Blog do Mario Magalhaes

No finzinho de 2015, a história dá as caras e convida a olhar no retrovisor

Mário Magalhães

Foto: Calle de los Caídos de la División Azul, una de las vías que desaparecerá de Madrid (EC)

Rua que celebra espanhóis que lutaram com nazismo mudará de nome – Reprodução ''El Confidencial''

 

Depois que o III Reich invadiu a França, em 1940, foi montado um governo local fantoche que se tornou conhecido pelo nome da cidade onde se instalou, Vichy. Era um regime de colaboração com os nazistas, página infeliz da nossa história. Muita gente, de figurões a figurinhas, estendeu tapetes às tropas de ocupação. Houve quem combatesse de armas e bombas na mão os alemães e seus cupinchas franceses. Houve quem preferiu, intimidado pela assimetria de forças, tirar o time de campo e ficar na sua. E, tristes tempos, não faltou quem se tornasse colaboracionista da turma promotora de perseguições, maldades e extermínio _numa palavra, da barbárie.

Parte dessa história estava interditada aos cavucadores do passado. Arquivos secretos, documentos negados, segredos de outrora que ainda incomodam almas luminosas e sombrias na nação dos direitos humanos. Estava. O governo da França acaba de liberar aos cidadãos o acesso à pesquisa de uma rica papelada do regime de Vichy. A Segunda Guerra terminou em 1945. Setenta anos mais tarde, a história dá as caras para incomodar quem prefere esconder as sujeiras de anteontem. Para um futuro mais decente, não se deve ocultá-las, e sim descobri-las e contá-las. Um bravo brasileiro, Apolônio de Carvalho, desafiou os nazistas no território francês ocupado. O guerrilheiro urbano usava o nome de guerra ''Alfred'', andava com uma pistola Beretta calibre 7.65 e comandava 2.000 partisans estrangeiros. Será que o acervo agora desclassificado dá notícia de brasileiro batendo bola com os nazistas e jogando contra o Apolônio?

Outra boa nova da Europa chega de Madri. A administração da cidade mudará o nome de 30 lugares com nomes que celebram Francisco Franco (1892-1975) e a ditadura que ele encabeçou na Espanha por quase quatro décadas. A plaza del Caudillo reverencia hoje o ''generalíssimo'', ''caudilho'' _e liberticida. A calle de los Caídos de la División Azul também será rebatizada. Pudera: a rua homenageia espanhóis que se integraram às forças nazistas que atacaram a União Soviética. A tabelinha Franco-Hitler resultou em atrocidades como o bombardeio de aviões alemães à localidade basca de Guernica, covardia eternizada em óleo sobre tela por Pablo Picasso.

Essa anomalia _o tributo a quem perpetrou gravíssimas violações dos direitos humanos_ permanece no Brasil. Colecionamos centenas de escolas com nomes de ditadores (Médici e Costa e Silva, para ficar em dois exemplos). Na Espanha, a grita das viúvas da ditadura franquista está sendo grande contra a deliberação democrática de não festejar autores de crimes contra a humanidade. Aqui, também. Como dizia um certo governador nos anos 1960, o colégio principia a ensinar com as mensagens embutidas no nome de cada um deles.

A decisão dos madrilenhos acontece depois de 40 anos do fim da ditadura espanhola e, como dito, 70 da guerra na qual a Divisão Azul sitiou a então Leningrado. No Brasil, a ditadura terminou há três décadas, mas torturadores, assassinos e responsáveis por desaparecimentos continuam impunes. Há quem não desista de buscar justiça. Dias atrás, o Ministério Público Federal denunciou o coronel reformado Audir Santos Maciel. Este oficial comandava o Destacamento de Operações de Informações do II Exército quando Vladimir Herzog foi morto na tortura, em 1975. O DOI inventou que o jornalista havia se suicidado. Maciel é acusado pelos procuradores de homicídio e ocultação de cadáver do dirigente comunista José Montenegro de Lima. O oposicionista ''foi assassinado em 29 de setembro de 1975 com uma injeção usada em sacrifícios de cavalos e teve seu corpo atirado no rio Novo, em Avaré (SP)''. Sua família jamais recebeu o corpo, para lhe oferecer uma despedida civilizada e digna.

Os ecos do passado também foram ouvidos na Ásia. O governo do Japão pediu desculpas às milhares de sul-coreanas escravizadas sexualmente pelo Exército Imperial na Segunda Guerra. O problema é que, como protestam as poucas sobreviventes, a desculpa é meia-boca. O governo japonês pronuncia eufemismos e não fala explicitamente em escravidão e sexo. Quer dizer, segue não reconhecendo as crueldades e os crimes cometidos.

Às vezes, a história bate na porta com esperança, como outro dia na Argentina. Uma das pioneiras da associação Avós da Praça de Maio chegou a comemorar a descoberta da neta roubada pela ditadura (1976-1983) que matara a mãe e o pai do bebê, entregue a uma família desconhecida. Desgraçadamente, para María Isabel Chorobik de Mariani, 91 anos, e as pessoas de boa vontade, fora alarme falso. A batalha persiste, como disseram jogadores da seleção argentina, Messi entre eles, num vídeo de campanha.

Mesmo quando dói, o espelho retrovisor pode ser lição e esperança.

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