnotizante, o livro vai muito além da sua figura. Consagra-se como um fabuloso painel sobre a anatomia do poder, escancarando como o Estado, em vez de servir à coletividade, privilegia poucos. Uma aula de história do Brasil. Na minha modesta biblioteca, fará companhia a “Os Donos do Poder”, obra imortal do jurista Raymundo Faoro publicada no século XX. “Operação Banqueiro”, trabalho brilhante e hercúleo, já nasce como livro clássico. Clássico e, pena, deprimente.

Transparência: tive a honra de trabalhar por muitos anos com Rubens Valente na “Folha de S. Paulo”. Considero-o um amigo e ficarei feliz se o sentimento for recíproco. Outros amigos já publicaram livros, sobre os quais não escrevi uma sílaba. Isto é, o teor deste post se deve aos méritos do trabalho, e não à amizade com o autor. Não li sequer uma palavra antes do lançamento. Tive acesso a “Operação Banqueiro” na sexta-feira, comprando um exemplar na livraria do terminal 2 do Galeão.