Do jeito que a coisa vai, FHC será demonizado como perigoso esquerdista
Mário Magalhães
Já andavam murmurando contra o senhor de cabelos brancos, que daqui a menos de dois meses completará 84 anos.
Pois não é que ele deu, depois de velho, a incentivar a gurizada a tomar copos e copos de maconha?
Assim é interpretada por certas mentes a cantilena pela descriminalização do consumo de determinadas drogas ilícitas.
A turma mais medieval sempre manteve um, dois ou quatro pés atrás em relação ao sociólogo que na década de 1950 frequentava reuniões do Partido Comunista com a presença de gente como, valha-me, Deus, um tal Carlos Marighella.
Pois não é que o hoje octogenário esteve no Comício da Central, em 1964?, voltam a lembrar.
E militou contra a ditadura, ao lado, por um tempo, de um sapo barbudo revelado pelas greves do ABC.
Se Fernando Henrique Cardoso não mudou o Brasil, mudou a si próprio: quando presidente, fulminou o monopólio estatal do petróleo, abençoou golpe de Estado na vizinhança, concedeu vastos poderes ao antigo PFL, renovou a obscena desigualdade social, beneficiou-se da compra de votos no Congresso, patrocinou privatizações marotas.
Enfim, endireitou-se.
Não que tenha virado um cidadão de direita, mas a meia-volta em sua trajetória fez com que o pensamento conservador nacional lhe devotasse sincera reverência.
Inexiste um só motivo para supor que o FHC parceiro de sangue e fé do PFL rebatizado como DEM tenha mudado novamente.
O que mudou, e ensombreceu, foi o ambiente político.
Por isso, para olhos cobertos por lentes escuras, o ex-presidente talvez nunca tenha parecido tão pouco confiável.
Daqui a pouco, não faltará quem o demonize como um esquerdista perigoso.
Tudo porque, a despeito do flerte com o impeachment da presidente constitucional _''neste momento'', não_, FHC se nega a chancelar ao menos por enquanto o golpismo expresso na forma do afastamento da governante eleita em outubro.
Ao contrário de Aécio Neves, ele diz o óbvio: falta motivo legal.
Mas o óbvio, em clima de intolerância e conturbação, pode se assemelhar a radicalismo.
Para ficar num único exemplo dos dardos de direita contra Fernando Henrique, recorro ao jornalista Ilimar Franco, que ontem publicou esta nota na coluna ''Panorama político'':
''Também está contra FH, e a favor da destituição de Dilma, a maioria do DEM. Quanto a FH, o líder do DEM, Mendonça Filho, atribui sua posição 'à idade' e resume: 'um estadista não pode ser um militante'''.
Ou seja, um deputado influente aponta a idade do ex-presidente como argumento para atacá-lo, por se negar a aderir à armação do impeachment.
Entre outras coisas, não entendeu que idade pode ser vantagem, e não handicap.
Está só começando.