Blog do Mario Magalhaes

Crônicas do Natal: quem disse que o Papai Noel não se esquece de ninguém?

Mário Magalhães

Marcos Vinícius dos Santos, de 11 anos, foi morto em tiroteio na Cidade de Deus, no Rio

Marcos Vinícius dos Santos, 11 – Reprodução Band

 

Às vésperas da Páscoa deste ano, um menino chamado Jesus, 10, filho de Maria e José, foi assassinado com uma bala de fuzil de PM no complexo do Alemão. Na antevéspera do Natal, na Cidade de Deus _imagina se não fosse_ chegou a hora do menino Santos, Marcos Vinícius dos Santos, um ano mais velho que Eduardo de Jesus Ferreira. Marcos Vinícius ajudava o pai numa barraca de frutas quando foi atingido no peito por bala disparada por três assassinos que abriram fogo. Sonhava vestir-se de bate-bola no Carnaval. ''Mataram um anjo'', chorou seu pai. Baleado no mesmo ataque, Breno de Souza Gomes, cobrador de van, perdeu a vida aos 15 anos. Está em estado grave outra vítima dos matadores, mais uma criança, Joaquim Cândido da Silva Bisneto, 9. Para entender o que aconteceu, talvez valha a pena assistir a ''Tropa de Elite 2'' e, no caso de quem não sabe, aprender o que é milícia.

No finzinho da madrugada de 25 de dezembro, horas depois das boas-vindas ao Papai Noel, o dono de bar José Auri Carlos, cinquentão, foi morto a bala na Rocinha. Moradores contaram que policiais da dita Unidade de Polícia Pacificadora atiraram, bronqueados com o barulho de uma festa de Natal. Os PMs alegam que foram recebidos com pedras e garrafas, antes de chamarem o Bope e serem alvo de tiros de traficantes. José Auri Carlos não teve tempo de dar sua versão.

Também na noite de Natal, oito PMs, da UPP Coroa, Fallet e Fogueteiro, pararam em Santa Teresa quatro rapazes, de 13 a 23 anos. Sem capacete, eles se dividiam em duas motos. O quarteto contou que os policiais estavam contrariados por dar plantão na noite de Natal. Os PMs atiraram numa mulher que passava em outra motocicleta. Feriram seu rosto, mas ela escapou da morte. Os quatro garotos denunciaram os PMs por tortura: socos, pontapés, cortes e queimaduras em braços, pernas e pescoço. Por deixá-los nus e queimar o saco escrotal de um com isqueiro. Por obrigar a fazer sexo oral. Disseram ter sido roubados pelos policiais. Dinheiro, bonés, chinelos, relógio, cordão. Os jovens vinham de uma festa numa comunidade humilde do Catete. Inquérito corre na 6ª DP. Os oito PMs foram presos ''administrativamente''. Adivinha onde estão, nesta segunda-feira. Nas ruas, livres, leves e soltos. À espera do próximo Natal?

A semana do Natal foi cruel com milhares de cariocas e vizinhos que dependem da saúde pública. Dezenas de Unidades de Pronto Atendimento e hospitais entraram em pane sem médicos, funcionários, leitos, material. O Estado, que desperdiçou centenas de milhões de reais no obsceno Maracanã, abandonou à própria sorte quem não tem dinheiro para manter plano privado. Emergências fecharam. Ou trabalharam com atendimento limitado. Às vezes, não bastava risco de morte para ser atendido. Tinha que ser risco ''iminente'' de morte. Uma gestante pariu diante do Hospital da Mãe. Um homem chegou infartado a um hospital e morreu. Não foi atendido, testemunharam. Já chegou morto, retrucaram servidores. Teve hospital com a porta fechada com tapumes. Quem chegava à UPA era empurrado para o hospital, que empurrava para a UPA. Vem aí um novo secretário estadual de Saúde. Seu primeiro anúncio? Vai cortar o dinheiro da Saúde. Não pagam os fornecedores da Saúde, mas bancam obras que podem tudo, menos salvar vidas. Não há como não lembrar os médicos famosos trombeteando, na propaganda eleitoral, as virtudes do governador Luiz Fernando Pezão. Em junho de 2013, só os gritos de ''Ei, Cabral, vai tomar…'' unificaram as multidões de manifestantes aqui no Rio. No ano seguinte, o candidato de Sérgio Cabral, Pezão, foi eleito governador. Como dito e repetido, quem mais paga pela crise são os mais pobres. A recessão agravada por Dilma afeta o Estado governado por seu aliado Pezão, que deixou a corda arrebentar justamente nos mais desprotegidos. Pouca vergonha e muita covardia.

Sei que o Papai Noel tem muito o que fazer e que não é mole compensar um governo como o de Pezão e as mazelas do Rio de Janeiro.

Mas, desculpe lá, é balela que o Papai Noel não se esquece de ninguém.

Que o diga o menino da Cidade de Deus.

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