Bochicho pró-impeachment cresce, mas Dilma consolida aposta na retranca
Mário Magalhães
O ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, apelou a metáfora para interpretar as consequências do 7 a 1 que o governo levou na eleição para presidente da Câmara, agora comandada pelo peemedebista Eduardo Cunha: “Um jogo de futebol tem carrinho, puxão na camiseta e até canelada. Quando termina, os amigos sentam e tomam uma cervejinha. É isso”.
Ignoro se o ex-prefeito torce pelo Caxias ou pelo Juventude, se tem mesmo intimidade com o antigo esporte bretão, como o ex-presidente Lula, ou dá chutes metafóricos somente orientado por assessores, como parece ser o caso da presidente Dilma Rousseff.
A imagem desenhada pelo ministro omite o essencial: uma partida de futebol tem vencedor e vencido.
Numa competição de longo curso, quem ganha fica mais forte, e quem perde fica mais fraco.
Em torneio mata-mata, derrota equivale a eliminação.
A goleada do domingo é grave para o governo porque demonstrou que a base confiável da presidente eleita pela maioria dos brasileiros é rigorosamente minoritária na casa dos deputados.
O candidato de Dilma, Arlindo Chinaglia, amargou uma sova de votos em começo de governo, quando se descortinam quatro anos de agrados a quem costuma gostar de agrados.
O revés na Câmara, se o governo Dilma Reloaded mantiver a rota de momento, significará o reforço na _eis, ministro, outra metáfora futebolística_ retranca estabelecida até agora.
Qualquer cidadão intelectualmente honesto _e não fanático ou com interesses muito particulares_ sabe que a presidente se elegeu com discurso de esquerda, mas implementa uma administração com acentuados tons de direita.
Convocou ministros conservadores, sacrificou conquistas dos trabalhadores, punindo assalariados, e impôs um arrocho que prejudica sobretudo os mais pobres.
Ao seguir nesse rumo, Dilma destruirá o pacto social e político que a empurrou à vitória no segundo turno.
Em vez de amansar seus oponentes, incentiva-os a buscar o que semanas atrás era inominável para alguns, mas vem deixando de ser: a sugestão de abreviar o mandato conferido soberanamente pelo sufrágio popular.
No início, apenas boçais descomprometidos com a democracia acorriam à avenida Paulista para propor intervenção militar ou _o resultado é igual_ impeachment.
Depois, figuras caricaturais principiaram a falar. Um exemplo é o ex-candidato presidencial Levy Fidelix, na festa que celebrou o triunfo de Eduardo Cunha: ''A vida da Dilma vai ser um inferno. vai vir impeachment''; ''quem vai assumir é o [Michel] Temer, em nove meses''.
Em artigo publicado no domingo, Fernando Henrique Cardoso não deixou claro, mas permitiu interpretações que o ex-presidente poderá confirmar ou não: ''Daí minha insistência: ou há uma regeneração “por dentro”, governo e partidos reagem e alteram o que se sabe que deve ser alterado nas leis eleitorais e partidárias, ou a mudança virá “de fora”. No passado, seriam golpes militares. Não é o caso, não é desejável nem se veem sinais. Resta, portanto, a Justiça''.
Nesta terça-feira, o historiador Marco Antonio Villa deu a conhecer sua opinião no artigo ''Dilma, a breve?'': ''De forma mais direta: [Dilma] vai ter de engolir uma CPI sobre a Petrobras. E com o que conhecemos até hoje da Operação Lava-Jato, o seu mandato pode ser abreviado — caso, evidentemente, se confirmem as denúncias envolvendo a empresa, políticos, empreiteiras e o Palácio do Planalto''.
Também hoje, a primeira página da ''Folha'' chama para um artigo-parecer de Ives Gandra da Silva Martins: ''Há base jurídica para um pedido de impeachment''. O advogado afirma: ''À luz desse raciocínio, exclusivamente jurídico, terminei o parecer afirmando haver, independentemente das apurações dos desvios que estão sendo realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público (hipótese de dolo), fundamentação jurídica para o pedido de impeachment (hipótese de culpa)''.
Voltando ao futebol, o jogo está sendo jogado.
Inexiste prova ou indício de envolvimento da presidente com a roubalheira na Petrobras.
Ao abrir mão da plataforma que a impulsionou ao segundo mandato, Dilma Rousseff frustra parcela dos seus eleitores e fortalece seus adversários.
E para os adversários, como evidencia a amostra de opiniões acima, o impeachment deixa de ser assunto para sussurros constrangidos e ganha pompa de discurso.
Por enquanto, mobilizações golpistas pela saída da presidente constitucional não levarão massas às ruas.
Mas a política recessiva e avessa aos interesses de quem vive de salário _em suma, a retranca_ pode atrapalhar Dilma.
Ainda mais com seu inimigo Eduardo Cunha à frente da Câmara.