Em 2017, passado guerrilheiro de Aloysio parece incomodar mais do que nunca
Mário Magalhães

Aloysio Nunes Ferreira Filho, novo ministro das Relações Exteriores – Foto Alan Marques/Folhapress
Nunca o passado guerrilheiro de Aloysio Nunes Ferreira Filho (PSDB-SP) pareceu incomodar tantas viúvas da ditadura como em 2017, quando o senador é escolhido por Michel Temer para dirigir o Ministério das Relações Exteriores.
A grita não foi assim na década de 1990, quando por quatro anos Aloysio foi o vice de Luiz Antônio Fleury no governo estadual de São Paulo.
Nem no princípio do século 21, ao ser ministro da Justiça nos estertores da administração Fernando Henrique Cardoso.
E olha que antes as cicatrizes dos tempos da ditadura estavam mais inflamadas do que hoje.
O que mudou, ao menos na aparência, foi o ambiente político.
Agora, uma turba rejuvenescida de extrema direita se inspira em veteranos nazistoides da ditadura (1964-1985) e se une a eles para patrulhar, atacar e destruir tudo que lhes pareça diferente.
Até mesmo um prócer do PSDB, vice de Aécio Neves na chapa presidencial derrotada em 2014.
E apoiador e participante da deposição de Dilma Rousseff.
É evidente que anos atrás inexistiam as redes que hoje ampliam a disseminação de opiniões, das mais sábias às, como dizia o Paulo Francis, da massa boçal (o que é sabedoria e o que é boçalidade depende da cachola de cada um).
A considerar o que muitos proclamam desde ontem no Twitter e no Facebook, o Itamaraty será tomado por um comunista, guerrilheiro e terrorista alucinado _ele mesmo, Aloysio Nunes Ferreira Filho.
Já a oposição de esquerda ao governo Temer fustiga Aloysio pela trajetória política. Da luta armada ao quercismo e ao tucanato.
Numa barricada, não perdoam a antiga militância de esquerda do novo ministro.
Noutra, o que julgam mudança de lado dele, aderindo à direita ou ao centro.
Opinião é opinião. Mas no fogo cruzado da nomeação erros factuais têm sido publicados sobre o senador.
Não é verdade que ele tenha começado a vida política na guerrilha.
Antes, o jovem Aloysio pertenceu ao PCB (Partido Comunista Brasileiro), agremiação contrária à luta armada como meio de enfrentar o regime instaurado pelas armas.
Como comunista, Aloysio foi militante estudantil na Faculdade de Direito da USP. No Largo São Francisco, presidiu o Centro Acadêmico XI de Agosto.
Ainda na faculdade, rompeu com o PCB e se integrou à Ação Libertadora Nacional. Comandada pelo ex-deputado Carlos Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira, a ALN foi a maior organização guerrilheira de combate à ditadura. Marighella foi fuzilado em 1969. No ano seguinte, torturaram Câmara até a morte.
Por motivos diversos _inclusive ignorância_, Aloysio costuma ser tratado exclusivamente como ''motorista do Marighella''.
Ele foi muito mais do que isso: foi um revolucionário que participou de numerosas ações armadas. Seu nome de guerra mais usado era ''Mateus''.
Em 1968, Aloysio esteve no assalto da ALN ao trem pagador Santos-Jundiaí. Também no roubo de um carro-pagador da Massey Ferguson.
Reconstituí esses episódios em pormenores na biografia ''Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo'' (Companhia das Letras). Aloysio aparece em sete páginas do livro.
Morando em Paris, Aloysio se tornou em 1969 o principal quadro da logística da ALN na Europa, onde regressou ao PCB.
Após a anistia, ficou muito tempo no PMDB, mais tarde trocado pelo PSDB.
Em entrevistas, o senador declarou que a guerrilha foi um erro. Mas nunca se disse um ''arrependido''.
Nos anos 2000, esteve presente em homenagem a Marighella na alameda paulistana onde o guerrilheiro fora assassinado por dezenas de agentes da ditadura.
Em 2014, um levantamento do destino dos ex-militantes da ALN concluiu que eles se dispersavam por ao menos oito partidos: PT (a maioria expressiva), PSDB, PDT, PSB, PV, PSOL, PPS e PTB.
Espalhou-se nas redes sociais, nos últimos anos, a versão de que Aloysio teria ''entregue'' Marighella aos esbirros da ditadura.
Isso não passa de fantasia sem lastro nos fatos.
Testemunhas às pencas e provas irrefutáveis comprovam que Aloysio estava na Europa fazia meses quando mataram o guerrilheiro tido oficialmente pela ditadura como o ''inimigo público número 1''.
O ministro do governo Michel Temer combina com o jovem destemido que encarou a ditadura de arma na mão?
Com resposta positiva ou negativa, o passado de Aloysio não se apaga.
Tudo é história.