Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: O pedido esquecido

Mário Magalhães

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Fitinhas do Senhor do Bonfim, em Salvador – Foto Janduari Simões/Folhapress

 

Lá tem vatapá, lá tem caruru, lá tem munguzá, “então vá!”, cantou Dorival Caymmi em Você já foi à Bahia? Lá, aonde eu vou sempre que dá, tem também fitinhas do Senhor do Bonfim. Ganhei uma em Salvador em maio de 2013. De volta da viagem, dei-a para um moleque que amarrou a fita azul-escuro no pulso esquerdo. A cor reverencia Ogum, orixá guerreiro.

Não lembro se levou os três nós, como reza a tradição, para que três pedidos sejam atendidos. Mas sei que, para os desejos se realizarem, é preciso que a fitinha rompa ao natural, desgastada pelo tempo. E que seu dono não conte a ninguém a graça almejada. Incrível, o guri guardou segredo, ao menos do pai.

Para infelicidade dele, passou-se um ano e meio, e a fitinha não arrebentou, pois é fabricada em poliéster. E olha que o menino não é nenhum membro da fedorenta tribo dos toalhas secas. Além de tomar no mínimo um banho diário, faz natação em piscina saturada de cloro, atravessou o verão no mar e expõe a fita às intempéries que deveriam despedaçá-la.

Antigamente, a matéria-prima era algodão, e em poucos meses as fitas artesanais se desmilinguiam. Elas mediam 47 centímetros, a mesma extensão do braço direito da estátua de Cristo do altar-mor da Igreja de Nosso Senhor do Bonfim. Meses atrás anunciaram a retomada da confecção com o tecido de outrora. Tomara que seja para valer.

Com a fita indestrutível, imagine a frustração de quem confiou no amuleto e desejou o hexa, o regresso do Tobey Maguire ao papel de Homem-Aranha ou, por pura inveja do sujeito, que o George Clooney só arrumasse namorada baranga.

Sobreveio a bordoada de 7 a 1, o Andrew Garfield assumiu a pele do Peter Parker, e o conquistador de cabelos grisalhos se casou mais uma vez, novamente com uma noiva bonitona.

Não sei o que é pior: não alcançar a graça por falta de contrapartida ou se esquecer dos pedidos. Aqui em casa, a moda infantil das pulseirinhas de borracha chegou e partiu, e nada de a teimosa fitinha do Bonfim se entregar.

Outro dia, tanto tempo depois de o garoto incorporar a fita azul ao seu visual, perguntei-lhe se recordava o que pedira. Ele respondeu, desanimado: “Não sei… Acho que não… Não”.

(Publicado originalmente na revista Azul Magazine, novembro de 2014)

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