Era nosso. Era…
Mário Magalhães
Mário Magalhães
Mário Magalhães
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Daqui a menos de um mês, no feriadão de 14 a 17 de novembro, Fortaleza sediará o primeiro Festival de Biografias, com quatro segmentos: literatura, cinema, música e artes visuais. Poucos dias mais tarde, 20 e 21, o Supremo Tribunal Federal promoverá audiência pública para tratar de biografias não autorizadas.
A proximidade dos eventos é uma tremenda coincidência. A audiência foi recém-convocada pela ministra Carmem Lúcia. O festival estava marcado antes de esquentar a controvérsia sobre censura prévia a biografias.
Transparência: convidado pela produtora cultural Quitanda das Artes, aceitei ser o curador do segmento literário, entendido como não ficção biográfica. A primeira edição do festival tem o mote “histórias de vida”.
Numa tenda na praia de Iracema, reduto boêmio da capital cearense, haverá projeção de filmes e debates com cineastas e autores de livros. Em um palco vizinho, shows ao ar livre. O Estoril, espaço cultural, receberá uma exposição interativa, com vídeos, fotos e textos, sobre vida e obra de artistas visuais retratados na literatura e no cinema. O ingresso é gratuito para toda a programação.
Entre as atrações cinematográficas, haverá mostra e debate sobre a obra do cinebiógrafo Silvio Tendler. O diretor estará presente à homenagem. O destaque em música será um show conjunto de Jorge Mautner e Jards Macalé. Os dois já mereceram documentários contando suas vidas.
Uma seleção de 11 biógrafos _e autores de perfis_ consagrados ou que preparam sua estreia no gênero debaterá a produção biográfica em livros. São eles, em ordem alfabética: Fernando Morais (autor de Olga, Chatô: O Rei do Brasil, Montenegro, O Mago); Guilherme Fiuza (Meu nome não é Johnny, Bussunda, Giane); Humberto Werneck (Chico Buarque: Tantas palavras – Todas as letras & reportagem biográfica de Humberto Werneck, O santo sujo: A vida de Jayme Ovalle); João Máximo (Gigantes do futebol brasileiro _com Marcos de Castro, Noel Rosa: Uma biografia _com Carlos Didier, João Saldanha: Sobre nuvens de fantasia); Josélia Aguiar (Jorge Amado: Uma biografia, a sair pela Editora Três Estrelas); Lira Neto (O poder e a peste: A vida de Rodolfo Teófilo, O inimigo do rei: Uma biografia de José de Alencar, Castello: A marcha para a ditadura, Maysa: Só numa multidão de amores, Padre Cícero: Poder, fé e guerra no sertão, Getúlio, tomos I e II); Lucas Figueiredo (biografia de Tiradentes, a sair pela Companhia das Letras, Morcegos negros: PC Farias, Collor, máfias e a história que o Brasil não conheceu, O operador: Como e a mando de quem Marcos Valério irrigou os cofres do PSDB e do PT); Luiz Fernando Vianna (Zeca Pagodinho, Aldir Blanc: Resposta ao tempo – Vida e letras, João Nogueira: Discobiografia); Paulo Cesar de Araújo (Roberto Carlos em detalhes); Regina Zappa (Hugo Carvana; Cancioneiro Chico Buarque, vols. 1, 2 e 3; Para seguir minha jornada: Chico Buarque; Gilberto bem perto _com Gilberto Gil); e Ruy Castro (O Anjo Pornográfico: A vida de Nelson Rodrigues; Estrela solitária: Um brasileiro chamado Garrincha; Ela é carioca: Uma enciclopédia de Ipanema; Carmem: Uma biografia)
Na edição inaugural, o festival reunirá biógrafos jornalistas, cuja influência no gênero é notável, sobretudo no Brasil. Na próxima, serão incorporados historiadores biógrafos, também responsáveis por obras fundamentais para conhecer o país.
Os autores que estarão em Fortaleza têm características distintas, mas todos são reconhecidos por duas virtudes: a eficiência para apurar e o talento para narrar.
Idealizei um evento com que eu, devorador de biografias, sempre sonhei: os grandes autores conversando sobre seu ofício. Embora a discussão sobre o marco legal da produção biográfica vá ter óbvia relevância, a reflexão sobre “como se faz” e “por que se faz” não se diluirá. Para que os leitores não se frustrem, em bate-papos com escritores em excesso, que acabam com pouco tempo para falar, escalamos no máximo dois debatedores, com um mediador.
Dois convidados, João Máximo e Paulo Cesar de Araújo, são autores de excelentes biografias hoje proibidas de circular: a de Noel Rosa, que João assina com Carlos Didier, e a de Roberto Carlos.
Uma pequena feira do livro será montada, com o máximo possível de títulos dos autores em catálogo, e não somente biografias. Depois dos bate-papos, estão previstas sessões de autógrafos.
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Eis a programação literária:
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14 de novembro de 2013, quinta-feira
15h
A próxima biografia é sempre a melhor
Com Fernando Morais
Mediação Paulo Cesar de Araújo
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15 de novembro, sexta-feira
15h
Ciência e arte da biografia
Com Ruy Castro
Mediação Mário Magalhães
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16 de novembro, sábado
10h
No compasso da história: vidas de artistas
Com Regina Zappa e Humberto Werneck
Mediação Lucas Figueiredo
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16 de novembro, sábado
15h
De Noel a Roberto: como biografar mitos
Com João Máximo e Paulo Cesar de Araújo
Mediação Luiz Fernando Vianna
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17 de novembro, domingo
15h
De Maysa a Bussunda, de Getúlio a Giane: como escolher um personagem
Com Guilherme Fiuza e Lira Neto
Mediação Josélia Aguiar
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Até Fortaleza!
Mário Magalhães
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Compartilho uma grande notícia: o livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, escrito por este blogueiro e editado pela Companhia das Letras, venceu o Prêmio Jabuti de 2013, como melhor biografia.
Tenho a honra de dividir a premiação com dois craques: a historiadora Mary Del Priore, em segundo lugar, com “A carne e o sangue”; e o colega Lira Neto, em terceiro, com “Getúlio: dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930)”.
O resultado completo do mais tradicional prêmio literário do país, promovido pela Câmara Brasileira do Livro, pode ser consultado clicando aqui.
As páginas do livro com agradecimentos são mais numerosas do que as de alguns capítulos. Depois do lançamento, minha gratidão estendeu-se a muitas outras pessoas, de cuja generosidade eu jamais esquecerei. Neste post, contei um pouco do que é se dedicar por nove anos ao sonho de contar a história de um brasileiro maldito, goste-se ou não dele: “Caixa-preta de um biógrafo falido (debate público, confissões privadas)”.
Curador do Jabuti desde 1991, José Luiz Goldfarb fez o seguinte comentário ontem, durante a apuração dos votos dos jurados (leia aqui): a categoria biografia do prêmio está “ameaçada de extinção”.
Tem razão: nossos grandes biógrafos, como Fernando Morais, Lira Neto e Ruy Castro, já avisaram que desistirão de escrever biografias caso a legislação atual seja mantida. O Código Civil permite que o biografado ou seus parentes proíbam uma biografia não autorizada que, a seus olhos, fira a “boa fama” do personagem.
A lei confere aos descendentes de Carlos Marighella, D. Pedro I e Getúlio Vargas, os protagonistas das biografias premiadas no Jabuti, o poder de vetar a circulação dos livros. Isso não ocorreu porque o espírito público, a compreensão de que aqueles gigantes da história são patrimônio nacional, impediu-os de impor biografias chapas-brancas e censura prévia.
Muito, muitíssimo obrigado ao pessoal do Prêmio Jabuti e a tanta gente que deu tanta força à biografia que eu escrevi.
Mário Magalhães
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“O Globo” publica hoje minha resposta ao artigo de Chico Buarque, veiculado ontem pelo jornal. A controvérsia, é claro, trata de biografias não autorizadas e censura. Discuto ideias. A íntegra está abaixo.
O texto do grande compositor, cantor e escritor pode ser lido aqui no blog.
A edição de hoje de “O Globo” traz também um extrato de artigo do editor Luiz Schwarcz, cuja íntegra está no blog da Companhia das Letras. E um texto (aqui) do jornalista Paulo Cesar de Araújo, autor da ótima biografia de Roberto Carlos que o biografado logrou proibir na Justiça.
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Meu caro Chico
MÁRIO MAGALHÃES
Especial para O GLOBO
Caríssimo Chico Buarque, eis o artigo do Código Civil que o grupo Procure Saber, ao qual você pertence, batalha para eternizar:
“Salvo se autorizadas […], a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”.
Quando você lançou a obra-prima “Apesar de você”, o ditador Médici presidia o Brasil. Era um tempo em que agentes públicos torturavam milhares de pessoas. Hoje, para biografar o general, só com autorização dos herdeiros. Dá para pensar no rame-rame laudatório que eles exigiriam?
A legislação em vigor permite que Fernando Collor barre uma biografia não autorizada, em nome de sua “boa fama”. Idem o juiz Lalau e o torturador Brilhante Ustra. É assim porque a lei vale para todos, artistas ou não. Pense bem: a prerrogativa de contar a história passou ao coronel Ustra.
No seu elegante artigo “Penso eu”, generoso com meu livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”, você menciona, sem título, uma biografia do Cabo Anselmo. Conheço três obras focadas no infiltrado que entregou a mulher grávida para repressores da ditadura a matarem (ela se chamava Soledad, e não Consuelo; todos tropeçamos, não somente os biógrafos).
As de 1984 e 99, com depoimentos mentirosos do covarde, assemelham-se a autobiografias. A de 81 é um breve perfil independente. A tragédia: publicado ainda durante a ditadura, este livro poderia ser proibido hoje, na democracia, amparado no Código Civil de 2002. A norma obscurantista transfere a Anselmo o poder de definir o conteúdo de uma biografia.
Concordo: é inaceitável a impunidade de biógrafo leviano ou criminoso que difunda informação “infamante ou mentirosa”. Mas a decisão tem de ser da Justiça, e não de censura prévia. Se o Judiciário é lento e a lei dócil com difamadores, aperfeiçoemos ambos. Somos contra a saída temporária no Natal porque, entre milhares de presos, meia dúzia foge? Crimes pontuais não devem abolir direitos coletivos. O conhecimento da história consagra-se como direito humano. Roberto Carlos é, sim, dono da vida dele. Mas não é dono da história.
Biografias são reportagens, que constituem gênero do jornalismo. Pagar royalties a personagens descaracteriza biografias não autorizadas _você propõe mesmo dar uns caraminguás aos netos do Médici? Se defende que as filhas do Garrincha recebam pelo trabalho árduo do biógrafo, já pensou em remunerá-las, por ter citado o Mané junto com Pelé, Didi, Pagão e Canhoteiro? “O futebol”, sua música, não tem também “fins comerciais”? A imprensa de “fins comerciais” publica perfis. E se o Sarney e o Bolsonaro resolverem cobrar? Devemos reeditar a censura de outrora ou persistir no bom combate a ela?
Chico, perdoe o tom. Você merece interlocutores do “tempo da delicadeza” evocado em “Todo o sentimento”. Aceite um abraço e o carinho deste fã irrevogável.
Mário Magalhães
Chico Buarque, gênio da raça, cuja opinião sobre biografias e censura difere da minha – Foto Rio News
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Chico Buarque publicou hoje em “O Globo” um artigo sobre biografias não autorizadas. Ele expõe opiniões, legítimas, das quais discordo. Agradeço a generosidade em relação ao meu livro “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras).
Para ler o texto do grande artista no site do jornal, basta clicar aqui. Reproduzo-o na íntegra, abaixo.
O post que eu escrevi e ao qual ele se refere, “Caixa-preta de um biógrafo falido”, pode ser lido aqui.
Antes que alguém pergunte: sim, já escrevi para “O Globo” um artigo sobre o assunto. Sairá em breve.
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Penso eu
Chico Buarque
Cantor, compositor e escritor
Pensei que o Roberto Carlos tivesse o direito de preservar sua vida pessoal. Parece que não. Também me disseram que sua biografia é a sincera homenagem de um fã. Lamento pelo autor, que diz ter empenhado 15 anos de sua vida em pesquisas e entrevistas com não sei quantas pessoas, inclusive eu. Só que ele nunca me entrevistou.
O texto de Mário Magalhães sobre o assunto das biografias me sensibilizou. Penso apenas que ele forçou a mão ao sugerir que a lei vigente protege torturadores, assassinos e bandidos em geral. Ele dá como exemplo o Cabo Anselmo, de quem no entanto já foi publicada uma biografia. A história de Consuelo, mulher e vítima do Cabo Anselmo, também está num livro escrito pelo próprio irmão. Por outro lado, graças à lei que a associação de editores quer modificar, Gloria Perez conseguiu recolher das livrarias rapidamente o livro do assassino de sua filha. Da excelente biografia de Carlos Marighella, por Mário Magalhães, ninguém pode dizer que é chapa-branca. Se fosse infamante ou mentirosa, ou mesmo se trouxesse na capa uma imagem degradante do Marighella, poderia ser igualmente embargada, como aliás acontece em qualquer lugar do mundo. Como Mário Magalhães, sou autor da Companhia das Letras e ainda me considero amigo do seu editor Luiz Schwarcz. Mas também estive perto do Garrincha, conheci algumas de suas filhas em Roma. Li que os herdeiros do Garrincha conseguiram uma alta indenização da Companhia das Letras. Não sei quanto foi, mas acho justo.
O biógrafo de Roberto Carlos escreveu anteriormente um livro chamado “Eu não sou cachorro não”. A fim de divulgar seu lançamento, um repórter do “Jornal do Brasil” me procurou para repercutir, como se diz, uma declaração a mim atribuída. Eu teria criticado Caetano e Gil, então no exílio, por denegrirem a imagem do país no exterior. Era impossível eu ter feito tal declaração. O repórter do “JB”, que era também prefaciador do livro, disse que a matéria fora colhida no jornal “Última Hora”, numa edição de 1971. Procurei saber, e a declaração tinha sido de fato publicada numa coluna chamada Escrache. As fontes do biógrafo e pesquisador eram a “Última Hora”, na época ligada aos porões da ditadura, e uma coluna cafajeste chamada Escrache. Que eu fizesse tal declaração, em pleno governo Médici, em entrevista exclusiva para tal coluna de tal jornal, talvez merecesse ser visto com alguma reserva pelo biógrafo e pesquisador. Talvez ele pudesse me consultar a respeito previamente e tirar suas conclusões. Mas só me procuraram quando o livro estava lançado. Se eu processasse o autor e mandasse recolher o livro, diriam que minha honra tem um preço e que virei censor.
Nos anos 70 a TV Globo me proibiu. Foi além da Censura, proibiu por conta própria imagens minhas e qualquer menção ao meu nome. Amanhã a TV Globo pode querer me homenagear. Buscará nos arquivos as minhas imagens mais bonitas. Escolherá as melhores cantoras para cantar minhas músicas. Vai precisar da minha autorização. Se eu não der, serei eu o censor.
Mário Magalhães
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Um policial militar lotado na Unidade de Polícia Pacificadora da Rocinha contou à Delegacia de Polícia Judiciária Militar e ao Ministério Público do Rio de Janeiro ter ouvido o pedreiro Amarildo sendo torturado até a morte na noite de 14 de julho.
O depoimento do PM, cuja identidade é mantida em sigilo, confirma o núcleo da investigação desenvolvida pela Divisão de Homicídios da Polícia Civil e pelo MP.
Há três novidades relevantes: pela primeira vez, alguém narra em pormenores o que teria acontecido com Amarildo depois de ele ter sido detido por PMs; a testemunha integra a própria corporação; com a identificação de novos envolvidos, os promotores devem acusar 15 policiais, e não apenas os dez que já foram indiciados e estão presos.
Como informam as repórteres Adriana Cruz e Maria Inez Magalhães (leia aqui), a testemunha disse ter ficado trancada em um contêiner na sede da UPP da favela, por ordem do subcomandante da unidade.
De lá, depôs o PM, ele teria ouvido Amarildo sendo torturado, com choques elétricos e asfixia com saco plástico. Até que gritaram “deu merda”, pois o pedreiro teria desmaiado. Seus gritos e gemidos de dor foram ouvidos do contêiner, descreveu a testemunha.
Mário Magalhães
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Logo mais, quando a noite se esparramar sobre a Rocinha, o desaparecimento de Amarildo de Souza completará três meses. De acordo com as investigações, é aniversário também do assassinato por tortura do trabalhador da construção civil. Até esta manhã, seu corpo não havia sido encontrado, para que a família possa lhe oferecer o enterro digno que deseja.
No dia 14 de julho, Amarildo foi levado por policiais militares para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora da favela, na zona sul carioca. Nunca mais apareceu.
A Polícia Civil indiciou dez PMs, por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver. Inclusive o major Edson Santos, oficial do Bope que comandava então a UPP da Rocinha. A Justiça decretou a prisão preventiva dos suspeitos.
Trocando em miúdos, o Estado, por meio da Divisão de Homicídios, afirma que agentes públicos mataram e sumiram com Amarildo. Portanto, cabe ao Estado descobrir onde está o corpo do qual seus funcionários deram cabo.
Não é a única responsabilidade. A família de Amarildo deverá ser indenizada. Dinheiro não trará de volta o pai e marido, mas proporcionará melhores chances na vida à sua mulher e seus filhos.
Espero que eventuais condenados venham a ser obrigados pela Justiça a bancar a indenização, e não o conjunto dos contribuintes.
No sábado, um filho de Amarildo deu queixa contra um PM por abuso de autoridade (leia aqui).
No domingo, a repórter Carolina Heringer noticiou a existência de uma testemunha segundo quem a PM transformou em centro de tortura uma antiga casa do traficante Nem (aqui). Sim, na Rocinha.
Tudo indica que mataram o Amarildo. Para quem ficou, a barra continua pesada.
Mário Magalhães
Árvore de Natal montada com exemplares da biografia ''Marighella'', em 2012; infelizmente, o Papai Noel não é tão generoso com os biógrafos como supõe Djavan – Foto Leonardo Pinto
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Em 2003, quando abandonei minha confortável vida de jornalista de redação, alguns amigos supuseram que eu ficara maluco. Trocar a segurança do ótimo salário e o prestígio de repórter de grande jornal pela aventura de me tornar biógrafo não passaria disso mesmo: uma aventura. Ao saberem que o meu personagem seria um brasileiro maldito, castigado pelas conspirações do silêncio e do preconceito, tiveram certeza: eu surtara.
Dez anos depois, desconfio de que os amigos estavam certos. Porém, numa contradição aparente, não me arrependo do rumo tomado: dediquei nove anos de trabalho insano a preparar uma biografia não autorizada do revolucionário Carlos Marighella (1911-69). Por cinco anos e nove meses, cuidei exclusivamente do livro, sem outra fonte de renda digna de nota.
Até agora, considerava que os perrengues enfrentados, decorrentes da minha decisão, constituíam assunto da esfera privada. Diante do debate público sobre restrições à publicação de biografias, penso que se torna legítimo contar um pouco do meu sufoco. “Editores e biógrafos ganham fortunas”, afirmou Djavan (leia aqui). Será?
O que eu fiz nos nove anos mergulhado no livro: entrevistei 256 pessoas, algumas por dezenas de horas, em várias sessões, viajando para cá e para lá; consultei dezenas de milhares de páginas de documentos, boa parte secreta na origem _os papéis e as fotografias são oriundos de 32 arquivos públicos e privados de Brasil, Paraguai, Estados Unidos, República Tcheca e Rússia; devorei uma bibliografia de 500 títulos; organizei 2.580 notas sobre fontes, agrupadas ao fim do volume; escrevi e reescrevi obsessivamente, em busca da minha utopia literária: uma narrativa de tirar o fôlego, assim como havia sido de tirar o fôlego a vida do protagonista.
Com exceção de uma pequena, mas valiosa e reconhecida ajuda da Companhia das Letras, banquei tudo do próprio bolso: passagens aéreas, hospedagens, pesquisadores auxiliares em Salvador, São Paulo, Campinas e Moscou, profissionais qualificados na transcrição de quase mil horas de gravação, serviços de conversão de microfilmes em imagem digital e muito, muito mais. Sem eliminar as despesas de uma família de classe média carioca, com três filhos em idade escolar, da universidade privada à pré-escola idem (o caçula nasceu durante a elaboração da biografia).
Graças a muita gente a quem serei grato até o meu derradeiro suspiro, o livro foi bem-sucedido. A crítica recebeu-o generosamente, tanto a acadêmica quanto a jornalística. A Associação Paulista de Críticos de Arte premiou-o como a melhor biografia de 2012. O ator Wagner Moura e a O2, produtora do cineasta Fernando Meirelles, arremataram os direitos de adaptação para o cinema. Sob a direção de Wagner, o filme deve chegar às telas em 2016.
Nada superou a boa vontade e o carinho dos leitores. Nas livrarias desde outubro de 2012, “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” alcançou quatro reimpressões. Ao todo, já saíram 30 mil exemplares, no país em que a tiragem padrão oscila de 2.000 a 3.000 cópias.
Com todos esses triunfos, a conta é esta, na ponta do lápis e no teclado da calculadora: somando os direitos autorais a que tive direito pelos livros vendidos e a remuneração que receberei pela cessão da biografia para o cinema, o valor representa nanicos 15% do total dos salários de que eu abri mão ao me despedir do jornal. Não me enganei: quinze por cento. Voluntariamente, perdi ou deixei de ganhar 85 em cada 100 reais.
O cálculo é conservador, pois não inclui antigos benefícios, como participação nos lucros da empresa e automóvel zero quilômetro subsidiado.
Para que eu embolsasse o equivalente a um terço (e não 100%) dos salários que teria acumulado em 69 meses, “Marighella” precisaria vender cinco vezes mais do que já vendeu. A meta é irreal, como tem consciência qualquer editor júnior.
O balanço está incompleto. Para trabalhar só no livro, exterminei o respeitável pé-de-meia engordado desde 1986, quando dei os primeiros passos no jornalismo. Lancei-me à biografia em 2003. Quando meu dinheiro acabou, no segundo semestre de 2006, regressei ao jornal, do qual saí de vez em janeiro de 2010: sem dedicação exclusiva, não conseguiria concluir “Marighella”, pelo menos não o “Marighella” que eu escrevi.
Nesses nove anos, o padrão de vida aqui em casa decaiu. Como o pessoal tem os corações imensos, desses que comovem até almas brutas, ninguém se queixou. O vermelho tingiu meus extratos de conta corrente. Tivemos que fazer um empréstimo bancário. Um, não: três. Só pude ficar por conta do livro até o fim do ano passado porque a minha mulher, jornalista assalariada, segurou as pontas.
Chororô? Qual nada! Jamais fui tão feliz no jornalismo como nessa década investigando e narrando as estripulias do mulato baiano. Mas nunca mais vou topar uma empreitada semelhante, porque já impus sacrifícios demasiados a quem me ama e é retribuído intensamente.
Pessoal da censura
O modesto resultado financeiro do livro, a despeito do êxito de público e de crítica, não me surpreendeu, confesso. Eu já sabia que seria assim. Por que, então, fiz o que fiz? Por dois motivos, acredite quem quiser.
Primeiro, padeço de uma irrecuperável perversão de caráter: o amor patológico pelo jornalismo e, sobretudo, a paixão pelo gênero jornalístico da reportagem. Às vésperas dos meus 40 anos, completados em 2004, eu aspirava a encarar uma reportagem épica, sem as amarras de tempo (para apurar e escrever) e espaço (para publicar) inerentes a um diário impresso.
Segundo, mas não menos importante, e perdoem a ambição desmedida, típica de repórteres por vocação: eu sonhava legar uma história que, daqui a cem anos, contribuísse para que os brasileiros conhecessem o que foi o nosso embriagante século XX. A trajetória de Marighella tinha encantos jornalísticos suplementares: como certa historiografia oficial tentou eliminar seus rastros, e ele mesmo, por questão de sobrevivência, apagava as pegadas, desvendar mistérios insolúveis configurava desafio sedutor demais.
Todo esse esforço teria sido em vão se o espírito público não pautasse os herdeiros de Carlos Marighella, em particular seu filho, Carlos Augusto Marighella, e a viúva, Clara Charf. Jamais lhes pedi autorização para o livro. Não lhes submeti os originais, nem eles pediram para ler. Acolheram-me com fidalguia e entusiasmo, confiaram no meu trabalho. No entanto, se quisessem, poderiam ter impedido a circulação da biografia: a legislação antidemocrática, primitiva e obscurantista em vigor lhes oferece esse direito.
De acordo com o Código Civil, o direito de os cidadãos conhecerem a história é prerrogativa dos biografados e seus descendentes. O Estado não o assegura, para regozijo de políticos corruptos que almejam eternizar o segredo sobre seus atos. O acesso à memória e à verdade são direitos humanos hoje sonegados por normas totalitárias.
Exagero? Se alguém se propuser a escrevinhar uma biografia independente sobre o Cabo Anselmo, o verme que entregou a mulher grávida para os verdugos da ditadura pós-1964 a trucidarem, terá de pedir autorização ao delator.
Sabe o Amarildo, o trabalhador da construção civil que sumiu na Rocinha na noite de 14 de julho? O comandante da Unidade de Polícia Pacificadora na favela era o major Edson Santos, mais tarde indiciado por tortura seguida de morte e ocultação de cadáver. Quem quiser produzir uma biografia desse oficial da Polícia Militar só a verá nas estantes das livrarias se o major consentir. São elogiáveis as iniciativas para amparar materialmente a família do Amarildo, mas abomináveis os lobbies em favor de uma legislação que asfixia (como o saco plástico do Bope) e eletrocuta (como policiais procediam com moradores da Rocinha) biografias de torturadores e matadores.
Que tipo de biografia resulta desse sistema? Rame-rames laudatórios.
A ordem jurídica aceita hoje censura prévia. Quem gosta de censura é ditadura. Todo o malabarismo retórico que busca bloquear o conhecimento público sobre fatos e pessoas de dimensão pública sucumbe diante da seguinte constatação: se aparecer um neto desconhecido de Adolf Hitler no Brasil, teremos de solicitar protocolarmente autorização sua para publicar uma biografia em que o líder nazista seja descrito como genocida.
Só em nosso país, entre as grandes democracias, Hitler seria consagrado como herói, pois só haveria biografias chapas-brancas.
E Paulo César Farias? Uma biografia trombetearia sua postura de empreendedor decente, como exigiria a família, ou apresentaria o inventário de suas falcatruas pelos labirintos da corrupção? Na biografia do PC, o biógrafo teria de cascatear sobre sua morte, inventando que Suzana Marcolino matou-o, como sustentam os irmãos Farias? É assim que o pessoal da censura preconiza que se conte a história do Brasil?
Dudu Braga, filho de Roberto Carlos, indagou no Twitter (aqui): “Na discussão das biografias não autorizadas colocam artistas e esportistas no mesmo saco que ditadores e criminosos?”.
Como assim, “colocam”? Quem defende as restrições existentes é o grupo Procure Saber, no qual reluz Roberto Carlos. A lei não vale para todos? Ou Dudu Braga propõe normas específicas para os artistas, distintas das que governam os demais cidadãos? Na escravidão era assim.
O estatuto atual, com o respaldo do Procure Saber, protege, sim, ditadores e criminosos. Quem procurar saber da barbárie comandada por tiranos terá de recorrer a publicações estrangeiras, porque suas biografias terão sido abortadas no Brasil, com amparo legal.
Biografia nunca mais?
Escrever uma biografia, mesmo de sucesso, é péssimo negócio, ficou demonstrado. Djavan pontificou: “Editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”. Qual sofrimento, o de Anselmo ou o de Soledad, a brava guerrilheira que o “cabo” entregou aos carrascos?
Sobre “fortunas”, Djavan incorreu em inverdade, espero que por ignorância, e não desonestidade. Mais: para reparar o “ônus do sofrimento e da indignação” existe a Justiça, à qual pode e deve recorrer quem se julga vítima de crimes como calúnia e violação de privacidade. Como neoarautos da censura prévia, o músico e seus parceiros se associam ao autoritarismo característico de regimes fascistas e stalinistas, e não da democracia.
Na ditadura, batalhávamos todos contra a censura prévia. Continuo na mesma barricada, contra as Donas Solanges, públicas ou privadas. Talvez um dia, vai que por uma biografia não autorizada, venhamos a descobrir por que muitos trocaram de lado mais rápido que a mudança da maré.
Estranho a obsessão do novo pessoal da censura com a poupança dos biógrafos que eles passaram a demonizar. Qual o problema em ganhar dinheiro com trabalho suado e escrupuloso, como eles ganham? A propósito, no meu projeto Marighella não recebi verbas públicas, assumidas ou disfarçadas sob os rótulos de renúncia fiscal, tipo Lei Rouanet. Nem um centavo. E nos seus projetos, Djavan?
O desprezo pelo trabalho alheio é ainda mais escrachado na “sugestão” da empresária Paula Lavigne, voz mais estridente do lobby pró-censura prévia (aqui): “Se alguém quiser escrever uma biografia e publicá-la na internet sem cobrar, tudo bem. O problema é lucrar com isso”.
Tal trabalho escravo, inconstitucional desde o século XIX, fulminaria biografias não autorizadas. Reiterando: biografia escrita por repórter constitui reportagem, que é um gênero do jornalismo. Reportagens de fôlego, como biografias, exigem três condições: a) domínio técnico; b) disposição editorial; c) condições materiais. Se não houver remuneração, proveniente da venda de livros, não há como se dedicar a uma história de vida. A não ser que o autor seja milionário… ou louco.
O Procure Saber também advoga que os biografados _artistas ou não, enquanto a lei valer para todos, sem distinguir castas_ recebam obrigatoriamente percentuais da receita dos livros. O compositor Pedro Luís apoia: “Todo mundo que é ingrediente do sucesso deve ser remunerado. Quem faz a revisão, a capa, não é remunerado? E o assunto do produto, não?”. O Cabo Anselmo agradece pelos caraminguás. Não se esqueçam do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra. O famigerado torturador não haverá de rejeitar uma biografia camarada.
As propostas exalam menosprezo, quase asco, pelo trabalho que não é seu. Os compositores reivindicam receber dos biógrafos por eventuais livros de que sejam personagens principais, mas não nutrem o hábito de pagar aos personagens que inspiram suas composições. Não têm mesmo que os remunerar, porque as pessoas não dividiram o trabalho de criação. O criador é remunerado, não o objeto que o inspira. Abstenho-me de enumerar uma relação infinda de músicas célebres inspiradas em pessoas de carne e osso.
Registro: nada contraponho a sociedades acordadas livremente entre biógrafos e biografados. Biografias autorizadas, às vezes muito boas, são legítimas como as não autorizadas. A violência institucional é abolir as biografias independentes, nas quais Paulo Maluf não figura como político devotado à decência, e Fernando Collor de Mello não encarna um estadista injustiçado. Haveria jornalismo crítico em uma biografia na qual a família de Benito Mussolini se tornasse sócia do biógrafo?
A legislação em vigor fere o direito de informar e ser informado, viola a liberdade de expressão, institui o monopólio da verdade, atrasa o Brasil. Não se resume a uma contenda entre biógrafos e censores, mas interessa à nação. É tão daninha que numerosos historiadores e jornalistas descartaram biografias promissoras, nocauteados pela intimidação de biografados e herdeiros que só admitem retratos bajuladores.
Para quem amargou tantos sacrifícios, soa ofensiva a acusação, desfraldada ou sutil, de que só se faz biografia para enricar. Mas isso é o de menos. Desgraça, como imaginou o compositor Alceu Valença, será montar no futuro uma nova comissão da verdade para revelar o que poderiam ter contado biografias banidas.
Da minha parte, caríssimo Djavan, seguirei em frente com minha sina de biógrafo de uma biografia só e meu valente Citroën C3, ano 2007.
Desisto de biografias, enquanto perdurarem os ameaçadores garrotes da censura. Maluquice como a que eu cometi, somente uma vez na vida, e olhe lá.
“Marighella” foi minha primeira e, se nada mudar, última biografia.
Mário Magalhães
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Jon Lee Anderson, biógrafo de Ernesto Che Guevara, deu entrevista ao colega André Miranda. Na conversa, os dois trataram de restrições e censura a biografias não autorizadas. Anderson é consagrado repórter norte-americano. Prepara uma nova biografia, de Fidel Castro.
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Biógrafo de Che Guevara diz que Brasil se aproxima de Rússia, China e Irã quando restringe biografias
Por André Miranda
Uma resposta à cultura da celebridade ou um luta com motivação política? Repórter de uma das principais revistas do mundo, a “New Yorker”, o americano Jon Lee Anderson vê com preocupação a mobilização em defesa de restrições para que se publiquem biografias no Brasil, lembrando que não são apenas os artistas beneficiados, mas também políticos. Anderson é biógrafo de Che Guevara (“Che, uma biografia”, de 1997, lançado pela editora Objetiva) e vem ao Rio em novembro para ministrar uma oficina de reportagem promovida pela Fundação Gabriel García Márquez para o Novo Jornalismo Ibero-Americano, em parceria com as revistas “piauí” e “Serrote” e o Instituto Moreira Salles. Em entrevista ao GLOBO, por e-mail, Anderson diz que, pela lei atual, o Brasil se aproxima de Rússia, China e Irã quanto à liberdade de expressão.
Está em debate hoje, no Brasil, o direito de se lançar biografias: de um lado, há os que defendem a liberdade de expressão; do outro, os que dizem que privacidade não pode ser comercializada. Como o senhor enxerga essa discussão?
Este debate me lembra um que aconteceu na França, alguns anos atrás, e que terminou com restrições severas às possibilidades de fotógrafos retratarem pessoas. Por exemplo, se você publicasse a imagem de uma pessoa numa manifestação de rua, tecnicamente ela poderia ir à Justiça porque você não lhe pediu permissão. O debate das biografias é similar. Num tempo em que a internet parece acabar com as fronteiras e em que a cultura do tabloide de celebridades conduziu a uma mídia fortemente invasiva, esses debates são reflexo de uma luta para se controlar as representações do indivíduo. Neste sentido, é compreensível que o debate seja travado, mas não estou certo se essas são as razões no Brasil. Trata-se de uma resposta a um fenômeno cultural ou há motivações políticas por trás?
( Para ler a entrevista na íntegra, basta clicar aqui.)
Mário Magalhães
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O “Segundo Caderno” prestou hoje um serviço ao contar como funciona a edição de biografias não autorizadas nos Estados Unidos, Reino Unido, Espanha e França. A reportagem pode ser lida aqui e abaixo.
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Contexto: quatro países sem restrição prévia a biografias
Em países como Estados Unidos, França, Reino Unido e Espanha, não há restrição prévia à publicação de biografias não autorizadas. Os americanos são muito objetivos nesse sentido — e chegam a se gabar disso. Repetem que a liberdade de expressão está garantida pela Primeira Emenda à Constituição e que, por isso, não pode ser violada. Caso o biografado se sinta a atingido pela obra em circulação, pode recorrer à Justiça.
A legislação francesa também tira do escritor ou do editor a necessidade de ter uma autorização prévia de seu biografado ou de seus herdeiros para publicar um livro. Na França, os autores e editores devem, no entanto, respeitar as exigências da lei no que tange à difamação ou à violação da vida privada. Para dirimir possíveis questionamentos surgidos nesse sentido, o caminho é recorrer à Justiça — sempre após a edição da obra. Neste ano, vale lembrar, por exemplo, que o ex-diretor geral do Fundo Monetário Internacional (FMI) Dominique Strauss-Kahn solicitou por meio de uma ação judicial a interdição do livro em que Marcela Iacub evocou, em forma de romance, a polêmica relação que eles tiveram. A Justiça francesa, no entanto, não interditou o livro. Determinou apenas que em cada exemplar fosse inserido um pequeno encarte dizendo que a obra atentava contra a vida privada do ex-chefão do FMI e condenou a editora do livro a pagar € 50 mil a Strauss-Kahn por danos e prejuízos.
No Reino Unido, também não há restrição à publicação de biografias não autorizadas, desde que fique bem clara sua condição, informa o advogado especializado em direitos autorais Bernard Nyman. Portanto, é dever do autor e da editora deixarem em destaque a informação de que aquela obra não é a versão oficial autorizada pelo objeto do livro. Isso já bastaria.
Na Espanha, o direito de expressar e difundir opiniões, ideias e pensamentos está protegido pelo artigo 20 da Constituição, que também não admite censura prévia. Mas isso não significa que não haja limites. As biografias não autorizadas são permitidas por lá e, de fato, existem, mas o autor, ao mesmo tempo que está livre para publicar seu livro, deve estar preparado para arcar com as consequências caso o biografado considere que ele passou dos limites. A questão é que este mesmo artigo constitucional deixa claro qual é a fronteira a ser respeitada: a da honra, a da intimidade e a do direito à própria imagem. Na Espanha, a decisão de retirar biografias já publicadas das estantes das livrarias só compete, no entanto, a um juiz.
* Com reportagem de André Miranda, Fernando Eichenberg, Priscila Guilayn e Vivian Oswald