Desolação social: índices de qualidade de vida expõem regressão e ruína
Mário Magalhães
Até ignorantes em economia entendem que com depressão econômica os empregos escasseiam e dificilmente são recuperados.
Mesmo quem raramente vai ao supermercado _função feminina, predica o ideário presidencial_ percebe que com inflação nas alturas o dinheiro enche cada vez menos as cestas e os carrinhos.
A inflação vem caindo, os números do incremento da produção sorriem com timidez, surge um sopro de esperança de retomada de postos de trabalho.
O que os sábios econômicos compreendem bem, mas muitas vezes não contam, é que o crescimento do bolo não assegura sozinho o bem-estar da maioria dos cidadãos.
No exemplo célebre, no princípio dos anos 1970 o dito milagre econômico turbinava anualmente o PIB em dois dígitos, porém no fim da década a desigualdade superava a do começo.
Uma coisa é o fermento engrandecer o bolo. Outra é reparti-lo com mais gente.
Em contraste com certa excitação com índices recentes da economia, estudos sobre as condições de vida dos brasileiros expõem regressão e devastação.
A novidade menos assustadora também é grave: depois de uma década de ascensão, o Índice de Desenvolvimento Humano estacionou em 2015 no Brasil. As Nações Unidas o determinam com base em desempenho de saúde, escolaridade e renda. Como 2016 foi ainda pior, é provável que o IDH do ano passado não tenha avançado.
Outra notícia desalentadora, da Fundação Abrinq: de 2015 para 2016, o trabalho de crianças de cinco a nove anos ampliou-se em 12,3%. Passou de 69.928 meninas e meninos para 78.527, acréscimo de 8.599. A curva de prosperidade se inverteu. De 2005 a 2013, o trabalho infantil havia despencado 80,6% (de 312.009 crianças para 60.534).
O desemprego disparou, informa o IBGE. No trimestre de novembro de 2016 a janeiro de 2017, a taxa média foi de 12,6%. Alcançou 12,9 milhões de pessoas, numa estimativa conservadora (o cálculo exclui quem não busca nova oportunidade). Foram 879 mil desempregados a mais que no trimestre anterior. É a ruína das famílias mais pobres.
A convicção de que os mais vulneráveis pagam mais pela crise tem lastro nos fatos. A FGV Social descobriu que pela primeira vez , em 22 anos, a ''disparidade da renda domiciliar per capita'' aumentou. Noutras palavras, a desigualdade progrediu, no país já obscenamente desigual. Desde a criação do Plano Real tal retrocesso não acontecia. A renda dos mais pobres diminui sobretudo por causa do desemprego.
Há outros levantamentos desoladores. Toda semana sai um. Como previsto, o arrocho do segundo governo Dilma Rousseff seria lembrado como arrochinho numa administração Michel Temer.
É evidente que as contas públicas exigem equilíbrio. Mas equilíbrio se obtém peitando quem tem mais, e não menos.
A aflição nas camadas sociais mais baixas se agravará se o governo for bem-sucedido nas chamadas reformas trabalhista e previdenciária.
Elas não foram boladas para amenizar o sofrimento dos mais sofridos. Pelo contrário. Se forem aprovadas, retirarão direitos e abolirão conquistas. Mais trabalho precário, menos salário, menos garantias.
E não na Noruega, campeã do IDH.
E sim no 79º colocado, o Brasil, onde o sufoco já é grande.