Noticiar ato contra Temer como pró-Dilma é erro factual e engano histórico
Mário Magalhães
Livre pensar é só pensar, como dizia o Millôr Fernandes: a cobertura jornalística dos atos públicos de ontem contra Michel Temer teria sido mais ampla se os manifestantes tivessem ido às ruas reivindicar a cassação do direito de Dilma Rousseff exercer função pública? Haveria mais flashes durante a programação televisiva? E cobertura on line mais intensa? Nos dias anteriores seria mais difundida a informação de que haveria protestos? A truculência desproporcional e despropositada da Polícia Militar de São Paulo seria tratada com menos condescendência, ou mesmo criticada como tentativa de sufocar a expressão democrática de ideias? Será que a PM agiria assim em marcha anti-Dilma? São perguntas.
Um fato: ao se referir aos manifestantes como pró-Dilma certo jornalismo comete erro factual e engano histórico. Porque a multidão é anti-Temer, o que não quer dizer necessariamente pró-Dilma. Entre os anti-Temer há os que votaram na presidente deposta, apoiam-na e simpatizam com ela. E tem quem não votou nem votaria em Dilma, nem aprovou sua administração. O ''fora, Temer'' é denominador comum.
Nas jornadas contra o impeachment, antes do patíbulo no Senado, o que unia os participantes era a rejeição à derrubada da presidente constitucional, e não o aplauso ao governo. Mesmo assim o mais comum, sobretudo na televisão, era a referência a ''manifestantes pró-Dilma''. Errado, é evidente.
As marchas ''fora, Dilma'', contudo, nunca foram tratadas como ''pró-Temer''. Correto, pois entre os que se batiam pela queda de Dilma havia quem não fosse a favor de Temer.
Muita gente, tanto nas antigas mobilizações ''fora, Dilma'' e ''não ao impeachment'', como agora nas ''fora, Temer'', defende eleições imediatas para a Presidência.
O jornalismo desinforma ao tratar os atos ''fora, Temer'' + ''diretas já'' como ''pró-Dilma''.
Alguém que não quer a volta de Dilma, mas deseja se livrar já de Temer e votar logo para o Planalto poderia se sentir estimulado a comparecer a protestos como o do domingo. Se acreditar que eles são ''pró-Dilma'', deixará de ir.
Isso tudo não significa que muitos entre os manifestantes contra Temer não sejam partidários de Dilma. São. Mas exigir respeito ao voto popular de 2014 ou diretas já não exige endosso às ações do governo golpeado.