Blog do Mario Magalhaes

Sabáticas: Pastelão em Porto Alegre

Mário Magalhães

Os Três Patetas (mas éramos dois) – Reprodução internet

 

Se fosse para contar numa comédia, nossa chegada ao hotel talvez se prestasse a uma sequência escatológica de filme do Monty Python. Assim que eu e o meu filho caçula fizemos o check-in, meu irmão pançudo, que nos dera carona de mais de 250 quilômetros pelos caminhos dos pampas, perguntou ao recepcionista pelo banheiro.

O moleque e eu aguardamos o tio dele para a despedida, mas o vivente não voltava. Pelo visto, as linguiças e carnes da estrada não haviam lhe caído bem. O pessoal da recepção galhofava baixinho: o bagual deve ter se perdido… Meia hora mais tarde, o gordo regressou leve e triunfante, e eu não quis saber de detalhes sórdidos.

No apartamento, o guri e eu incorporamos não os Python, e sim dois patetas. Logo que puxei a cortina, desconfiei que o tradicional hotel não envelhecera saudável: metade do trilho caiu do teto.

Recomendei um cochilo ao meu jovem companheiro de viagem e me debrucei na mesa para despachar no laptop. Até que ouvi o estrondo às costas.

Uma pintura a óleo com moldura da largura de duas camas de solteiro despencara rente à cabeça do filho, e quem quase morreu foi o pai, de susto. O piá de seis anos havia se distraído empurrando-a para cima, com os pés, e os quatro pregos magrinhos que a suportavam cederam.

Para recolocar o quadro, improvisei um sapato como martelo, mas o solado de borracha era macio demais. Peguei então o tubo da espuma de barbear para martelar os pregos na parede. No segundo golpe, o tubo furou, e a espuma esguichou furibunda, cobrindo camas, roupas, paredes e espelhos. Corri para o banheiro, que embranqueceu com a neve a jato.

Enquanto eu iniciava a limpeza que me tomaria hora e meia, o caçula se sentou numa cadeira de rodinhas, e o trilho vergou mais _a cortina se enroscara na cadeira que deslizava para lá e para cá.

Quase tudo tinindo, fiz a barba com uma nuvem de espuma resgatada no teto do banheiro. Meu amigão, exausto, adormeceu na cerimônia noturna de entrega de um prêmio jornalístico, e tivemos de partir. Carregando-o no colo, atrapalhei-me e rasguei meu honroso diploma.

Trauma infantil? Qual o quê! Quando cruzo com um conhecido, o Daniel escancara o sorriso e dá corda, com seu sotaque carioca: “Já contou a nossa história no hotel de Porto Alegre?”

(MM, publicado originalmente na revista Azul Magazine, abril de 2014)

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