Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : fevereiro 2015

O golpismo vulgar e a biografia de FHC
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Mário Magalhães

No começo da noite de 13 de março de 1964, o professor de sociologia Fernando Henrique Cardoso formava entre a multidão que participou do comício, com direito a discurso de João Goulart, diante da Central do Brasil.

Dezenove dias depois, um golpe de Estado derrubou o presidente constitucional Jango, ferindo a democracia e inaugurando uma ditadura que se prolongaria por 21 anos.

FHC, mais tarde senador, ministro e por dois mandatos presidente da República, conhece história. Tirando tropeços como falar “própio” e “propiamente”, em vez de “próprio” e “propriamente”, ninguém pode chamá-lo de ignorante. É um homem ilustrado, além de cortês e afável.

Nesta quarta-feira, um dos melhores repórteres do país e um dos mais talentosos editores culturais que eu conheci, Mario Cesar Carvalho, trouxe novidade: foi um advogado de Fernando Henrique Cardoso e integrante do conselho do Instituto FHC quem pediu um parecer ao jurista Ives Gandra da Silva Martins sobre pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Martins contou ontem o que escrevera: “À luz desse raciocínio, exclusivamente jurídico, terminei o parecer afirmando haver, independentemente das apurações dos desvios que estão sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público (hipótese de dolo), fundamentação jurídica para o pedido de impeachment (hipótese de culpa)”.

Até aí, morreu Neves _ou Getulio Vargas, em 1954, acossado pelo golpismo. O advogado afirma que não encomendou o parecer por ordem de FHC, e assim ficamos.

O mais impressionante é a declaração do ex-presidente sobre eventual afastamento da presidente eleita pela maioria dos brasileiros em outubro: “neste momento”, disse FHC, o impeachment “não é uma matéria de interesse político”.

Por que “neste momento”? Em outro será? Com base em quê?

Não há uma só prova ou indício de envolvimento de Dilma Rousseff em falcatruas da Petrobras.

Ao contrário do que se descobriu com o grampo que flagrou Fernando Henrique operando na privatização das empresas telefônicas.

Ou do episódio da compra de votos para a emenda da reeleição, esquema que beneficiou o então presidente, permitindo que ele permanecesse no Planalto.

O golpismo vulgar anda por aí, mais na imprensa viúva do lacerdismo e em certos círculos avessos à soberania do sufrágio popular.

Mas FHC dar a entender que pode se unir a essa gente é triste.

No domingo, foi publicado um artigo do líder tucano que dizia assim: “Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais. Resta, portanto, a Justiça”.

Justiça para apear do poder uma governante escolhida pelo povo?

Não custa enfatizar: de momento, há apenas bochicho de almas golpistas, e não marcha da família.

Mas o flerte de Fernando Henrique Cardoso com elas não engrandece sua biografia.

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Não tá fácil pra ninguém? Pros bancos, tá: o Itaú lucrou R$ 20 bilhões
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Mário Magalhães

Isso mesmo: o Itaú divulgou seu lucro líquido em 2014, R$ 20, 242 bilhões.

Aumento de 29% em relação a 2013.

Isto é, mais 4 bilhões e meio.

Outra ótima notícia para o banco foi a redução expressiva, para nível recorde, da inadimplência.

Eu realmente não consigo entender do que tanto reclamam os banqueiros.

Desconfio que consagraram uma lei econômica: quanto mais resmungam contra governos, Estados e administração pública, mais ganham.

E os juros continuam a aumentar.

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Bochicho pró-impeachment cresce, mas Dilma consolida aposta na retranca
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Mário Magalhães

O ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, apelou a metáfora para interpretar as consequências do 7 a 1 que o governo levou na eleição para presidente da Câmara, agora comandada pelo peemedebista Eduardo Cunha: “Um jogo de futebol tem carrinho, puxão na camiseta e até canelada. Quando termina, os amigos sentam e tomam uma cervejinha. É isso”.

Ignoro se o ex-prefeito torce pelo Caxias ou pelo Juventude, se tem mesmo intimidade com o antigo esporte bretão, como o ex-presidente Lula, ou dá chutes metafóricos somente orientado por assessores, como parece ser o caso da presidente Dilma Rousseff.

A imagem desenhada pelo ministro omite o essencial: uma partida de futebol tem vencedor e vencido.

Numa competição de longo curso, quem ganha fica mais forte, e quem perde fica mais fraco.

Em torneio mata-mata, derrota equivale a eliminação.

A goleada do domingo é grave para o governo porque demonstrou que a base confiável da presidente eleita pela maioria dos brasileiros é rigorosamente minoritária na casa dos deputados.

O candidato de Dilma, Arlindo Chinaglia, amargou uma sova de votos em começo de governo, quando se descortinam quatro anos de agrados a quem costuma gostar de agrados.

O revés na Câmara, se o governo Dilma Reloaded mantiver a rota de momento, significará o reforço na _eis, ministro, outra metáfora futebolística_ retranca estabelecida até agora.

Qualquer cidadão intelectualmente honesto _e não fanático ou com interesses muito particulares_ sabe que a presidente se elegeu com discurso de esquerda, mas implementa uma administração com acentuados tons de direita.

Convocou ministros conservadores, sacrificou conquistas dos trabalhadores, punindo assalariados, e impôs um arrocho que prejudica sobretudo os mais pobres.

Ao seguir nesse rumo, Dilma destruirá o pacto social e político que a empurrou à vitória no segundo turno.

Em vez de amansar seus oponentes, incentiva-os a buscar o que semanas atrás era inominável para alguns, mas vem deixando de ser: a sugestão de abreviar o mandato conferido soberanamente pelo sufrágio popular.

No início, apenas boçais descomprometidos com a democracia acorriam  à avenida Paulista para propor intervenção militar ou _o resultado é igual_ impeachment.

Depois, figuras caricaturais principiaram a falar. Um exemplo é o ex-candidato presidencial Levy Fidelix, na festa que celebrou o triunfo de Eduardo Cunha:  “A vida da Dilma vai ser um inferno. vai vir impeachment”; “quem vai assumir é o [Michel] Temer, em nove meses”.

Em artigo publicado no domingo, Fernando Henrique Cardoso não deixou claro, mas permitiu interpretações que o ex-presidente poderá confirmar ou não: “Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais. Resta, portanto, a Justiça”.

Nesta terça-feira, o historiador Marco Antonio Villa deu a conhecer sua opinião no artigo “Dilma, a breve?”: “De forma mais direta: [Dilma] vai ter de engolir uma CPI sobre a Petrobras. E com o que conhecemos até hoje da Operação Lava-Jato, o seu mandato pode ser abreviado — caso, evidentemente, se confirmem as denúncias envolvendo a empresa, políticos, empreiteiras e o Palácio do Planalto”.

Também hoje, a primeira página da “Folha” chama para um artigo-parecer de Ives Gandra da Silva Martins: “Há base jurídica para um pedido de impeachment”. O advogado afirma: “À luz desse raciocínio, exclusivamente jurídico, terminei o parecer afirmando haver, independentemente das apurações dos desvios que estão sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público (hipótese de dolo), fundamentação jurídica para o pedido de impeachment (hipótese de culpa)”.

Voltando ao futebol, o jogo está sendo jogado.

Inexiste prova ou indício de envolvimento da presidente com a roubalheira na Petrobras.

Ao abrir mão da plataforma que a impulsionou ao segundo mandato, Dilma Rousseff frustra parcela dos seus eleitores e fortalece seus adversários.

E para os adversários, como evidencia a amostra de opiniões acima, o impeachment deixa de ser assunto para sussurros constrangidos e ganha pompa de discurso.

Por enquanto, mobilizações golpistas pela saída da presidente constitucional não levarão massas às ruas.

Mas a política recessiva e avessa aos interesses de quem vive de salário _em suma, a retranca_ pode atrapalhar Dilma.

Ainda mais com seu inimigo Eduardo Cunha à frente da Câmara.

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Dupla Fla-Flu encarna revolução burguesa contra senhores feudais da Ferj
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Mário Magalhães

Não é apenas civilizatório o abismo entre o presidente da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro, que xinga com palavrões os representantes de clubes filiados, e as direções de Flamengo e Fluminense: é de tempo histórico.

O tal Rubens Lopes, maioral da Ferj, expressa os interesses dos senhores feudais do futebol, cuja face mais sombria é a de Eurico Miranda, novamente o capo do Vasco.

O presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, encarna nessa batalha a revolução burguesa de que o futebol nacional necessita para que não tenhamos mais de passar o domingo em frente à TV, a fim de assistir aos grandes craques brasileiros jogarem na Europa.

Na sexta-feira, em reunião entre clubes promovida pela federação, Bandeira de Mello e Marcelo Penha, assessor da presidência do Fluminense, foram alvos de impropérios pronunciados por Rubens Lopes.

O confronto se desenvolve em torno da definição pela Ferj de preços de ingressos considerados muito baixos pela dupla Fla-Flu.

Não baixos do ponto de vista subjetivo, mas insuficientes para pagar a operação do futebol profissional dos dois clubes no Campeonato Estadual inaugurado neste fim de semana.

Este blogueiro fica muito à vontade em elogiar o desempenho do cartola do Flamengo neste imbroglio, pois não tem poupado críticas ao dirigente.

No confronto em curso, Bandeira de Mello está coberto de razão. Protege os interesses da agremiação e de um futebol minimamente profissional.

Uma coisa era definir preços de entradas que acabavam deixando o Maracanã vazio. Outra é jogar com prejuízo assegurado de antemão.

Se fosse para ser mais simpático, eu sugeriria ingressos a 1 real. Ou catraca livre.

Mas daqui a pouco fará um século que o futebol profissional foi introduzido.

Se quiserem, que acabem com ele, e os grandes clubes passam a jogar o torneio de garçons no Aterro.

Sem profissionalizar _e não canibalizar_ de fato o futebol no país continuaremos com as nossas competições tão inferiores em nível técnico às de países cujas economias, a Espanha, por exemplo, são menores que a do Brasil.

Um grande erro na polêmica no Rio e considerá-la um embate entre clubes, como se rubro-negros batalhassem numa trincheira, e vascaínos, noutra.

A oposição é entre ideias _e interesses_, não entre escudos.

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Intolerância: muçulmanas são agredidas e xingadas no Rio
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Mário Magalhães

Faz uma semana hoje: na segunda-feira, Zahrah Carolina Bravo foi atingida por uma cusparada e xingada de terrorista em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Foi o que a empresária de 33 anos contou ao repórter Gabriel Sabóia. O motivo do ataque foi Zahrah ser muçulmana e até então se vestir conforme a tradição de sua religião.

“Até então” porque, para evitar episódios como o da semana passada, ela agora evita o véu e a identificação pública com o Islã.

Há outros casos de agressão, sobretudo depois das ações do terror jihadista no mês passado em Paris _somente no ataque contra o jornal “Charlie Hebdo”, 12 pessoas foram assassinadas.

Existe estimativa de que até 10 mil muçulmanos vivam no Estado do Rio.

A covardia contra muçulmanas no Rio decorre de preconceito e estupidez na suposição de que o Islã equivalha a terrorismo.

Além de ser isso mesmo: covardia contra mulheres.

Abaixo, o blog reproduz a reportagem publicada no jornal “O Dia” (e cuja veiculação original pode ser lida clicando aqui):

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*

 Muçulmanas são vítimas de agressões nas ruas do Rio

Por Gabriel Sabóia

Rio – A empresária Zahrah Carolina Bravo, 33 anos, chega à Sociedade Islâmica da Baixada Fluminense para fazer uma das cinco orações praticadas por muçulmanos ao longo do dia, conforme manda a tradição. Porém, antes de cumprir o protocolo de se inclinar em direção à Meca — cidade na Arábia Saudita, considerada sagrada e alvo de peregrinação dos adeptos da religião — ela tira da bolsa o véu que deveria ser usado durante o dia, mas que passou a ser evitado em público desde segunda-feira passada.

Foi quando, numa caminhada por Nova Iguaçu, recebeu uma cusparada no rosto e acusações de práticas terroristas devido à vestimenta, associada erroneamente a ações de grupos extremistas do Oriente Médio. Foi um episódio de intolerância considerado “leve” por ela e outras muçulmanas radicadas no Rio, estado conhecido pela pluralidade mas que, de acordo com as religiosas, vive onda crescente de “islamofobia”. Identificadas pelas roupas, as mulheres são alvos preferenciais de injúrias e agressões.

“No último mês, os ataques cresceram de forma proporcional ao número de posts com ‘Je suis Charlie’ compartilhados na internet”, diz a jovem AJ, de 19 anos, que pediu para não ser identificada, em referência ao atentado terrorista ao periódico francês ‘Charles Hebdo’ em janeiro, em que morreram 12 pessoas, após publicação de charges que satirizavam o profeta Maomé.

A jovem, como tantas muçulmanas, vive o medo de assumir a religião. “Sofri bullying a infância inteira”, explica. “A maioria das pessoas não entende que os episódios que culminam em execuções terroristas não refletem o Islã, mas sim disputas políticas sangrentas”, pondera Zahrah. Mais velha, ela acumula marcas da intolerância pelo corpo e na memória. No couro cabeludo, espaço no qual os fios não crescem. Fruto de ‘trote’ sofrido em 2010, quando cursava pedagogia na Uni-Rio.

“Apagaram cigarro no meu véu e, assim, atearam fogo. Era chamada de mulher-bomba e esposa do (terrorista) Osama Bin Laden ao pisar na sala”, diz ela, que desistiu da carreira. Foi o caso mais grave de violência dos cinco que culminaram em registros policiais. “O maior preconceito se vê no dia-a-dia, nos risos e olhares que percebo ao entrar de véu no trem”, diz.

Os costumes traçados no Alcorão — livro sagrado da religião — também custaram caro. “Fui demitida de uma empresa de telemarketing sob o argumento de que escondia o rosto e precisava interromper o expediente para orar. Hoje muitos muçulmanos só fazem duas orações por dia (antes de sair de casa e depois de voltar), e não cinco, o que seria o ideal”, conta.

Medo impede que denúncia seja feita

De acordo com lideranças muçulmanas, os números relativos à intolerância religiosa direcionada a islamitas, ainda que crescentes, são vagos. “A maioria das vítimas se cala por medo”, explica o presidente da ABMRJ, Abdulla Muhammaad, que confirma a escalada da violência. Ele tomou conhecimento de pelo menos quatro casos, no último mês, no Rio. As agressões — difundidas pelas redes sociais — fizeram com que uma página voltada a denúncias fosse criada na internet, na última semana.

Através do site www.islamofobia.com.br, as vítimas podem fazer relatos e receber amparo e orientações de como agir em casos extremos. Criador do site, Juliano Souza diz ter tomado a iniciativa após casos de pichações em mesquitas de São Paulo.

Diretor da Sociedade Beneficente Muçulmana (SBM- RJ), Sami Isbelle teme que casos pontuais se tornem mais constantes. “Entre os homens, as roupas passam desapercebidas e, por isso, não são alvos de tantas ironias”. A discriminação faz com que muitas muçulmanas optem por omitir, ou mesmo mentir, quanto à sua fé. “Quando me perguntam se sou evangélica e se este é o motivo do comprimento das minhas roupas, não titubeio. Digo que sou sim”, conta AJ.

No entanto, é a distorção da doutrina que mais as incomoda. “O que amedronta são os ataques físicos e ameaças. O que entristece é saber que existem pessoas que pensam que uma religião pode ‘pregar’ a barbárie. Atos terroristas não são praticados por verdadeiros muçulmanos, não encontram endossamento nos nossos livros sagrados”, ressalta Zahra.

Ignorância gera problema

Na opinião do babalaô Ivanir dos Santos, integrante da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa, é a ignorância que move os agressores de muçulmanos. “Referir-se a um islâmico como terrorista reflete ignorância tão grande quanto a de quem olha para uma favela e se refere a todos os moradores como ‘bandidos’”, afirma.

De acordo com a SBM-RJ, existem três mil muçulmanos vivendo, hoje, no Rio. No estado, o número poderia subir a dez mil. Uma fatia ínfima, se comparada ao 1,5 bilhão de muçulmanos espalhados pelo mundo, o que faz do islã a religião com maior número de fiéis. “Mesmo assim, se perguntarem qual é a primeira palavra que vem à cabeça do grande público quando se fala em islamismo, muitos dirão ‘terrorismo’. Uma pena”, lamenta Sami Isbelle.

Os islamitas seguem o Alcorão e são fiéis à mensagem de Deus por meio do que disse o profeta Maomé, no livro escrito no século VII. O seguidor do islamismo tem como algumas de suas obrigações, de acordo coma doutrina, “promover o bem e reprimir o mal, evitar a usura e o jogo,além de não consumir álcool e carne de porco”.