Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : fevereiro 2015

Larápios se esbaldam na folia do Rio
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Mário Magalhães

Sim, eu sei: considerando a multidão bíblica e profana que tomou as ruas do Rio neste Carnaval, o número de roubos e furtos talvez seja inexpressivo.

E nem dá para estimar com segurança, pois a imensa maioria das vítimas dos gatunos prosseguiu na folia, sem dar queixa à polícia.

Mas que os larápios fizeram a farra, fizeram.

Só aqui em casa eu ouvi três relatos:

no Carmelitas, dois celulares perdidos (estavam na mochilinha de pano às costas das garotas; os ladrões cortaram as alças e levaram tudo);

no Bola Preta, foi-se o cordão que enfeitava o pescoço (a moça só viu o meliante pelas costas, quando o cabra se perdia em meio à multidão);

no Boitatá, mais um cordão.

Fora o lido e ouvido em relatos jornalísticos e nas redes.

Não foi nada, comparado à alemã que veio com o marido para o Carnaval e voltará sem ele: o turista só queria se divertir; acabou assassinado a facadas num assalto na rua Uruguaiana.

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O samba da fidelidade: lá vem Portela
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Mário Magalhães

Torço pelo Flamengo e pela Portela.

Sou Flamengo, mas não sou Portela.

A distinção hamletiana decorre da condição do futebol na minha vida, paixão imortal, e do samba, encantamento platônico.

O que me levou a ser Flamengo? No fundo, sei lá.

E a torcer pela Portela? Sei bem: o maravilhoso samba-enredo “O mundo melhor de Pixinguinha”, do desfile de 1974.

A escola foi vice, mas também… foi batida pela ebulição criativa de Joãosinho Trinta, o carnavalesco do Salgueiro (“a” Salgueiro, no feminino, não existe; é invenção de estrangeiro).

O samba composto por Jair Amorim, Evaldo Gouveia e Velha valeu uma fidelidade em azul e branco.

Não passageira, como namorico de Carnaval. Mas para sempre.

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Filme sobre Cássia Eller comete injustiça; nem todo jornalista é cretino
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Mário Magalhães

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Chamada na 1ª página da “Folha”, 24.jan.2002

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O filme “Cássia Eller” é um tributo reverente e bonito à excepcional cantora que o Brasil perdeu em 29 de dezembro de 2001.

Esteticamente, sua maior limitação é contar em clima de calmaria uma vida que navegou em meio a borrascas. No gogó e no comportamento, Cássia ousou, arriscou e incomodou. O documentário, em cartaz em várias cidades, é convencional: não ousa, não arrisca e não incomoda.

Seria como executar em andamento larghetto uma sinfonia inspirada em vida vivida em vivace.

Ou narrar em ritmo vagaroso a trajetória de personagem que se distinguiu pela ação.

Mas estas linhas não se propõem a fazer uma crítica artística do bom filme  do diretor Paulo Henrique Fontenelle.

E, sim, apontar uma enorme infelicidade na reconstituição histórica do noticiário sobre a morte da grande artista.

O cineasta, que responde por direção, roteiro e edição,  dá a entender que o conjunto do jornalismo veiculou a versão de que Cássia Eller teria morrido devido a overdose ou por consequência de ingestão de alguma droga nos minutos, horas e dias que antecederam seu falecimento numa clínica pertinho do Largo do Machado, aqui no Rio.

O filme mostra uma revista semanal com a capa “Drogas: mais uma vítima” e exibe cena de um programa dominical de TV especulando sobre marcas de agulhas no corpo do melhor intérprete de “Por Enquanto”.

Emenda com um empresário da cantora avacalhando o jornalismo em bloco e enfatizando que o Instituto Médico Legal atestou que a causa da morte não foi o efeito imediato de droga.

Jornalismo e jornalismo

Ignoro se Fontenelle ou eventual entrevistador a seu serviço perguntou ao empresário como ele tomou conhecimento da descoberta dos peritos.

Muito provavelmente, pelo mesmo meio pelo qual os brasileiros souberam que Cássia não perdeu a vida em virtude de overdose: o trabalho suado, rigoroso e escrupuloso de jornalistas.

Para mim e, tenho convicção, muita gente, Cássia não seria maior ou menor por ter ou não se drogado antes da despedida. Mas tinha relevância pública, portanto jornalística, a informação sobre por que ela morreu.

Muitos jornalistas, de repórteres a editores, recusaram-se a tirar conclusões levianas, sem amparo científico. Noutras palavras, rejeitaram o sensacionalismo e a irresponsabilidade.

Não é fácil. Para quem não é jornalista, conto como funciona: um repórter enfurnado em um episódio momentoso como aquele é constantemente cobrado. “O portal tal”, “o jornal tal”, a “revista tal”, a “emissora tal” publicaram determinada notícia. “Nós temos a informação?”, ouvem os repórteres. “Por que não?”, indaga-se, em caso negativo. É preciso serenidade para suportar a avalanche de rumores, cascatas e diz-que-diz sem lastro em fatos checáveis e comprováveis. Uma tremenda pressão, no ambiente competitivo do mercado de notícias.

A morte de Cássia Eller teve dois desdobramentos jornalísticos marcantes, além da evocação de sua obra e sua vida: qual teria sido a causa da morte; e a aparição do pai da cantora reivindicando na Justiça a guarda do neto (o cidadão foi mal sucedido na jogada oportunista).

Furo

Enquanto o jornalismo que se contentava com chutes e apelações esqueceu da investigação científica e legal, o jornalismo digno do nome corria atrás do laudo pericial. A edição de  24 de janeiro de 2002 da “Folha de S. Paulo”, quase um mês depois da morte, trouxe na primeira página um furo bombástico intitulado “Droga não aparece no exame de Cássia Eller”.

Assim abria a reportagem “Exames não encontram drogas em Cássia”, de autoria da repórter Fernanda da Escóssia:

“Os primeiros resultados dos exames toxicológicos realizados pelo Instituto Médico Legal do Rio não encontraram drogas entorpecentes nem álcool no sangue, nas vísceras ou na urina da cantora Cássia Eller. A única substância encontrada foi xilocaína, um tipo de anestésico dado a Cássia na clínica Santa Maria, em Laranjeiras, durante as manobras médicas feitas nas tentativas de ressuscitação da cantora”.

Na virada de janeiro para fevereiro, o laudo final reiterou os “primeiros resultados”.

Entre os jornais pesquisados em “Cássia Eller”, informam os créditos ao fim do filme, não estava a “Folha”. A produção ignorou o diário de maior circulação nacional. Acontece.

Mas será que em meses ou anos de pesquisas jamais ouviu falar de como as pessoas, mesmo as mais próximas de Cássia, souberam da verdade sobre a morte?

Se o roteirista, diretor e editor tinha a informação e não a usou, para condenar o jornalismo no atacado, seria eticamente gravíssimo. Certamente não foi isso o que ocorreu.

Caso não tenha apurado a informação, houve falha incrível de pesquisa.

Razão de viver

Resolvi escrever este post porque creio ter passado do limite razoável a demonização do jornalismo e dos jornalistas, como se fôssemos todos iguais: seres detestáveis, cretinos sem compromisso social e prontos para maltratar covardemente quem aparecer pela frente.

Ou, por outro lado, dispostos a se dobrar a exigências indecentes.

Crítico contumaz que sou do jornalismo em vigor, penso ter certa autoridade para falar: nós não somos assim, praticantes de atos “moralmente indefensáveis”, na acepção da ensaísta norte-americana Janet Malcolm.

Ao menos, não somos todos assim.

Acreditar nessa ladainha seria como afirmar que todo documentário sofre de pesquisa indigente.

Há filmes e filmes, bem como jornalistas e jornalistas.

Não somos poucos os que nos dedicamos de modo insano ao jornalismo e o abraçamos como nossa razão de viver, em sua concepção mais generosa e democrática: mesmo quando exercido por companhias privadas, o jornalismo é o serviço público que tem como essência colher, processar e difundir informações.

Em 2013, é evidente que houve manipulação em muitas coberturas das jornadas de junho. Mas a imensa maioria dos repórteres que foram às ruas prestou um inestimável serviço público ao informar. Além de intimidar policiais militares mais trogloditas e impedir massacres de manifestantes.

Contar o noticiário da morte de Cássia Eller como se todo o jornalismo tivesse sido leviano ou criminoso insulta os fatos e despreza a memória.

Desrespeita quem, mesmo remando contra a maré, negou-se a linchar uma pessoa, inesquecível pessoa, que não podia mais se defender.

(Transparência: a autora do furo sobre a causa da morte de Cássia Eller, jornalista Fernanda da Escóssia, tem a sorte ou o azar de ser casada com este blogueiro há quase duas décadas. Quem quiser achar que escrevi este texto por motivos pessoais, e não jornalísticos e históricos, que ache, mas estará errado. Fã de Cássia, Fernanda se emocionou e chorou muito ao assistir ao filme de Paulo Henrique Fontenelle.)

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Governo do RJ atrasa pagamento de bolsas a cientistas e pesquisadores
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Mário Magalhães

A cara de Pezão ao ouvir em 2014 pergunta sobre o desaparecido Amarildo – Reprodução TV Globo

O governador Pezão ao ouvir em 2014 pergunta sobre o pedreiro Amarildo – Reprodução TV Globo

 

“A FAPERJ informa que, em razão de dificuldades do fluxo orçamentário do Tesouro Estadual, o pagamento de bolsas referentes ao mês de janeiro será realizado no próximo dia 24 de fevereiro.

A FAPERJ tem zelado para manter a pontualidade e regularidade no pagamento de seus bolsistas. Lamentamos o transtorno causado por esse atraso.”

*

Os dois parágrafos acima constituem o comunicado enviado a bolsistas pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro, a Faperj.

Como informa o site da fundação, a Faperj “é a agência de fomento à ciência, à tecnologia e à inovação do Estado do Rio de Janeiro. Vinculada à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, a agência visa estimular atividades nas áreas científica e tecnológica e apoiar de maneira ampla projetos e programas de instituições acadêmicas e de pesquisa sediadas no Estado do Rio de Janeiro”.

As bolsas aos cientistas e pesquisadores, relativas a janeiro, deveriam ter sido pagas em 10 de fevereiro. Ficaram, como se lê, para o dia 24.

São prejudicados estudantes universitários, professores visitantes, professores pesquisadores, professores pós-doutorandos. Há bolsistas de pesquisa e docência, de iniciação científica. E mais.

Como muita gente sabe, costuma ser dura a vida dos pesquisadores acadêmicos no Brasil. Paixão muita pela transmissão e produção de conhecimento, dinheiro pouco no bolso.

Muitos cientistas tiveram que atrasar o pagamento de contas e outros compromissos. Pagarão multas e juros.

A atitude do governo Luiz Fernando Pezão, sufocando a Faperj, expressa prioridades: pelo visto, ensino e pesquisa não estão entre elas.

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