Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : março 2015

Assim derrubaram Jango: leia capítulo da biografia ‘Marighella’ sobre golpe
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Mário Magalhães

Editado pela Companhia das Letras, o livro está na quinta reimpressão

 

Há 51 anos, o Brasil mergulhava nas trevas. O golpe de Estado de 1º de abril de 1964 depôs o presidente João Goulart e inaugurou a ditadura que sobreviveria por 21 anos.

Narrei as horas quentes da derrubada de Jango no capítulo “Os aviões ficaram no chão”, da biografia “Marighella: O guerrilheiro que incendiou o mundo”.

A narrativa começa no fim da tarde de 30 de março e vai até a derrota.

Por ocasião do cinquentenário do golpe, a Companhia das Letras liberou o capítulo na internet.

Ei-lo, grátis:

* * *

Os aviões ficaram no chão

Eram no mínimo dez os sargentos, na maioria do Exército, a quem Marighella fez a derradeira recomendação no entardecer de 30 de março de 1964: ali mesmo, na residência onde a janela da sala contemplava o Morro Azul, que ninguém deixasse de vestir a farda para a manifestação noturna. Quanto mais uniformes militares colorissem os salões do Automóvel Club do Brasil, mais escancarado seria o respaldo às decisões recentes do governo. Não era a primeira vez que ele se encontrava com praças das Forças Armadas no apartamento de fundos na Marquês de Abrantes, rua do bairro do Flamengo celebrizada como corredor de pensões no século XIX. Os inquilinos eram seus correligionários João Batista Xavier Pereira e a mulher, Zilda Paula. Marighella também se reunia com sargentos no subúrbio. Chefe da seção armada do PCB, Salomão Malina observara que em 1961 o camarada “começou a depositar […] uma esperança […] exagerada em certos movimentos da área militar”. Conversou com ele, que não lhe deu ouvidos.

Na batalha pela posse de Jango, a guarnição do contratorpedeiro Ajuricaba aprisionara os oficiais. Marighella confiava em tal combatividade não apenas para referendar a agenda de Goulart, mas para ultrapassá-la. Em 1962, Prestes anotara: “Marighella — Em vez de colocar como questão central as reformas de estrutura, colocar o problema de luta por um novo poder”. Se dois anos mais tarde o PCB aparentava se diluir na frente reformista do presidente, Marighella preservara a ruptura revolucionária no horizonte.

Enquanto ele se despedia dos sargentos, Goulart titubeava em comparecer ao ato pelos quarenta anos da Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia Militar. O deputado Tancredo Neves desestimulou-o, pois o desgaste com a oficialidade já fora demasiado com a anistia aos marinheiros. No Gabinete Militar o capitão Eduardo Chuahy, receoso de nova afronta à hierarquia, labutou pelo forfait. O presidente deu de ombros aos rumores de provocações, desceu na rua do Passeio e adentrou o prédio em cujo interior rodaram a chanchada O homem do Sputnik. Não teria por que rir da noite do último discurso em seu país.

A exaltação dos mais de mil militares e policiais era tamanha que eles achincalharam com vaias um sargento que enumerou reivindicações, mas descartou opinar sobre política para não ferir os regulamentos corporativos. Os apelos de Jango — “respeitem a hierarquia legal”, sejam “cada vez mais disciplinados” — contrastaram com o abraço espalhafatoso entre o almirante Aragão e o Cabo Anselmo. No entanto, seu raciocínio fazia sentido:

“Na crise de 1961, os mesmos fariseus que hoje exibem o falso zelo pela Constituição queriam rasgá-la e enterrá-la sob a campa fria da ditadura fascista.”

Como em uma carta-testamento que jamais escreveria, Goulart evocou o religioso católico dom Hélder Câmara e seu sermão:

“Os ricos da América Latina falam muito de reformas de base, mas chamam de comunistas aqueles que se decidem a levá-las à prática.”

A estrela da festa no Automóvel Club cuspiu fogo e bafejou mistérios. Ao colunista Paulo Francis, do vespertino Última Hora, Jango se afigurou “pálido, assustado, semicoerente”. Um acompanhante de Goulart, a caminho da solenidade, confidenciou ao jornalista Janio de Freitas que o presidente aceitara por duas vezes “bolinhas” — estimulantes — do patrão de Francis, Samuel Wainer. Nem no texto preparado por assessores, nem nos improvisos apimentados o orador atordoado mobilizou, para barrar eventual golpe de Estado, os milhões de cidadãos que o escutavam no rádio.

Antes de Jango concluir seu discurso, o general Olímpio Mourão Filho recolheu-se aos seus aposentos em Juiz de Fora, na zona da mata mineira. O comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria engatilhara o plano: entre as quatro e as cinco horas da manhã da terça-feira, 31, suas tropas marchariam com destino ao Rio de Janeiro para depor o presidente. O putsch deveria eclodir dias depois, mas o general à testa da Infantaria Divisionária em Belo Horizonte, Carlos Luís Guedes, preferiu antecipá-lo para prevenir dissabores astrais: ao lançar a sorte no terreno de operações, o oficial costumava fugir da Lua minguante, temida por ele como a Lua cheia pelos lobisomens.

* * *

“Os generais Guedes e Mourão Filho são dois velhinhos gagás, não são de nada!”, fanfarreou o general Assis Brasil diante de Jango, na atmosfera farsesca do palácio Laranjeiras. Pelo meio-dia, com os soldados sob as ordens dos golpistas a caminho do Rio, Goulart insistiu que havia “muito boato”.

Embora não fosse o alvo da ofensiva, o general Castello Branco talvez tenha se espantado mais que o presidente. A conspiração dominante gravitava na órbita do chefe do Estado-Maior do Exército. Em seus cenários para a derrubada de Jango, o pior seria jogar-se ao assalto do poder, concedendo ao antagonista a bandeira da legalidade. “Fomos surpreendidos pela ação de Mourão”, reconheceu o general Ernesto Geisel, então encostado em cargo irrelevante. “Castello achou que o movimento era prematuro, que o Mourão tinha agido afoitamente.”

O cearense Castello era general-de-exército (quatro estrelas), acima do general-de-divisão Mourão (três) e do general-de-brigada Guedes (duas). Nada que constrangesse os mineiros: a dupla havia maquinado uma empreitada autônoma, em consórcio com o governador Magalhães Pinto e empresários. Nem Mourão, aos 63 anos, nem Guedes, aos 58, prestavam-se ao papel de anciãos senis do vitupério do guia do “dispositivo militar” janguista. O camisa-verde Mourão Filho criara, em 1937, o diabólico Plano Cohen, falsidade atribuída aos comunistas que serviu de pretexto para a ascensão do Estado Novo. Agora não era um protagonista nas trevas: golpeava à luz do sol — e da Lua cheia que iluminou a virada para abril. Guedes já comparava sua ofensiva sem sustos “às blitzen da Alemanha contra a Polônia, com a diferença de que, até o momento, não foi disparado um só tiro”.

O chumbo viria, profetizou a estação da CIA no Brasil em um cabograma de 30 de março. A agência tratou, como os golpistas, a quartelada iminente como “revolução”: “A revolução não será resolvida rapidamente e será sangrenta. Os combates no Norte podem continuar por um longo período”. No dia 27, o embaixador Lincoln Gordon remetera às autoridades de segurança nacional americanas um telex top secret encomendando “o mais rápido possível” armas para os aliados de Castello Branco em São Paulo. Justificou a pressa: “Existe o perigo real de irrupção da guerra civil a qualquer momento”. Com o bloco dos generais na estrada, os Estados Unidos se moveram rápido. Não faltava tarimba a quem apeara um governo no Irã, em 1953, outro na Guatemala, no ano seguinte, e se engalfinhava com guerrilheiros no Vietnã.

Como considerava o Brasil território em disputa no duelo da Guerra Fria, a Casa Branca desencadeou as ações inventariadas no dia 31 pelo secretário de Estado, Dean Rusk, ao embaixador Gordon. Logo após o meio-dia, horário de Brasília, Rusk telegrafou pormenorizando o suporte inicial aos pelotões anti-Goulart: quatro contratorpedeiros, dois contratorpedeiros de escolta, um porta-aviões e quatro petroleiros. Uma reunião com Gordon dez dias antes, em Washington, previra também um contingente de fuzileiros. Para efeitos diplomáticos, a força-tarefa naval desenvolveria manobras inofensivas em águas adjacentes ao litoral brasileiro. Precisariam de 24 a 36 horas para dez aviões cargueiros, protegidos por seis caças, decolarem com 110 toneladas de munição. A operação foi batizada como Brother Sam.

A causa do Tio Sam era a mesma de espaçosa coalização nacional, da extrema direita belicosa a confrarias liberais de tradição. Além do colega mineiro, os governadores da Guanabara, Carlos Lacerda, e de São Paulo, Adhemar de Barros, mancomunaram-se com o levante. A Igreja reproduziu no interior paulista a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, e nova multidão era aguardada quinta-feira, no Rio. Se dependesse do tenente Reynaldo de Biasi Silva Rocha, não seria mais uma jornada de protesto, e sim a celebração da queda de Jango. Às sete horas da terça-feira, 31 de março, ele ministrou uma instrução de combate à baioneta em Juiz de Fora.

“Quem quer passar fogo nos comunistas levante o fuzil!”, exclamou. A tropa ergueu as armas e partiu para o Rio de Janeiro.

Para ler a íntegra, basta clicar sobre um dos links abaixo:

Site da Companhia das Letras;

Cultura;

Saraiva;

Iba;

Amazon;

Kobo;

iTunes.


51 anos após o golpe, impunidade e desigualdade são heranças da ditadura
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Mário Magalhães

Isto é ditadura: Vladimir Herzog, assassinado na tortura em 1975

 

O Brasil de 2015 é profundamente marcado por duas heranças nefastas: a da escravidão que vigorou por quase quatro séculos e a da ditadura que se estendeu de 1964 a 1985.

As obscenidades do último regime escravagista a ser abolido na Terra determinam ou influenciam a desigualdade em suas diversas expressões, inclusive a violência, que castiga sobretudo pobres e negros, e a impunidade, que protege ricos e brancos. Há mais democracia e cidadania para uns do que para outros.

A maior desgraça do país, origem e resultado de muitos males, é a desigualdade.

Ela não foi inventada pela ditadura instaurada com a deposição do presidente constitucional João Goulart. Mas os governos que mandaram por 21 anos a reciclaram, mesmo no período de vigoroso crescimento da riqueza _o bolo fermentou, em especial no princípio da década de 1970, mas as mesmas panças se apropriaram dele.

A violação dos direitos humanos foi outra característica distintiva da ditadura, legítima herdeira dos senhores de escravos e do pau-de-arara que castigavam quem se rebelava contra a tirania.

Os agentes que prenderam à margem da lei, torturaram, assassinaram cidadãos sob custódia do Estado e desapareceram para sempre com corpos de oposicionistas jamais foram julgados e punidos (ao contrário do que ocorreu com militantes que combateram a ditadura).

Assim como é continuado o crime de desaparecimento forçado _os cadáveres seguem sumidos_, a impunidade se perpetuou, portando uma mensagem: podem barbarizar de novo, que nada ocorrerá com quem sufoca a liberdade, estupra, tortura, mata e comete outras atrocidades.

Revisitar as heranças da ditadura não é um exercício acadêmico, mas condição para entender muitas tragédias do Brasil de hoje.

Quanto mais a desigualdade e a impunidade prosperam, mais ecoam os tempos da ditadura.

Quanto mais diminuem, mais distante fica o passado sombrio.

Quem conspira pela desigualdade e pela impunidade reverencia a ditadura.

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‘Fora’, ‘impeachment’ e ‘revolução’: em 1964, a imprensa disse sim ao golpe
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Mário Magalhães

Na semana dos 51 anos do golpe de Estado, o blog compartilha novamente, como no cinquentenário da deposição de Jango, uma coleção de 19 primeiras páginas de jornais e capas de revistas publicadas nas horas quentes do princípio de abril de 1964.

Mais do que informação, constituíam propaganda, notadamente a favor da derrubada do presidente constitucional João Goulart.

Até onde alcança o conhecimento do blogueiro, as imagens configuram a mais extensa amostra (ficarei feliz se não for) do comportamento do jornalismo brasileiro meio século atrás.

Trata-se de documento histórico, seja qual for a opinião sobre os acontecimentos.

Esse esforço de arqueologia jornalística encontra palavras como “fora”, “impeachment” e, para designar um ato antidemocrático, “democracia”, como se vê abaixo.

Desde já o blog agradece novas capas que eventualmente sejam enviadas (por meio do Twitter). Caso venham, serão acrescentadas a esta exposição.

Dos 19 periódicos aqui reunidos, oriundos de cinco Estados, 17 são jornais diários, alguns dos quais já não circulam, e dois são revistas hoje extintas.

Apenas três se pronunciaram em defesa da Constituição: “Última Hora”, “A Noite” e “Diário Carioca”. Nos idos de 1964, os dois últimos não tinham muitos leitores.

Os outros 16, em diferentes tons, desfraldaram a bandeira golpista.

As fontes da garimpagem foram: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional; Google News Newspaper Archive; sites e versões impressas de jornais; não menos importantes, blogs e sites, aos quais sou imensamente grato.

É muito provável que, quanto mais capas se somarem, maior seja a proporção das publicações que saudaram o movimento que pariu a ditadura de 21 anos.

Para não ser original e repetir uma expressão consagrada: em 1964, a imprensa disse sim ao golpe.

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* * *

A Noite (Rio), 1º de abril de 1964: “Povo e governo superam a sublevação”.

Contrário ao golpe, jornal aposta no triunfo de Jango.

press - a noite - 1 de abril de 1964

 

Correio da Manhã (Rio), 1º de abril de 1964: “(?) Estados já em rebelião contra JG”.

Editorial clama pela deposição de João Goulart: “Fora!”.

000 - correio

 

Diário Carioca, 1º de abril de 1964: “Guarnições do I Exército marcham para sufocar rebelião em Minas Gerais”.

O jornal defendeu a Constituição.

000 - diario carioca 5

 

Diário da Noite (São Paulo), 2 de abril de 1964: “Ranieri Mazzilli é o presidente”.

O jornal dos Diários Associados trata a nova ordem como “legalidade”

000 - diario da noite 5

 

Diário da Região (São José do Rio Preto, SP), 2 de abril de 1964: “Exército domina a situação e conclama o povo brasileiro a manter-se em calma”.

Depois do golpe com armas, o apelo por calma.

Golpe_Militar08_Diario_Regiao

 

Diário de Notícias (Rio), 2 de abril de 1964: “Marinha caça Goulart”.

“Ibrahim Sued informa: É o fim do comunismo no Brasil.”

000000 - diario de noticias 6

 

Diário de Pernambuco, 2 de abril de 1964: “Jango sai de Brasília rumo a Porto Alegre ou exterior: posse de Mazilli”.

Governador constitucional Miguel Arraes, vestido de branco no Fusca, é preso e cassado.

 

Diário de Piracicaba (SP), 2 de abril de 1964: “Cessadas as operações militares: A calma volta a reinar no país”.

No dia seguinte: “Relação de deputados que poderão ser enquadrados: Comunistas ou ligações com o comunismo”.

 

Diário do Paraná, 2 de abril de 1964: “Auro Andrade anuncia posse de Mazzilli com situação normalizada”.

No alto: “Povo festejou na Guanabara vitória das forças democráticas”.

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Fatos & Fotos, abril de 1964 (data não identificada): “A grande rebelião”.

Uma revista em júbilo.

 

Folha de S. Paulo, 2 de abril de 1964: “Congresso declara Presidência vaga: Mazzilli assume”.

“Papel picado comemorou a ‘renúncia’ de João Goulart.”

press - folha - 2 de abril de 1964

 

Jornal do Brasil (Rio), 1º de abril de 1964: “S. Paulo adere a Minas e anuncia marcha ao Rio contra Goulart”.

“‘Gorilas’ [pró-Jango] invadem o JB.”

press - jornal do brasil - 1 de abril de 1964

 

O Cruzeiro, 10 de abril de 1964: “Edição histórica da Revolução”.

Revista celebra um herói da “Revolução”, o governador de Minas, Magalhães Pinto, um dos artífices do golpe.

 

O Dia, 3 de abril de 1964: “Fabulosa demonstração de repulsa ao comunismo”.

Jango chegou ao Rio Grande do Sul no dia 2. De lá, iria para o Uruguai. “O Dia”: “Jango asilado no Paraguai!”.

press - o dia - 3 de abril de 1964

 

O Estado de S. Paulo, 2 de abril de 1964: “Vitorioso o movimento democrático”.

É a contracapa, porque a primeira página, era o padrão, só tinha notícias do exterior.

 

O Globo (Rio), 2 de abril de  1964: “Empossado Mazzilli na Presidência”.

Título do editorial: “Ressurge a democracia!”

press- o globo - 2 de abril de 1964

 

O Povo (Fortaleza), sem data: “II e IV Exércitos apoiam movimento mineiro”.

Quartel-general do IV Exército, no Recife, comandava a Força no Nordeste.

press - o povo sem data

 

Tribuna do Paraná, 2 de abril de 1964: “Rebelião em Minas”.

“General Mourão Filho abre a revolta: ‘Jango tem planos ditatoriais’.”

 

Última Hora, 2 de abril de 1964: “Jango no Rio Grande e Mazzilli empossado”.

Jogando a toalha: “Jango dispensa o sacrifício dos gaúchos”.

GOLPE-ultima-hora-2-de-abril-de-1964

 


Do arquivo secreto do Dops: por rádio, Brizola alertou sobre o golpe em 64
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Mário Magalhães

blog - brizola governador

O governador Brizola, no começo dos anos 1960 – Reprodução “Folha de S. Paulo”

 

Quem avisa amigo é.

Em fevereiro de 1964, o Brizola avisou.

O blog divulgou esta gravação no cinquentenário do golpe de Estado.

Em memória do gaúcho velho de guerra, veicula-a novamente, nos 51 anos.

*

Muitas semanas antes da deposição de seu correligionário e cunhado João Goulart, o deputado federal Leonel Brizola alertou para a possibilidade de um golpe de Estado no Brasil.

É o que mostra gravação feita pela polícia política carioca, que monitorava os pronunciamentos que o ex-governador do Rio Grande do Sul fazia todas as noites por meio de modesta cadeia radiofônica encabeçada pela Rádio Mayrink Veiga.

O áudio foi guardado no arquivo secreto do antigo Departamento de Ordem Política e Social da Guanabara, o Estado que então equivalia ao atual município do Rio. Hoje integra o acervo do Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro.

Para ouvi-lo, basta clicar no quadro acima da foto.

Tem meia hora de duração e não registra nem o início nem o encerramento de um discurso de Brizola ocorrido provavelmente em fevereiro de 1964.

O deputado do Partido Trabalhista Brasileiro falava a uma plateia em local não informado, e as emissoras transmitiam ao vivo. Ele tinha 42 anos.

Aos 39, havia sido o principal líder da resistência contra a tentativa de golpe de agosto-setembro de 1961. O presidente Jânio Quadros renunciara, e golpistas capitaneados pelos comandantes das três Forças Armadas tentaram impedir a posse do vice, Jango. Governador do Rio Grande do Sul, Brizola foi decisivo para que Goulart assumisse, ainda que com menos poderes que o antecessor.

A semanas da derrubada de Jango, em 1964, Brizola clamava pela formação de comandos nacionalistas ou grupos de 11 pessoas. O nome não havia sido decidido. As organizações ficariam conhecidas como “grupos dos 11”, o mesmo número de jogadores dos times de futebol. Deveriam se dedicar, entre outros objetivos, a impedir o golpe.

Brizola advertiu para a possibilidade de “golpe” e de “ditadura”: “Caminhamos para um desfecho desta crise”.

Prometeu: “Vai ter luta”.

Não teve, pois Jango, temendo derramamento de sangue, preferiu não resistir em 1º de abril.

Devido ao parentesco, Brizola não poderia concorrer a presidente em 1965. Seus partidários protestavam: “Cunhado não é parente, Brizola pra presidente!”.

Jango também não poderia participar do pleito, pois a reeleição era vetada.

A ditadura cancelou a eleição, e somente em 1989 os brasileiros votaram de novo para presidente.

Um aspecto curioso da manifestação de Brizola são as referências às mazelas nacionais. Mais à esquerda do que o cunhado, ele pregava que o governo realizasse de fato as reformas estruturais prometidas. Em março, Jango começaria a implementá-las com mais decisão.

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51 anos depois, ódio e lição para a eternidade
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Mário Magalhães

Brasil, 15 de março de 2015

Brasil, 15 de março de 2015

Brasil, 29 de março de 2015

Brasil, 29 de março de 2015

 

Nos idos de 1964, o governo João Goulart lançava o Plano Nacional de Alfabetização, com o propósito de educar milhões de iletrados que não sabiam nem ao menos assinar o próprio nome.

O método desenvolvido pelo educador Paulo Freire (1921-1997) seria o instrumento para oferecer a formação mínima, equivalente a direito humano elementar, historicamente negado a multidões de brasileiros pobres e miseráveis.

Com o golpe de Estado de 1º de abril, o plano foi cancelado, Jango partiu para o exílio, Paulo Freire acabou em cana, e o analfabetismo massivo sobreviveu como praga.

Mais tarde, o pedagogo foi reverenciado mundo afora e deu aulas em universidades como Harvard e Cambridge. E o Brasil o declarou como patrono da educação nacional.

Os golpistas de 51 anos atrás odiavam Paulo Freire. O ódio permanece, como se testemunhou em 15 de março de 2015.

Mas a mensagem do educador, também, como mostra o outdoor colocado em Botafogo, pela associação dos docentes da UFRJ, com a imagem de Paulo Freire e outra lição eterna.

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Por que a data do golpe de Estado é 1º de abril de 1964, e não 31 de março
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Mário Magalhães

blog - evandro teixeira 1964

Forte de Copacabana, que foi tomado pelos golpistas em 1º de abril – Foto de Evandro Teixeira

 

Isso mesmo: 1º de abril de 1964, e não 31 de março.

Reproduzo o arrazoado publicado pelo blog no cinquentenário do golpe de Estado.

Podem espernear, mas a data é mesmo a do Dia da Mentira.

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*

Ninguém deveria perder fios de cabelos, colecionar mais rugas e encrencar por conta uma controvérsia que não altera o essencial: em 31 de março ou 1º de abril de 1964, o presidente constitucional João Belchior Marques Goulart foi deposto por um golpe de Estado que fuzilou a democracia e pariu uma ditadura.

A controvérsia não altera o essencial, mas existe.

Algumas versões difundidas recentemente, com o propósito ou não de referendar o dia 31 como “a data”, não encontram lastro nos fatos.

Um eminente historiador afirma que as tropas golpistas do Exército começaram a descer de Minas rumo ao Rio ainda no dia 30 de março de 1964. Falso.

Um jornal sustenta que a queda de Jango ocorreu em 31 de março. Se a data do golpe permite legítimas interpretações, constitui equívoco grave estabelecer o dia 31 como o da saída do presidente.

Um líder estudantil daqueles tempos escreve que a polícia política atacou dirigentes sindicais, reunidos no Rio, na sede de uma entidade de estivadores, ainda em 30 de março. Errado: foi na tarde de 31.

Os três relatos mencionados conspiram para sacramentar 31 de março como o dia do golpe.

Como se sabe, os golpistas sempre defenderam essa, digamos, tese.

Os opositores da ditadura costumam (ou costumavam) preferir 1º de abril, o Dia da Mentira: os golpistas alegaram que apeavam Goulart do poder para salvar a democracia; acabaram por asfixiar as liberdades por 21 anos.

Ignoremos os interesses dos contendores e nos submetamos aos fatos.

As tropas começaram a se mover de Minas só com o dia claro, em 31 de março.

O general Olímpio Mourão Filho narrou que se recolheu aos seus aposentos, em Juiz de Fora, na noite de 30 de março, enquanto Jango discursava no Automóvel Club do Brasil, no Rio.

Comandante da 4ª Região Militar e da 4ª Divisão de Infantaria, Mourão desencadeou o movimento, junto com o general Carlos Luís Guedes. Seu plano era dar a largada na marcha entre 4h e 5h do dia 31.

De manhã, as tropas ainda estavam em Juiz de Fora. Lá, às 7h de 31 de março, o tenente Reynaldo de Biasi Silva Rocha ministrou instrução de combate à baioneta. “Quem quer passar fogo nos comunistas levante o fuzil!”, gritou.

Às 11h30, o chefe do Estado-Maior do Exército, Humberto de Alencar Castello Branco, disse por telefone ao general Guedes, que permanecia em Minas: “A solução é vocês voltarem, porque senão vão ser massacrados”. O general Castello em breve se tornaria marechal e presidente da República.

Ao meio-dia de 31 de março, Jango estava no Rio. No Palácio Laranjeiras, disse que havia “muito boato”, mas nada de concreto, sobre rebelião militar.

Só por volta das 16h15 doze carros do Departamento de Ordem Política e Social pararam em frente ao edifício da Federação Nacional dos Estivadores. Tentaram prender os dirigentes do Comando Geral dos Trabalhadores, mas estes foram socorridos por soldados da Aeronáutica fiéis a Jango.

Até pouco depois do meio-dia de 1º de abril, João Goulart não arredava pé do Palácio Laranjeiras, local dos despachos presidenciais no Rio (a capital já se transferira para Brasília). Como poderia ter sido derrubado na véspera, 31 de março? Por volta das 13h, na 3ª Zona Aérea, Jango embarcou para Brasília.

Só na madrugada de 1º de abril as tropas que decidiriam a parada, as do II Exército, de São Paulo, começaram a se preparar para marchar sobre o Rio. Mas ainda esperavam, como escreveu Elio Gaspari em “A ditadura envergonhada”: “Ao amanhecer do dia 1º de abril Kruel persistia na posição de emparedar Jango sem depô-lo”. O general Amaury Kruel comandava o II Exército.

Sem a adesão de Kruel a deposição do presidente não prosperaria.

Em 1º de abril, prosseguiam em seus postos no Rio oficiais legalistas, submetidos ao comandante-supremo das Forças Armadas, o presidente Jango. Era o caso do general Oromar Osório, comandante da 1ª Região Militar (logo ele voaria para Porto Alegre) e do brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3ª Zona Aérea.

Só em 1º de abril o Forte de Copacabana passou às mãos dos golpistas. Ao seu lado, o QG da Artilharia de Costa foi tomado às 11h30.

Preocupados com o fato de que golpearam no 1º de abril, oficiais mentiram sobre a data da virada de mesa no Forte de Copacabana, datando 31 num relatório. Assinalou Gaspari: “Na realidade, os acontecimentos se passaram exatamente um dia depois, 27 horas depois de Mourão e sete depois de Kruel”.

Em Minas, muitos golpistas cascateavam ter marchado no dia 31, Gaspari observou: “Com o tempo tanto a adesão do coronel Raymundo [Ferreira de Souza] como a dos oficiais do 1º BC passaram a ser assinaladas como estandartes de uma marcha triunfal e a ser antecipada para a noite do dia 31 pela historiografia do êxito. Apesar das conversas na noite anterior, [o general Antonio Carlos] Muricy só recebeu os pelotões do 1º BC por volta de meia-noite, e a adesão do comandante do 1º RI só se consumou às sete horas da manhã seguinte [1º de abril]”.

Na Cinelândia, à qual uma multidão acorreu para protestar a favor de Jango e da Constituição, a batalha ocorreu na tarde de 1º de abril, e não na véspera. Do prédio do Clube Militar, golpistas abriram fogo, ferindo e matando manifestantes.

O marco da queda de João Goulart é sua partida de Brasília, na noite de 1º de abril de 1964. Ele aterrissou em Porto Alegre de madrugada do dia 2 e resolveu não resistir. Na mesma madrugada, era empossado presidente o deputado golpista Ranieri Mazzilli, que presidia a Câmara.

Fonte insuspeita, o velho general Cordeiro de Farias anotou: “A verdade _é triste dizer_ é que o Exército dormiu janguista no dia 31. E acordou revolucionário no dia 1º”.

Os movimentos em Minas iniciaram mesmo no dia 31 de março. E só. Como o Exército que dormira janguista poderia ter golpeado antes de o sono chegar?

No Rio, onde se concentravam os contingentes das três Forças Armadas, pode-se considerar que o golpe se consumou pelas 16h de 1º de abril. Mais ou menos naquele horário, os tanques do Exército que protegiam o Palácio Laranjeiras o abandonaram e estacionaram centenas de metros além. Passaram a defender o Palácio Guanabara, onde estava o governador golpista Carlos Lacerda.

A data do golpe é 1º de abril de 1964. Os fatos são claros.

Mas, reitero, não valem desinteligências acaloradas.

Na véspera ou no dia seguinte, aconteceu o que, para o bem do Brasil, seria melhor não ter acontecido.


Dilma humilhada: e se Joaquim Levy diz tudo de caso pensado?
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Mário Magalhães

Joaquim Levy, ministro da Fazenda - Foto Alan Marques/Folhapress

Joaquim Levy, ministro da Fazenda – Foto Alan Marques/Folhapress

 

Declarações do ministro da Fazenda têm sido interpretadas como expressão de estilo destrambelhado, de tecnocrata com ralo traquejo social e político, executivo que pena por sua sinceridade própria do “mercado”, mico em surto numa loja de pratarias.

Primeiro, Joaquim Levy afirmou que o modelo do seguro-desemprego está “completamente ultrapassado” _noutras palavras, que é preciso mudá-lo, evidentemente retirando benefícios dos trabalhadores. Dilma Rousseff havia dito que não atacaria conquistas dos assalariados, empregados ou não.

Mais tarde, o ministro disse que um programa de desoneração da folha de pagamento, introduzido no primeiro governo Dilma, havia sido “muito grosseiro”, uma “brincadeira”.

Agora, apontou o dedo diretamente para a presidente da República. Em matéria de economia, ela agiria “não da maneira mais efetiva”, diagnosticou o subordinado.

Ao contrário de alguns observadores, eu não tenho o poder de entrar na cabeça alheia para saber o que é falado de caso pensado ou constitui trapalhada.

Mas não custa registrar que ninguém chega aonde Levy chegou se comportando como um doidivanas, sem medir passos, incluindo palavras.

A cada declaração, o ministro constrange a presidente. Ela aparenta não ter poder para demiti-lo.

Claro que a dona dos votos é Dilma, o mandato dos eleitores foi conferido a ela.

Que convocou o diretor do Bradesco para aplicar uma política antissocial.

Joaquim Levy provoca, informando ao grande público, e também à chefe, que se considera com autonomia para fazer o que quiser.

Destrambelhado? Ao contrário: parece cerebral.

A cada vez que abre a boca, humilha Dilma Rousseff.

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Michael Jackson, Joe Cocker, Bill Withers, Tracy e Sting: Ain’t No Sunshine
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Mário Magalhães

“Ain’t No Sunshine’ é uma canção do Bill Withers lançada no começo dos anos 70 do século passado.

Talvez a minha geração a conheça mais pela gravação do Michael Jackson (as mais novas, pelo  filme “Notting Hill”).

Além da interpretação dele, abaixo seguem mais quatro: com Joe Cocker, Bill Withers, Sting e, em dupla, Tracy Chapman & Buddy Guy.

A do autor é soul na veia, e a do Sting, a mais pop.

Se eu tivesse que escolher, todas muito boas, votaria na pioneira, do Bill Withers, com o Joe Cocker atropelando por fora.

Divirtam-se.

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Agora no Brasil, guia Michelin constrange ranking da revista ‘Restaurant’
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Mário Magalhães

Na França, 26 restaurantes três estrelas; no Rio e São Paulo, nenhum – Foto divulgação

 

Mesmo quem não acompanha de perto o pequeno mundo da alta gastronomia costuma ficar com uma pulga atrás da orelha quando são anunciados os rankings anuais da revista “Restaurant”.

A publicação inglesa organiza uma votação em que são escolhidos por centenas de jurados os 50 melhores restaurantes do planeta.

Na mais recente, entre os dez top, havia dois estabelecimentos da Inglaterra, dois dos Estados Unidos e nenhum da França.

Isso mesmo: nenhum.

O paulistano D.O.M. conquistou a sétima posição global.

De acordo com a eleição promovida pela “Restaurant”, nenhum restaurante francês supera o de Alex Atala.

É possível levar a sério uma seleção em que nenhuma casa de pasto do país do ratinho Rémy, o cozinheiro do filme de animação “Ratatouille”, prevalece sobre as melhores da terra do fanfarrão Jamie Oliver?

Pois há quem leve, a considerar o oba-oba que é feito em torno dos mais-mais da “Restaurant”.

Que também, ou sobretudo, é business, valorizando certas cozinhas nacionais em detrimento de outras.

A seu favor, registre-se que há uma década vem prestando um serviço cultural ao reconhecer a excelência de chefs bascos e catalães.

E ao chamar a atenção para culinárias de grande valor como a peruana e a brasileira.

Mas ao tratar os franceses como tratam, é porque o negócio conta mais do que o paladar.

O ranking da “Restaurant” de certo modo concorre com o mais tradicional guia gastronômico, o “Michelin”, justamente da França.

E que agora chega ao Brasil, abarcando exclusivamente Rio e São Paulo.

Seus inspetores, afamados pelo rigor, por mais que gosto seja subjetivo, concederam na edição 2015 o total de 26 classificações três estrelas em toda a França. É a cotação máxima.

Pois no Brasil ninguém conseguiu a nota mais alta no guia Michelin. (E aí, ranking da “Restaurant”?)

Com duas estrelas, destacou-se justamente o D.O.M., reconhecendo o talento de Atala e sua admirável disposição para ousar, recorrendo a tradições especialmente amazônicas que a haute cuisine costuma ignorar.

Com uma estrela, aparecem dez casas de São Paulo e seis do Rio.

Rogério Fasano, empreendedor consagrado no ramo, explicou com serenidade as nossas limitações: falta-nos matéria-prima à altura dos restaurantes europeus, do queijo apropriado a determinadas receitas à carne mais saborosa.

Em suma, quem quiser acreditar que temos cozinhas melhores que a da Maison Troisgros, em Roanne, que acredite.

Se a chegada do guia Michelin deve ser saudada, por ser uma referência com credibilidade, há problemas notórios na edição (as indicações foram divulgadas, mas o volume ainda não está à venda).

O guia oferece sugestões no quesito bib gourmand, combinação de qualidade com preços não salgados.

Dos oito restaurantes do Rio mencionados como tendo boa relação custo-benefício, coincidentemente há dobradinhas de dois grupos. O Miam Miam e o Oui Oui têm os mesmos donos e administradores. Idem o Artigiano e o Pomodorino.

Uma cidade do tamanho do Rio, e dois grupos emplacam duas casas cada um num conjunto de apenas oito dicas. Coincidências acontecem.

E o Entretapas talvez tenha sido visitado antes da minha última ida lá. Da antiga rica oferta de cavas, o espumante catalão, agora só há um rótulo disponível. Lulas foram oferecidas _e devolvidas_ borrachudas, como preparadas por amadores. Talvez a má fase seja decorrente da abertura de novos negócios, com a consequente transferência de profissionais experimentados _o Ibérico, restaurante do grupo no Jardim Botânico, é muito bom.

Dos seis detentores de uma estrela no Rio, há os que de fato a merecem, como o Olympe e o Roberta Sudbrack. Está de parabéns o guia Michelin por ter premiado com estrela o Le Pré Catelan, que não costuma ser badalado à altura de sua provável condição de melhor restaurante de alta gastronomia na cidade.

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