Blog do Mario Magalhaes

Confronto Trump x imprensa decorre de jornalismo crítico, raro no Brasil

Mário Magalhães

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Donald Trump, que amanhã tomará posse na Presidência dos EUA – Foto Mike Segar/ Reuters

 

Em seu furor ressentido e intolerante contra o jornalismo, Donald Trump ameaçou acabar com a sala de entrevistas na Casa Branca. Recuou. Mas disse que escolherá os jornalistas que poderão participar das entrevistas. A barração seria ainda mais grave do que a atitude obscura, numa coletiva recente, de não permitir que o repórter da CNN lhe dirigisse uma pergunta.

Se cumprida, a ameaça do presidente que toma posse amanhã será uma decisão antidemocrática. Ela vai além da antipatia de todos os governos e governantes pelo jornalismo de espírito crítico _pleonasmo, pois tal espírito é indissociável do jornalismo digno do nome. Trump impediria repórteres e meios dos quais não gosta de o indagarem sobre assuntos que o perturbam.

No Brasil, inexiste confronto ou mínima tensão entre Michel Temer e o jornalismo mais influente. É possível que isso decorra da alma em tese mais tolerante do peemedebista. Digo em tese porque não foi testada.

A principal distinção na relação do poder com a imprensa, lá e cá, é o jornalismo.

O jornalismo norte-americano tem acumulado vexames nos últimos tempos, nenhum deles maior que o endosso à mentira das armas de destruição em massa alegadamente mantidas por Saddam Hussein no Iraque. Mas preserva em parcela expressiva a concepção do jornalismo como serviço público. O jornalismo serve _ou deveria servir_ à sociedade,  não ao poder.

O jornalismo dos Estados Unidos incomoda Trump.

O do Brasil, muitas vezes dócil, não importuna Temer.

Um exemplo escancarado é como a imprensa precisou ser avisada pelo governo sobre a concentração de recursos em 2% das contas inativas do FGTS. O jornalismo tem se limitado a divulgar acriticamente a palavra e os atos do governo. Por que não foi fuçar, em apuração autônoma, os números do fundo?

Outro é a crise nos presídios. Temer chamou a primeira matança, em Manaus, de ''acidente''. Essa imoralidade foi descrita como gafe, coisa desastrada porém leve. Por tratar o episódio de Manaus como ''acidente'', o governo demorou a reagir.

O jornalismo brasileiro sabe ser crítico. Mas se habituou a ser seletivo.

Costuma evocar a sábia lição de Millôr Fernandes: ''jornalismo é oposição; o resto é armazém de secos e molhados''.

Esquece que a regra vale para todos os governos, não apenas os escolhidos como objeto de rigor crítico do jornalismo.

No jornalismo nacional, Temer aparece como grande tribuno (um Obama), sedutor de sucesso (um FHC) ou dono de lábia envolvente (um Lula).

Talvez só não o promovam como grande estadista, um Churchill, porque até o ridículo tem limite.

P.S.: é evidente que as observações acima não generalizam; também no Brasil há jornalismo e ''jornalismo'' (propaganda fantasiada de jornalismo).

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