Blog do Mario Magalhaes

Oliver Sacks, perto do fim: ‘Não há tempo para nada que não seja essencial’

Mário Magalhães

Moacyr Lopes Junior/Folhapress

Oliver Sacks, em 2005 – Foto Moacyr Lopes Junior/Folhapress

 

Com tradução alto nível de Francesca Angiolillo, a ''Ilustríssima'' publicou o texto do neurologista Oliver Sacks, 81, recém-veiculado pelo ''New York Times''.

O médico e escritor norte-americano, atacado por câncer, tem pouca vida pela frente.

O que mais me toca é a afirmação ''não há tempo para nada que não seja essencial''.

Por mais que coisas não essenciais possam ser prazerosas, e são, perdemos muito tempo com bundices.

Será preciso antever a bola sete para nos dedicarmos ao mais importante, gratificante e prazeroso?

A seguir, Oliver Sacks:

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

Minha vida: o neurologista diante da morte

Por Oliver Sacks

Tradução de Francesca Angiolillo

RESUMO Autor prolífico de livros populares de divulgação científica, o neurologista Oliver Sacks descobriu recentemente metástases, não tratáveis, de um câncer que tem há nove anos. Neste texto, ele fala de como quer viver seus últimos meses e dos esforços necessários para fazer o que chama de um acerto de contas com a vida.

*

Um mês atrás, eu me sentia gozando de boa saúde; diria até que de uma saúde de ferro. Aos 81, ainda nado 1.600 metros por dia. Mas minha sorte se esgotou –há algumas semanas, soube que tinha múltiplas metástases no fígado. Nove anos atrás, descobri que eu tinha um tumor de olho raro, um melanoma ocular. Apesar de as radiações e do laser para eliminar o tumor terem me deixado cego daquele olho, era muito improvável que um tumor daquele tipo se alastrasse. Eu estou entre os 2% desfavorecidos pela sorte.

Sinto-me grato pelos nove anos produtivos e de boa saúde que tive após o diagnóstico original, mas agora estou cara a cara com a morte. A doença tomou um terço de meu fígado e, ainda que seja possível atrasar seu passo, o avanço desse tipo particular de câncer não pode ser impedido.

O que me cabe agora é decidir como viverei os meses que me restam. Devo vivê-los da maneira mais rica, profunda e produtiva que puder. Nisso sou encorajado pelas palavras de um de meus filósofos favoritos, David Hume, que, aos 65 anos, sabendo-se acometido por uma doença mortal, escreveu, em um só dia de abril de 1776, uma breve autobiografia. Ele a intitulou ''Minha Vida''.

''Conto agora com uma morte rápida'', ele escreveu. ''Tenho sofrido pouquíssima dor advinda de minha doença e, o que é mais estranho, apesar do rápido declínio de meu corpo, meu espírito nunca se abateu um momento sequer. […]Possuo o mesmo ardor de sempre pelos estudos, e a mesma alegria na companhia de outras pessoas.''

Tive muita sorte de poder passar dos 80, e os 15 anos que me foram concedidos além das seis décadas e meia que viveu Hume, eu os vivi de forma tão plena de trabalho e amor quanto ele. Nesse período, publiquei cinco livros e terminei uma autobiografia, um bocado mais extensa que a dele, a sair nos próximos meses; tenho vários outros livros quase concluídos.

Hume seguia: ''Sou […] um homem de disposição cordial, senhor de si mesmo, de humor franco, social e jovial, capaz de amizade, mas pouco suscetível a inimizades e de grande moderação em todas as suas paixões''.

Nesse ponto minha experiência se afasta da dele. Embora eu tenha vivido amores e amizades e não tenha inimizades reais, não posso dizer (nem ninguém que me conhece poderia) que sou um homem de disposição cordial. Ao contrário, meu caráter é veemente, sou capaz de me entusiasmar de forma violenta e sou extremamente imoderado no que diz respeito a qualquer de minhas paixões.

Ainda assim, uma linha do ensaio de Hume me parece especialmente verdadeira: ''É difícil'', escreve, ''sentir maior distanciamento da vida do que este que sinto neste momento''.

Ao longo dos últimos dias, eu pude ver minha vida como se a observasse desde uma grande altitude, como se ela fosse uma espécie de paisagem, e com a percepção cada vez mais aguda da conexão entre todas as suas partes. Isso não quer dizer que eu tenha dado minha vida por encerrada.

Ao contrário: sinto-me intensamente vivo, e quero e espero que, no tempo que resta, eu possa aprofundar minhas amizades, dizer adeus aos que amo, escrever mais, viajar, se tiver força para tanto, alcançar novos graus de entendimento e de discernimento.

Isso vai requerer audácia, clareza e franqueza; é uma tentativa de acertar as contas com o mundo. Mas haverá tempo, também, para diversão (e até mesmo para um tanto de tolices).

Sinto uma súbita nitidez de foco e de perspectiva. Não há tempo para nada que não seja essencial. Preciso me concentrar em mim, no meu trabalho, nos meus amigos. Não vou mais assistir ao noticiário na televisão toda noite. Não darei mais atenção alguma à política ou ao aquecimento global.

Isso não é indiferença, mas distanciamento –eu ainda me preocupo muito com o Oriente Médio, aquecimento global, o crescimento da desigualdade, mas esses assuntos não me cabem mais; eles cabem ao futuro. Eu me alegro quando encontro gente jovem e talentosa –inclusive a que fez a biópsia que constatou minhas metástases. Eu sinto que o futuro está em boas mãos.

Para ler a íntegra, basta clicar aqui.