Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : setembro 2013

Manifesto pede fim da censura às biografias
Comentários Comente

Mário Magalhães

Nos anos 1960, na ditadura, artistas protestavam contra a censura

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Seria mais ou menos como, na Alemanha, proibirem ainda hoje biografias críticas ao Hitler, se alguma sobrinha perdida do genocida acionar a Justiça alegando invasão à privacidade do falecido.

É o que vigora no Brasil, com a interpretação da lei que tem priorizado o legítimo direito à privacidade, em detrimento do legítimo direito à informação. Ninguém propõe um vale-tudo, tanto que o recurso ao Judiciário permite buscar a devida reparação às vítimas e a punição a quem fere direitos. Inadmissível é censura prévia, coisa de ditadura.

No sábado à noite, o Ruy Castro leu na Bienal do Livro do Rio um manifesto contra a censura às biografias, como noticiou aqui no UOL a colega Fabíola Ortiz (leia aqui).

Publico a íntegra do manifesto e seus primeiros signatários, entre os quais me incluo.

*

Manifesto dos intelectuais brasileiros contra a censura às biografias

Desde o século XIX, a Biografia teve papel importante na construção da nossa ideia de Nação, imortalizando personagens e ajudando a consolidar um patrimônio de símbolos e tradições nacionais.

Mais recentemente, na segunda metade do século XX, a Biografia ganhou outra dimensão: além de relatar os feitos dos grandes nomes, transformou o personagem em testemunha de sua época.  A Biografia moderna não é só a história de uma pessoa, mas também de uma época, vista através da vida daquela pessoa.

No Brasil, tal forma de manifestação encontra-se em risco, em virtude da proliferação da censura privada, que é a proibição das biografias não autorizadas.

A ninguém é dado impedir a livre expressão intelectual ou artística de outro, garantia consagrada na Constituição democrática de 1988, que baniu definitivamente a censura entre nós. Por isso, não faz sentido exigir-se o consentimento prévio da personalidade pública cuja trajetória um autor ou historiador pretende relatar (e, menos ainda, exigir-se a autorização de seus familiares, quando já falecido o biografado), como condição para a publicação de Biografias.

É apropriado que a lei proteja o direito à privacidade. Mas este direito deve ser complementado pela proteção do acesso às informações de relevância para a coletividade, na forma de tratamento distinto nos casos de figuras de dimensão pública, os chamados protagonistas da História: chefes de Estado e lideranças políticas, grandes nomes das artes, da ciência e dos esportes.

O Brasil é a única grande democracia na qual a publicação de Biografias de personalidades públicas depende de prévia autorização do biografado. Um país que só permite a circulação de biografias autorizadas reduz a sua historiografia à versão dos protagonistas da vida política, econômica, social e artística. Uma espécie de monopólio da História, típico de regimes totalitários.

Este erro produz efeito devastador sobre a atividade editorial. A necessidade do consentimento prévio das pessoas retratadas nas obras cria um balcão de negócios de valores vultosos, em que informações sobre a nossa História são vendidas como mercadorias.

Há um efeito ainda mais grave no que tange à construção da memória coletiva do país. O conhecimento da História é um direito da cidadania, independentemente de censura ou licença, do Estado ou dos personagens envolvidos. O ordenamento jurídico deve assegurar pluralidade, cabendo à sociedade e ao cidadão formarem livremente sua convicção.

É pertinente lembrar que a dispensa do consentimento prévio do biografado não confere ao autor imunidade sobre as consequências do que escrever. Em casos de abuso de direito e de uso de informação falsa e ofensiva à honra, a lei já contém os mecanismos inibidores e as punições adequadas à proteção dos direitos da personalidade.

Hoje, quando a sociedade clama pela ética e pela plena liberdade de expressão, está mais do que na hora de eliminar este entulho autoritário e permitir novamente que os brasileiros possam ter acesso à sua própria História.

Assim, os intelectuais brasileiros apoiam as iniciativas legislativas e judiciais voltadas à correção dessa anomalia do ordenamento jurídico brasileiro, de maneira a permitir a publicação e a veiculação de obras biográficas sobre os protagonistas da nossa História, independentemente da autorização dos personagens nelas retratados.

Assinam:

Afonso Arinos de Mello Franco

Alberto Costa e Silva

Alberto Venâncio Filho

Alexei Bueno

Ana Maria Machado

André Amado

Antônio Carlos Secchin

Antonio Torres

Arnaldo Niskier

Boris Fausto

Candido Mendes de Almeida

Carlos Heitor Cony

Carlos Nejar

Celso Lafer

Cícero Sandroni

Cleonice Berardinelli

Cristovão Tezza

Domício Proença Filho

Eduardo Portella

Evanildo Bechara

Fernando Morais

Ferreira Gullar

Geraldo Holanda Cavalcanti

Ivan Junqueira

João Máximo

João Ubaldo Ribeiro

Jorge Caldeira

José Murilo de Carvalho

Lira Neto

Luis Fernando Veríssimo

Manolo Florentino

Marco Lucchesi

Marcos Vilaça

Mário Magalhães

Mary del Priore

Merval Pereira

Milton Hatoum

Murilo Melo Filho

Nélida Piñon

Nelson Pereira dos Santos

Roberto da Matta

Roberto Pompeu Toledo

Rosiska Darcy de Oliveira

Ruy Castro

Sergio Rouanet

Silviano Santiago

Ziraldo

Zuenir Ventura


Periga o Mano já ter se arrependido
Comentários Comente

Mário Magalhães

Domingo sem surpresa: mais uma derrota do Flamengo – Foto Washington Alves / Vipcomm

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Os gaúchos ensinam que não está morto quem peleia, mas eu não me surpreenderia se o Mano, no fundo no fundo, já estivesse arrependido de ter assumido o Flamengo. Posso estar errado, claro. Mesmo se eu não estiver, o técnico jamais confirmará.

Depois da derrota de 1 a 0 para o Cruzeiro, ele não exibia mais a ira, sobretudo contra a arbitragem, da beira do campo. Resignado, reconheceu que o Cruzeiro é mais time. Muito mais time, eu diria. O triunfo rubro-negro na Copa do Brasil decorreu do seu primeiro, segundo, terceiro, quarto… décimo-segundo jogador, a torcida fenomenal que obra milagres.

No Mineirão, os anfitriões finalizaram muito mais. Se a minha memória não trai, o Flamengo não levou perigo ao gol do Fábio.

O que deve irritar ainda mais o Mano é que ele armou muito bem a equipe, fechadinha, como convém a quem é consciente da assimetria. Para dar certo seu plano, os contra-ataques precisariam funcionar, o que não ocorreu principalmente pelo péssimo relacionamento de vários jogadores com a bola. São favas contadas, não nasceram um para o outro.

Até atletas de prestígio, como André Santos, penaram ontem. No primeiro tempo, ele tentou sem sucesso dois dribles. Ao perder a bola, expôs o Flamengo a sofrer gols que acabaram não acontecendo.

Prometeram mundos e fundos ao Mano. Em outras palavras, jogadores de qualidade. Não entregaram o prometido, e o Flamengo batalha para sobreviver na primeirona, o que conseguirá, ainda aposto.

Com o elenco limitado, o Mano se sente obrigado a arriscar, testando até escalações improváveis. Como tem muito perna-de-pau, muitas combinações não funcionam, e a torcida chia.

Se vacilar, ainda acaba sobrando para o treinador.


Jornalista Greenwald controla agenda do noticiário, constrange Obama e humilha Dilma
Comentários Comente

Mário Magalhães

Barack Obama, “muy amigo” – Foto AFP

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Poucas vezes na história um jornalista teve tanto poder como Glenn Greenwald, o repórter que tem divulgado os documentos colecionados por Edward Snowden, o antigo servidor da NSA, a Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos.

É certo que Bob Woodward e Carl Bernstein foram decisivos para derrubar o presidente Richard Nixon, na década de 1970. Mas eles publicavam o que iam, aos poucos, descobrindo. Agora, Greenwald administra o arsenal de informações fornecido por Snowden. Divulga-o passo a passo, avaliando os estragos. Controla a agenda, ou, como dizemos nas redações, a pauta.

Quanto mais próxima a viagem de Dilma Rousseff aos EUA, prevista para outubro, mais novidades Greenwald revela.

Seu comportamento jornalístico é legítimo. Não conheço repórter de verdade que não quisesse estar em seu lugar, com esse tesouro jornalístico à mão.

Com a veiculação a conta-gotas, o repórter com formação de advogado expõe as mentiras da administração dos EUA.

Diziam que toda a arapongagem eletrônica destinava-se a prevenir o terrorismo.

Mas vasculharam as comunicações de Dilma, que desde os tempos da ditadura não é mais catalogada como “terrorista”.

A agência enfatizou que não xeretava empresas e negócios. Como se soube ontem pelo “Fantástico”, a Petrobras foi espionada.

Para Obama, acumulam-se constrangimentos. Ele diz que esclarecerá tudo na quarta-feira. Se contar que sabia, assumirá a bisbilhotice, o que equivaleria a um ato de beligerância. Se disser que tudo ignorava, merece um atestado de panaca.

A situação de Dilma é pior, e somente por escolha dela. Até aqui, a presidente limitou-se à retórica combativa, sem tomar atitude à altura da agressão. No momento, isso significaria, serenamente, cancelar a visita à Casa Branca.

Não custa repetir: se o espionado fosse Obama, ele não viria ao Brasil, e seu gesto seria aplaudido.

Temerosa de reagir de modo altivo, Dilma se humilha. Pode ser pior: imaginemos, no dia de sua chegada a Washington, mais um furo de Glenn Greenwald, mostrando novas teias do abuso da NSA. A mensagem não escrita será: façam o que quiserem com o Brasil, porque nascemos com o DNA da submissão.


Quando o Hyuri vai deixar o Botafogo?
Comentários Comente

Mário Magalhães

Hyuri comemora o seu golaço junto com a torcida, no Maracanã

 

( Para seguir o blog no Twitter: mariomagalhaes_ )

No café da manhã de hoje, o menino de seis anos comenta o gol do Hyuri, de 21, nos 3 a 1 do Botafogo sobre o Coritiba. “Foi pra frente, foi pro lado, foi pra trás”.

Durante o jogo, eu observava os craques Seedorf e Alex sentindo o esforço da temporada, aparentando dificuldades para acompanhar o ritmo. O menino reparava que a chuteira do holandês, preta com listras brancas, Adidas estilo clássico, é quase igual à dele.

Quando o Hyuri penetrou e, já na área, deu pinta de que se enredaria com a bola, e enredou os oponentes, pensei em futsal. O menino disse que tudo bem que o Hyuri não é do Flamengo, era um golaço do mesmo jeito.

Uma irmã se espantou com a grafia do nome, e o menino, que não tinha notado o registro original, informou que “é com ípsilon”. É mesmo, só que depois do agá.

Matutei, mas calei, para não estragar a noite cara aos velhos e novos amantes do futebol: quanto tempo esse garoto ficará no Botafogo antes de pegar um voo para o Leste Europeu ou, eis um must do léxico futebolístico, “Mundo Árabe”?

Sem querer estragar prazeres, o histórico recente do Botafogo deprime.

O Felyppe Gabriel foi para um timeco dos Emirados Árabes.

O Andrezinho se enfurnou na China.

Aí o Vitinho desandou a jogar bem, até se mandar para o CSKA, de Moscou, este sim um clube de prestígio.

Entre outros sonhos, foram atrás de salário em dia.

Como disse o Oswaldo, técnico de responsa, imagina se eles tivessem permanecido no Botafogo. A campanha no Campeonato Brasileiro seria ainda melhor.

O Hyuri chegou emprestado há poucas semanas, vindo do Audax, clube pequeno aqui do Grande Rio.

Ignoro como são divididos seus direitos, entre ele, empresários, Audax e sabe-se lá quem mais.

Torço para que o Hyuri fique muito tempo no alvinegro, porque, se o aperitivo de ontem deu ideia do que o moleque joga, vêm banquetes por aí.


Há 100 anos nascia o jornalista Joaquim Câmara Ferreira, torturado em duas ditaduras e morto no pau-de-arara em 1970
Comentários Comente

Mário Magalhães

 

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Nascido no dia 5 de setembro de 1913, cem anos atrás, o jornalista Joaquim Câmara Ferreira era tão discreto que até hoje poucos historiadores se deram conta de que ele foi um dos maiores personagens da esquerda brasileira no século XX.

Comunista desde o alvorecer da década de 1930, ele conspirou, protegeu perseguidos, penou anos na cadeia, conduziu greves, combateu duas ditaduras, ajudou a botar para correr um bando de integralistas, editou jornais, viveu escondido, tornou-se guerrilheiro, fez amigos, amou e foi amado. Lutou por seus valores até o suspiro derradeiro.

Dois momentos em que ele foi protagonista da história do Brasil: na organização clandestina da célebre Greve dos 300 Mil, que parou São Paulo em março e abril de 1953; e como uma espécie de “comissário político” no sequestro do embaixador dos Estados Unidos, Charles Burke Elbrick, de 4 a 7 de setembro de 69.

Há 44 anos, Câmara estava trancafiado com o diplomata, em um esconderijo aqui no Rio. Líder da organização armada Ação Libertadora Nacional, ao lado de Carlos Marighella, era conhecido como “Toledo” e “Velho”.

Câmara foi torturado na ditadura de Getulio Vargas, o Estado Novo (1937-45), e na ditadura instaurada em 64. Morreu ao ser colocado no pau-de-arara pelo delegado Sérgio Fernando Paranhos Fleury e sua turma. Era outubro de 1970, e Câmara tinha 57 anos.

É legítimo concordar ou não com suas ideias. Mas é imperdoável um ser humano ter sido torturado e morto como ele foi. Até hoje não houve castigo para os seus assassinos.

Logo mais, a partir das 19h, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo promove um ato em homenagem à memória do colega centenário.

Quem o conheceu de perto, como o Juca Kfouri, pode falar melhor. Clique aqui para ler seu comovente depoimento, “Eterna gratidão”.