Passeio pelas ruínas de Eike Batista no Rio
Mário Magalhães
Para quem gosta de correr, caminhar ou pedalar, a pista-ciclovia da praia de Botafogo (dois quilômetros de extensão, até o monumento a Estácio de Sá) e do parque do Flamengo (mais três) são uma tremenda pedida. Dez mil metros, ida e volta. Quem se distrair um pouco da natureza exuberante poderá observar as ruínas de projetos de Eike Batista no Rio.
Na altura da Kombi do Emir, a melhor água de coco do pedaço, vê-se de um lado a baía de Guanabara e o Pão de Açúcar. Do outro, prédios do morro da Viúva, entre eles um abandonado. É o edifício Hilton Santos, velha sede do Clube de Regatas do Flamengo. Eike o tinha arrendado para transformá-lo em hotel. Não o transformou e devolveu-o. O lugar teve seus dias de prestígio. Lá morou gente boa como o casal de grandes cantores Nora Ney (''ninguém me ama, ninguém me quer…'') e Jorge Goulart (''eu sou o samba, a voz do morro sou eu mesmo, sim, senhor…''). Hoje, contam, é abrigo de ratos.
Mais adiante, jaz o hotel Glória, com as obras de reforma interrompidas. Ao comprá-lo, o grupo X divulgou ilustrações de como a antiga hospedaria de presidentes ficaria. Ilusão. O que se vê é a edificação degradada pelo tempo e pela reconstrução que ficou pela metade ou a ela nem chegou. Não ''um dos dez melhores hotéis do mundo'', a ambição do empresário em seu auge. No alto, parece haver uma parede de tijolos nova, aumentando em um piso o hotel. Seria, talvez, um puxadinho. Eike passou o Glória nos cobres, e no final ninguém se interessou em ressuscitar o estabelecimento. Em seu projeto de hotel de altíssimo luxo, ele eliminara o teatro. Prometeu abrir uma sala noutro lugar. Nem hotel, nem teatro. Escombros.
Andando um pouquinho mais, já não se avista na Marina da Glória o iate rebatizado com o nome fantasia Pink Fleet (sua identidade legal é Spirit of Brazil VII). Era o imenso barco com que Eike pretendia faturar com passeios e eventos pela baía. Falam que está num estaleiro e vai virar sucata, se é que já não virou.
Quem volta para casa depois de correr, pega o metrô para o trabalho e desembarca na estação Cinelândia, por uma das saídas dá com o imponente edifício Francisco Serrador. Hotel de fama no passado, lá funcionava a boate Night and Day. Foi no Serrador que o vice-presidente Café Filho e o jornalista Carlos Lacerda se encontraram para tratativas secretas em agosto de 1954, às vésperas do suicídio do presidente Getulio Vargas. Repaginado como prédio de escritórios, foi alugado inteiro pelo conglomerado X. Eike Batista subia e descia por um elevador exclusivo, como informou o repórter Elio Gaspari. Na frente do Serrador, um tapume de madeira impede que se veja a entrada. O edifício está fechado desde que Eike desistiu do contrato de aluguel antes do prazo previsto.
Continuando na linha do metrô, dá-se com o Maracanã sem pai nem mãe. Em 2013, uma empresa X integrou o consórcio, controlado pela Odebrecht, que assumiu o estádio. Dois anos mais tarde se desligou da operação, vendendo sua participação para a empreiteira.
Em muitos cantos da cidade voltou-se a ouvir a barulheira de tiros onde por anos prevalecera o silêncio. O programa das unidades de polícia dita pacificadora fracassou sobretudo por pensar que se cura violência exclusivamente com segurança pública, e não com intervenção e redenção sociais. Eike Batista chegou a contribuir com R$ 20 milhões por ano para as UPPs, mas se retirou.
Ele desembolsou milhões para a candidatura olímpica de 2016, cedeu jatinho. Elefantes brancos se espalham sem uso menos de um ano depois dos Jogos. Isso, porém, não é culpa de Eike Batista.
Sua culpa é integrar uma quadrilha de corrupção, conforme provas suculentas recolhidas pela Polícia Federal e o Ministério Público Federal. Na qualidade de corruptor. O discurso de empreendedor se desmoralizou quando Eike associou-se _a confiar nas investigações_ à roubalheira. Porque corruptor também é ladrão. Paga ilegalmente servidor público em jogadas que assaltam o Estado, logo os cidadãos. Sem corruptor não há corrupto e vice-versa.
O empresário preso em Bangu conversou com o repórter Henrique Gomes Batista, que viajou ao seu lado no voo de Nova York para o Rio. O repórter escreveu: ''Eike deu pistas de como vê os crimes de que foi acusado. Mesmo sem citar nomes, disse que o esquema de corrupção dos governos é maior do que se imagina e que não era ele quem oferecia carona para governantes em seu avião – 'os políticos que o pressionavam a fazer isso'. Ele afirmou ainda que, em geral, os empresários são vítimas dos políticos corruptos. E disse, com todas as letras, que acredita que não errou''.
Em suma, pensa que o corrupto é ladrão, mas não o corruptor.
Tem muito a aprender, pelo visto.
Se as denúncias estão corretas, Eike Batista e Sérgio Cabral são ambos criminosos. Nenhum é vítima.