Demonizar eleitor, como andam fazendo no Rio, maltrata a democracia
Mário Magalhães
Por que um eleitor de Marcelo Crivella é pior ou melhor que um de Marcelo Freixo?
Dissemina-se em certos círculos tidos como bem-pensantes a demonização dos cidadãos que no domingo escolheram o senador do PRB para ser o próximo prefeito do Rio.
Começam com o menosprezo de quem sufragou Crivella. Esses cariocas teriam votado no bispo da Igreja Universal do Reino de Deus porque seriam ignorantes. Têm menos escolaridade. São evangélicos, fiéis de igrejas que se desenvolvem mais em bairros humildes. Noutras palavras, não pronunciadas: porque são pobres. (Logo, diferentes dos núcleos mais ricos que preferiram Crivella para barrar quem identificam como perigoso esquerdista, o deputado do PSOL; essa turma caixa-alta tem pouco voto, em comparação com as multidões de menor renda.)
Do menosprezo, passam a demonizar. Trombeteiam que os tais desclassificados que levaram Crivella a colher 59,36% dos votos válidos serão culpados por tudo de ruim que vier a acontecer com a cidade. São vilões antes mesmo da posse do novo governo. Algo como condenar a maioria absoluta que consagrou o prefeito Eduardo Paes no primeiro turno de 2012 pelo desabamento da ciclovia na avenida Niemeyer.
No fundo, embora o pudor impeça que as ideias se manifestem escancaradas, classificam os eleitores em duas espécies: a ilustrada e a imbecil. Só teria optado pelo bispo-senador quem é estúpido.
Esse tipo de raciocínio faz mal à democracia. Vigorou em alguns ambientes no tempo em que Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff triunfaram quatro vezes em eleições presidenciais. Até Fernando Henrique Cardoso, o presidente sociólogo, flertou com tal interpretação, sobre os ''menos informados''.
Talvez seja difícil reconhecer, mas quem mais sofre com a desigualdade obscena do país sabe onde o calo dói. Se escolheram Crivella, é porque o têm como o candidato mais capacitado a defender os interesses de quem mais precisa.
Se estão certos, é outra coisa, e creio ser insuspeito para falar. Como já escrito, considero que a distância entre os pensamentos de Freixo e de Crivella é de séculos. O que não equivale a desclassificar eleitor.
Outro modo de tratar os eleitores do senador como parvos é culpar Freixo pela derrota. Essa análise parte do pressuposto de que necessariamente o deputado teria de ter vencido. Se não ganhou, seria por responsabilidade só dele. Os eleitores, suas convicções, percepções e sabedoria, inexistem para quem reduz a discutíveis derrapadas de Freixo a vitória de Crivella.
Na democracia, governante, seja quem for, se elege no voto.
Como Crivella, e não como Michel Temer.
Crivella será o prefeito legítimo do Rio.
Temer é presidente ilegítimo.