Blog do Mario Magalhaes

Os guarda-chuvas de Quito

Mário Magalhães

blog - quito jornais

No centro histórico de Quito, no Equador, domingo de manhã – Foto do blog

 

Na véspera do embarque para Quito, um colega da fundação criada por Gabriel García Márquez para estimular, ensinar, pensar e experimentar o jornalismo alertou: “Es época de posibles lluvias, por lo que recomendamos llevar paraguas”. Horas mais tarde, um editor viajado e generoso repetiu a advertência: “Leve guarda-chuva. Chove todo dia”. Não tive dúvidas: levei.

Para não passar por mentiroso, não direi que não o usei. Abri-o por uns minutinhos, intimidado por chuviscos mais tímidos que o Luis Fernando Verissimo. O suficiente para descobrir que estava escangalhado.

Descobri outras coisas na capital do Equador, país onde só estivera uma vez, para cobrir a Copa América de 1993. Não em Quito, mas na altitude de Cuenca, onde a seleção deu para o gasto, e em Guayaquil, pertinho do Pacífico, onde os argentinos nos despacharam nos pênaltis.

Descobri que o abacate está para a culinária equatoriana como a banana para a comida cubana. Que o ceviche local, com peixes e frutos do mar quase sempre cozidos, é mais recatado que o peruano. Que ninguém trata a Liga Deportiva Universitaria por LDU, e sim como Liga, “la Liga”. Que com o aquecimento global escasseia a neve que no inverno embranquece as colinas em torno da cidade, o que um dia causará falta d’água. Que seria um desperdício viver sem ter conhecido o centro histórico de Quito, patrimônio cultural da humanidade. Sobretudo a igreja da Companhia de Jesus, cujo ouro brilha mais que iluminação high-tech de ginásios da NBA.

Descobri que torcer solitariamente pelo Brasil em meio à multidão de equatorianos é menos perigoso que pitacar em certas redes antissociais. Nestas, volta e meia sobrevêm bordoadas de torcedores incomodados. Na Plaza Foch, onde no sábado à noite assisti ao jogo da Copa América, não cheguei a ser carregado nos ombros, mas nem o gol que o apitador roubou do Equador abateu a cordialidade do pessoal com o forasteiro vestindo camisa do Flamengo.

Centenas de pessoas lotaram os bares da praça, e outras centenas ficaram do lado de fora, como folião pipoca, de olho nas telas gigantes das TVs. A solidão suprema é não ter com quem resmungar quando o Galvão Bueno nativo decreta que o Casemiro mereceu o amarelo imerecido. Sem vocação para suicida, calei ao ouvir despropósitos. Só não resisti quando um vizinho comentou que o Willian, ferido por uma patada, fazia teatro. No replay, provoquei: “Mira el teatro”.

No intervalo, passaram o anúncio da novela Mujeres ambiciosas, mostrando a Adriana Esteves de arma na mão, acho que apontando para a Glória Pires. No vexame do Alisson, aprendi que chamam frango de “cantada”. E me tomaram como magistrado quando reconheci que o gol anulado foi legal.

Descobri também que, a despeito dos sete a um da vida, ainda há lugares onde a reverência pelo futebol brasileiro permanece imensa. No domingo de manhã, nenhum dos 122.051 exemplares do diário El Comercio trouxe uma única palavra protestando contra a garfada. Foi o tom geral, de celebração pelo zero a zero frente aos velhos campeões.

Depois de folhear o jornal, saí para caminhar. Quito se coloria de guarda-chuvas pelas ruas interditadas para carros e tomadas por pedestres e ciclistas. Os “paraguas” não protegiam contra chuva, mas do sol cegante, mágico e equatorial.

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