O jornalismo no Facebook será censurado?
Mário Magalhães
Desde ontem grandes companhias de jornalismo e comunicação estão veiculando suas produções diretamente no Facebook.
Entre as que já deram a largada e estão na iminência de dar destacam-se BBC, NBC, ''The New York Times'', ''The Guardian'', ''Der Spiegel'', BuzzFeed.
Há pouco material, e a iniciativa ainda é uma experiência.
Até agora, os grupos de mídia divulgavam com chamadas curtas seu conteúdo na rede social. Ao se deparar com elas, o internauta era obrigado a clicar no link, para acessar o site original da publicação. Assim funciona também no Brasil.
No novo estatuto, a informação integral estará no Facebook, dispensando outro acesso.
Do ponto de vista do negócio, a novidade oferece vantagens e desvantagens para os produtores de notícias.
A vantagem mais evidente é o potencial incremento da audiência do conteúdo.
A desvantagem mais insinuante é a diminuição do tráfego no site produtor.
Jornalismo é uma operação cara. Com menos público, portanto menos publicidade e, em certos casos, assinantes, é possível ou provável que a receita caia.
Com menos dinheiro, fica mais difícil enviar repórteres para contar acontecimentos distantes. Ou cobrir, com profissionais mais qualificados, da segurança pública à falta d'água. Contratar os designers mais talentosos.
Não tenho informações suficientes para saber se há mais chances de ganhar ou perder.
Quem lucra, certamente, é o Facebook, vitaminando sua audiência e compartilhando parcela do faturamento publicitário.
O que parece obscuro é a condição do contrato em teste: o acordo impõe aos parceiros as regras jornalísticas e comportamentais do Facebook?
Se isso ocorre ou vier a ocorrer, é ou será daninho para o jornalismo e a democracia.
Como se sabe, a rede do empresário Mark Zuckerberg impõe limites à livre manifestação e, em consequência, ao jornalismo.
Outro dia, censurou uma foto de índia com seios à mostra postada pelo Ministério da Cultura. Ameaçado de processo, o Facebook recuou.
Até reprodução de quadro artístico já foi vetada pelo Facebook, em nome dos bons costumes, embora sem usar tais palavras e muitas vezes sem justificar o confisco informativo.
A pluralidade dos meios de comunicação faz bem à cidadania.
Se todo mundo, de portais a emissoras de TV, de blogs a jornais e revistas, tiver que obedecer a um manual de redação do Facebook, haverá enorme perda democrática.
A diversidade de ideias e conceitos será sufocada pela voracidade do pensamento que se pretende único.
O Brasil conhece a tragédia da concentração excessiva da comunicação, mal inexistente ou menos grave nas grandes democracias, dos Estados Unidos à Europa.
Observe-se a imagem lá no alto.
É de uma sequência do filme ''Dona Flor e seus dois maridos''. Obra-prima dos anos 1970, mostra Sônia Braga, a Dona Flor, e José Wilker, o marido-amante Vadinho, mandando ver.
Trata-se de arte. Copiei-a do site do festival de cinema de Cannes, o de maior prestígio do planeta.
Este blog mantém uma página no Facebook. Lá são veiculadas chamadas com título e link, acompanhados de fotografia.
O critério jornalístico é prerrogativa do blogueiro. Considero Flor e Vadinho namorando uma sequência esteticamente mais interessante e de maior valor histórico do que a protagonista dando aulas de culinária.
Hoje, o Facebook pode apagar a foto.
Incrivelmente, violando a legislação brasileira que garante a livre difusão de arte, pensamento e ideias. E não autoriza a censura.
O ''New York Times'' aceitará se submeter ao Facebook? Se um editor considerar, por motivos estritamente jornalísticos, que uma reportagem sobre o filme ''O império dos sentidos'' deva mostrar um personagem despido, não poderá efetivar essa decisão?
No Brasil, a imprensa documentou _foto do grande Marcelo Carnaval_ uma moça sem calcinha na Sapucaí, ao lado do presidente da República. Certo ou errado, cada publicação obedeceu aos seus valores.
As práticas jornalísticas mudarão obrigatoriamente, devido à joint-venture com o Facebook?
Por enquanto, há mais perguntas do que respostas.