Sabáticas: Um nome a caminho da extinção
Mário Magalhães
Se eu sobrevivesse mais duas ou três gerações, suponho que, bem velhinho, iria cruzar com muito pouca gente a quem pudesse tratar por xará. Já reparava que rareavam bebês batizados com meu nome, e sete anos atrás, no balcão do cartório, soube que a impressão não era um despropósito.
Machado de Assis escreveu, nas “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria”. Pois eu transmiti, povoei o mundo de almas encantadoras e poupei o meu caçula, único guri, do nome chamariz de bullying. Ao contrário de mim e do meu avô, ele não é Mário.
Porém, lá no cartório de Copacabana, onde registrava o Daniel, indaguei à funcionária se ainda apareciam pais de meninos Mários. Torcia por um aceno esperançoso, temeroso da solidão das espécies que se extinguem. Ela me olhou com pesar e murmurou que havia anos não lavrava certidões de nascimento com tal nome.
Contei o episódio ao amigo Fernando Molica, que garimpou estatísticas devastadoras: no segundo semestre de 2013, só um Mário nasceu nas maternidades da Prefeitura do Rio; numa maternidade privada de prestígio na cidade, nada mais que um solitário Mariozinho veio ao mundo no ano passado. Em 2012 havia sido pior: nenhum. “Mário, que Mário? Aquele que não está no berçário”, gracejou o Molica.
No princípio, a galhofa prosperou com respostas criativas à pegadinha maliciosa sobre “que Mário”. Depois, o nome se desgraçou como alvo de todo tipo de zombarias. Um irmão me presenteou (isso é presente?) com um livro-provocação contendo somente piadas sobre os pobres dos Mários. Quem há de botar um nome desse no filho?
Existem 72.737 Mários responsáveis por telefones fixos no país. Em 2010, nossa confraria reunia no total 269.379 assim chamados, informa o IBGE. A década em que mais chegamos, 56.747 bacuris, com a minha contribuição, foi a de 1960. Na de 2000, fomos apenas 12.744. No mesmo intervalo, o nome Gabriel, pulou de 6.559 para 584.024 _em boa parte por causa da canção do Beto Guedes [consulte aqui a trajetória do seu nome].
Não haverá renovação da legião de Mários no Brasil, mas lá fora vislumbramos vida longa. Outro dia, pelo Campeonato Alemão, o Bayern de Munique atropelou o Eintracht Frankfurt com um chocolate de 5 a 0. O primeiro gol resultou de passe de Mario Mandzukic para Mario Götze, que matou a bola no peito e fuzilou.
Mandzukic é croata, e Götze, alemão. Nos idiomas de um e de outro, ninguém pergunta “que Mário?” com segundas intenções. Tomara que nenhum brasileiro dê ideia.
(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, março de 2014)