Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : janeiro 2015

Anatomia do parasita: Maldição do substituto real perturba príncipe Andrew
Comentários Comente

Mário Magalhães

Soldadinho de chumbo, ou príncipe Andrew - Foto Friso Gentsch/EFE

Soldadinho de chumbo, ou príncipe Andrew – Foto Friso Gentsch/EFE

Por Steven Erlanger, do “New York Times”, via “Folha”.

“Parasita” é por conta do blog.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

Maldição do substituto real perturba príncipe Andrew

Steven Erlanger, do “New York Times”, em Londres

Não é fácil ser o substituto, o segundo filho treinado para pouco mais que ficar por perto, esperando que seu irmão mais velho morra ou tenha filhos, que o suplantarão.

Conforme o príncipe Andrew, duque de York, envelheceu e ficou mais distante na linha de sucessão (aos 54 anos, hoje ele é o quinto na fila), ele enfrentou o problema do que fazer consigo mesmo -ser público, mas não proeminente- e nem sempre fez as melhores opções, como admitiu.

O príncipe Andrew está de volta ao noticiário com o ressurgimento de denúncias de que ele fez sexo com uma menor, feitas por um velho e rico amigo dele, Jeffrey E. Epstein, preso em 2008 por incitar uma menor à prostituição.

Em 2011, quando as acusações contra o príncipe Andrew vieram à tona, e novamente este mês, quando elas ressurgiram em um caso aberto em um tribunal da Flórida, o Palácio de Buckingham emitiu negações explícitas.

As afirmações da mulher, que segundo o palácio se chama Virginia Roberts, hoje com 30 anos, casada e com três filhos, foram divulgadas em 2011 pela imprensa britânica e pela revista “Vanity Fair”.

A diferença agora parece ser uma acusação direta de Roberts, por meio de seus advogados, de que teve contato sexual com o príncipe Andrew e outras figuras públicas, como o advogado Alan Dershowitz, que também nega as acusações e disse que pretende mover uma ação para colocá-la sob juramento.

O furor sobre o príncipe Andrew levantou um problema conhecido, o de levar a vida como membro da família real sem uma função definida. “Andrew viveu no submundo de Mayfair, que era um pouco decadente -quando você é um membro da realeza sem função, tende a cair nesse mundo”, disse o comentarista social Peter York.

Em editorial intitulado “Reforma real”, o jornal britânico “The Times” sugeriu que a família real, enquanto instituição, se enxugue e mande seus filhos trabalharem. Fora desses papéis, “eles representam mais um risco que um benefício para a família real”.

Para ler a íntegra, basta clicar aqui.


Quando falam em ‘austeridade’ e ‘ajustes’, governos tentam esconder arrocho
Comentários Comente

Mário Magalhães

Com Carequinha, palhaçada era do bem

Com Carequinha, palhaçada era do bem

 

Em pleno ano de 2015, os governos ainda recorrem ao surrado recurso de não chamar “arrocho” pelo nome, preferindo ludibriar a audiência com os eufemismos “ajuste” e “austeridade”.

Quando as administrações cortam despesas com educação, saúde e segurança, estão arrochando a população que depende de serviços públicos para ter uma vida menos sofrida e progredir.

Ao subtrair reais do salário mínimo ou tornar mais difícil o acesso ao seguro desemprego, o arrocho castiga os trabalhadores.

A corda do “sacrifício” arrebenta do lado mais frágil.

“Ajuste” e “austeridade” são palavras bonitinhas, não ferem ou incomodam, nem cócegas fazem.

Os eleitores gregos não se apuseram à “austeridade”, e sim ao arrocho.

“Arrocho”, ensina o Houaiss, é:

* “pedaço de madeira, torto e curto, usado para torcer e apertar as cordas que fixam fardos, cargas etc.;

por extensão, qualquer coisa que sirva para atar ou apertar;

* situação de emergência que exija sacrifícios, especialmente os de ordem financeira”.

Os governos _de Dilma a Pezão, de Alckmin a Sartori_ estão arrochando sem dó, sobretudo os mais fracos, no país de desigualdade obscena que é o Brasil.

Não empregam a expressão arrocho por medo das reações dos mais prejudicados e devido à hipocrisia atávica dos políticos.

Então, numa palhaçada maldosa, falam em “austeridade” e “ajustes”.

Com a cumplicidade costumeira do jornalismo, que só é crítico _e põe crítico nisso_ quando quer.

Palavras são navalhas, já cantava o Belchior.

Estão aí para serem empregadas honestamente. Basta querer.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Com clínicas fechadas no Rio, mulheres buscam outros Estados para abortar
Comentários Comente

Mário Magalhães

Como sabem amplos círculos da zona sul carioca mais endinheirada, os bairros de Botafogo (na própria zona sul) e Barra da Tijuca (zona oeste com pinta de zona sul) sediam duas das clínicas clandestinas de aborto mais frequentadas pelas mulheres de famílias de classe média para cima (aquelas que os sociólogos classificam como classe A).

Sediam, não: sediavam, como têm tomado conhecimento as pessoas que buscam essas clínicas.

Alarmadas com operações policiais contra estabelecimentos dedicados ao aborto, as duas clínicas tomaram a iniciativa de fechar as portas, ao menos por um tempo.

O aborto é proibido. A legislação prevê pena de detenção para médicos e assemelhados e também para a mulher que aborta.

Com as duas clínicas desativadas, muitas moradoras do Rio têm ido até outros Estados para interromper a gestação.

Em São Paulo, não apenas para a capital. Uma clínica de Campinas tem recebido cariocas.

Outro dia ouviu-se numa roda feminina: “Cuidado, que engravidar [e abortar] ficou mais caro”.

Em agosto e setembro, os serviços clandestinos de aborto provocaram a morte de uma mulher em Campo Grande (zona oeste) _de nome Jandira, ela pagaria R$ 4.500 pelo procedimento_ e de outra em Niterói.

A partir de então, a Polícia Civil promoveu operações de repressão contra o mercado do aborto.

A ilegalidade favorece médicos e carniceiros de toda ordem que não oferecem condições hospitalares dignas para as pacientes.

O aborto é questão de saúde pública, tal sua dimensão. Mas as mulheres continuam a ser tratadas como criminosas e a correr riscos graves.

As mais pobres não tem nem como ir a uma clínica clandestina: adotam métodos muito mais perigosos.

As que podem têm saído do Rio para abortar.

E outras vão morrendo, a maioria sem sair no jornal.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


‘A minha casa são os meus sapatos’
Comentários Comente

Mário Magalhães

O poeta Mário Gomes (1947-2014), na ilustração de Valber Benevides

O poeta Mário Gomes (1947-2014), na ilustração de Valber Benevides

 

A frase do título deveria ser o mantra de todo repórter digno do nome.

Era de autoria do poeta Mário Gomes, que morreu no último dia de 2014, aos 67 anos.

O xará era um homem das ruas. Vivia nas ruas de Fortaleza. Vivia de morar, embriagado entre versos e pinga.

O “poeta andarilho”, como o chamavam, deu-me a honra de prestigiar o lançamento de um livro meu no Ceará. Presenteou-me com alguns escritos.

Estava sempre por perto do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, que dias atrás atrás homenageou sua memória (copiei do convite a ilustração de Valber Benevides, autor de um lindo desenho que tenho em casa na parede da sala).

A musa cearense Maninha Morais lembrou qual era o endereço informado pelo seu amigo poeta: “A minha casa são os meus sapatos”.

#RIP Mário Gomes.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Motel aproveita apagões para fazer propaganda
Comentários Comente

Mário Magalhães

Reprodução de anúncio publicado em "O Globo", 22.jan.2015

Reprodução de anúncio publicado em “O Globo”, 22.jan.2015

 

Se o ar condicionado estivesse garantido, talvez o anúncio falasse em cobertor de orelha.

Mas alguém está lá pensando em ar condicionado?

( O blog está no Facebook e no Twitter )


E se Graça Foster for ladra?
Comentários Comente

Mário Magalhães

A presidente da Petrobras, Graça Foster - Foto Alan Marques/Folhapress

A presidente da Petrobras, Graça Foster – Foto Alan Marques/Folhapress

 

Tenho convicção de que não é, a julgar pelo testemunho de amigos e conhecidos que acompanham há muito tempo a trajetória da presidente da Petrobras.

A impressão é referendada pela investigação que devassa a empresa criada em 1953 e descobre uma falcatrua atrás da outra. Nenhuma com indício de participação de Maria das Graças Foster.

Até estourar o escândalo em curso, a imagem de competência da engenheira era praticamente unânime.

Graça Foster não é larápia. Mas se fosse?

Do noticiário recente, impressiona a autonomia que diretores e gerentes da Petrobras tinham ou têm para exercer de gatuno.

Existem conselhos e outros colegiados, mas está claro que suas funções são protocolares. Os mecanismos fiscalizadores não funcionam.

Noutras palavras, se executivos que não se tornaram cabeça da companhia roubaram tanto, confessadamente, imagina se um presidente quiser meter a mão no patrimônio alheio. O estrago será mais grave.

Depende-se da integridade do presidente, porque os controles são fragilíssimos.

A Petrobras foi criada contra interesses poderosos. Desde então foi sabotada pelos inimigos do monopólio estatal do petróleo. Nos anos 1990, eles lograram sucesso, e “o petróleo é nosso” virou slogan do passado, pelo menos “é ‘só’ nosso”. Hoje e ontem um consórcio de empresários privados e servidores públicos corruptos, incluindo políticos, sangra ainda mais a empresa que representou e representa uma conquista do povo brasileiro.

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Pro dia nascer feliz
Comentários Comente

Mário Magalhães

Janeiro de 2015, cinco e meia da manhã, litoral do Rio Grande do Norte.

( O blog está no Facebook e no Twitter )

*

Sem zoom, com uma câmera fotográfica de parcos recursos:

blog - sol 1

blog -sol 2

blog - sol 3

blog - sol 4

*

Com zoom:

blog - sol a

blog - sol b

blog - sol c

blog - sol d

 


Dias melhores virão
Comentários Comente

Mário Magalhães

blog - je suis charlie

 

Amigos, o blog faz um pit stop de duas semanas, para recarregar baterias.

Tomara que 2015 nos seja mais generoso do que esses tormentosos primeiros dias do ano.

Até a volta, antes da última semana de janeiro!

( O blog está no Facebook e no Twitter )


Historiadora francesa teme que ‘obsessão racista tome conta da sociedade’
Comentários Comente

Mário Magalhães

A historiadora Maud Cherio - Foto reprodução

A historiadora Maud Chirio – Foto reprodução

 

 

“O perigo é muito grande.” Essa é a análise da historiadora francesa Maud Chirio sobre a possibilidade de que o sentimento contra imigrantes recrudesça em seu país depois do atentado terrorista que matou 12 pessoas na quarta-feira. Existe um “perigo gigantesco de amálgama entre muçulmanos e fanáticos islâmicos”, disse ela em entrevista ao blog. “Que não caiamos, enquanto nação, nessa armadilha monstruosa.”

Maud, 34, é professora associada da Universidade Paris-Est Marne-la-Vallée. Sua especialidade é história contemporânea do Brasil. Obteve o doutorado na Universidade Paris I (Panthéon-Sorbonne) com a tese “A política dos militares: Mobilizações e revoltas de oficiais sob a ditadura brasileira (1961-1978)”. O trabalho resultou no livro publicado aqui como “A política nos quartéis” (Zahar, 2012). A historiadora é co-autora de um livro lançado na França em 2013 pela  editora Belin, “Révolutions: Quand les peuples font l’histoire” (“Revoluções: Quando os povos fazem a história”).

Além de compartilhar suas considerações sobre o que acontece na política da França, Maud deu um depoimento comovente sobre o impacto das mortes na alma dos franceses. Falou da “impressão de ter perdido vizinhos, amigos, parte da nossa cultura, da nossa infância e da nossa formação política e humana”. Cabu, no noticiário, era um grande cartunista. Para a geração de Maud, era também o apresentador de um programa infantil a que ela cresceu assistindo na TV.

Maud: “Eu não sei se meu pensamento está sereno o suficiente nesses dias, pois esses assassinatos me abalaram muito. Estou, de um lado, cercada de medos, às vezes contraditórios. Medo de que a obsessão racista acabe tomando conta da sociedade, que a democracia francesa conheça uma deriva de segurança parecida com a evolução repressiva da democracia americana após o 11 de setembro, que o fanatismo religioso manipule mais e mais crianças francesas que a sociedade não conseguiu integrar, que nosso modelo de laicidade não sobreviva a isso… Mas não consigo, por outro lado, não ter a esperança de que esses eventos sejam a ocasião de lembrarmos _sejamos nós muçulmanos, cristãos ou ateus, filhos, netos ou bisnetos de imigrantes_ que queremos mesmo viver juntos aqui, numa sociedade livre e tolerante”.

Leitora há 15 anos do jornal satírico “Charlie Hebdo”, cuja redação foi dizimada, a historiadora escolheu duas primeiras páginas que pensa resumirem bem o espírito da publicação.

Elas estão no pé da entrevista,  feita por e-mail e com Maud Chirio escrevendo perfeitamente em português e me poupando de barbeiragens de tradução do francês.

*

Qual o impacto nas ruas, no cotidiano da população francesa, do atentado contra o “Charlie Hebdo”?

 

Maud Chirio – No início houve um sentimento de incredulidade e estupor. As pessoas ficaram penduradas às rádios, aos sites de notícias, às redes sociais, descobrindo aos poucos o número de mortos, a violência e a eficácia trágica do atentado. Só se falava disso nos cafés, nas ruas, no metrô. Eu estava na capital, mas imagino que o ambiente estava parecido no resto do país.

 

As pessoas se ligavam para trocar informações. Em Paris, para saber se um amigo morando perto do prédio de “Charlie” tinha ouvido alguma coisa, se tal conhecido tinha sido ferido. No meu caso, também para não me sentir só.

 

Tentando analisar o ambiente geral e as minhas próprias reações, acho que a enormidade do choque veio, primeiro, da amplitude do atentado, um massacre como a França não tinha vivido havia meio século. Segundo, do fato de um jornal ter sido o alvo, ameaçando simbolicamente a liberdade de imprensa.

 

Não que “Charlie” seja um dos principais jornais franceses, longe disso. É um jornal de esquerda, provocador, que não se dirige a um público muito amplo. As caricaturas de políticos, artistas e figuras religiosas que povoam suas páginas, humorísticas e muitas vezes pseudo-pornográficas, incomodam e desagradam a muita gente.

 

Mas está claro para a esmagadora maioria das pessoas que Charlie tem um papel fundamental na nossa democracia, que é fazer uso da liberdade de expressão também quando o resultado incomoda certos setores da sociedade e não é consensual.

 

O fato de as religiões serem alvos privilegiados das piadas e caricaturas desse tipo de imprensa é algo que não é sempre fácil de entender e aceitar para quem é de fora. Mas vem de uma longa tradição nossa, desde as Luzes, que colocaram religiões não só como um sentimento íntimo, mas também com dogmas que podiam ser criticados e instituições de poder que se podia combater. Daí nasceu uma tradição anticlerical e às vezes antirreligiosa, que frequentemente utilizou a arma do humor para se expressar.

 

Às 14 horas da quarta-feira, começaram a ser divulgadas as identidades das vítimas. Isso foi provavelmente o maior choque emocional: quem tinha morrido eram pessoas muito famosas e populares, que constituíam referências políticas, culturais e até afetivas para diversas gerações de franceses, em particular de esquerda.

 

Assim, Cabu, 77 anos, era não só um caricaturista político, autor de quadrinhos humorísticos e crônicas sociais, mas também o apresentador de um programa infantil extremamente popular nos anos 80, na televisão pública. Eu mesmo fui criada com ele, assim como qualquer pessoa que tem entre 30 e 45 anos hoje. Wolinski, 80 anos, grande figura contestatária dos anos 70. Bernard Maris, 69, um dos principais economistas críticos na cena midiática francesa. Tignous e Charb, cartunistas mais novos, que retomavam aquela tradição de troça radical, alegre e impertinente oriunda do movimento de 68.

 

O espanto, a dor, o choque que estamos sentindo são, acho, consequência de tudo isso: o banho de sangue, o ataque indiscutível à liberdade de imprensa, e também a impressão de ter perdido vizinhos, amigos, parte da nossa cultura, da nossa infância e da nossa formação política e humana.

 

Você acredita que o morticínio fará aumentar o sentimento contra imigrantes e árabes na França?

 

Maud Chirio – Acho que o perigo é muito grande. O clima político na França já está muito pesado. Os imigrantes, africanos e/ou muçulmanos em particular, são apresentados como os bodes expiatórios sistemáticos por um partido em ascensão eleitoral fulgurante, a Frente Nacional, de Marine Le Pen (partido mais votado nas últimas eleições europeias).

 

Grupos políticos sempre mais violentos, “intelectuais” e jornais conservadores contribuíram muito para esse clima nojento. Até alguns anos atrás quem votava pela FN dificilmente confessava isso em público. Agora, quase em todo o território, a fala está liberada, e os discursos xenófobos e racistas podem ser feitos em praça pública.

 

Os árabes e os muçulmanos já estão sendo acusados por essas correntes de roubar os empregos dos “franceses da gema” e de desnaturar a cultura gaulesa: só faltava convencer o eleitor que existe, também, um perigo terrorista no próprio solo por causa deles.

 

Acho (ou espero) que a maioria da classe politica não compactua com as teses da Frente Nacional. Que o mundo associativo e sindical, a melhor parte da mídia tomem consciência do perigo gigantesco deste amálgama entre muçulmanos e fanáticos islâmicos. E que não caiamos, enquanto nação, nessa armadilha monstruosa.

 

Quem falou muito bem disso foi o advogado e intelectual francês Robert Badinter, que foi o ministro da Justiça que aboliu a pena de morte em 1981. Ele escreveu nesta quinta-feira [8 de janeiro] no jornal “Libération”: “Devemos pensar nessa hora na armadilha política em que os terroristas querem que nós caiamos. Aqueles que gritam ‘Allahou akbar’ [‘Deus é o maior’] assassinando outros homens, estes estão traindo por fanatismo o ideal religioso que reivindicam. Eles esperam também que a raiva e a indignação que sublevam a nação encontrem, em certas pessoas, sua expressão numa rejeição e numa hostilidade contra todos os muçulmanos da França. Isso criaria um abismo entre os muçulmanos e os outros cidadãos. Acender o ódio entre os franceses, suscitar pelo crime a violência intercomunitária, isso que é o objetivo deles, além da pulsão mortífera que leva esses fanáticos a matar em nome de Deus. Recusamos o que seria sua vitória, os amálgamas injustos e as paixões fratricidas”.

 

O lado trágico dessa história é que um dos maiores inimigos políticos da extrema-direita é, justamente, “Charlie Hebdo”. Seus jornalistas e cartunistas foram de todos os combates antirracistas, a favor do acolhimento mais humano de imigrantes, contra o imperialismo e o pós-colonialismo. Eram profundamente pacíficos, progressistas, ecologistas, hostis a todos os extremismos e herdeiros de uma cultura esquerdista de contestação das autoridades.

 

Esse atentado foi, a meu ver, um puro produto do obscurantismo e da tradição da violência fascista contra a filosofia das Luzes e o pensamento livre. A sociedade francesa está, portanto, confrontada com dois extremismos que acabam fazendo o jogo um do outro.

 

E na Europa, quais devem ser as consequências?

 

Maud Chirio – Ainda é cedo para saber de possíveis consequências. O que vimos por enquanto foram os movimentos de solidariedade na Europa toda, que nos tocaram muito, em particular porque estão acompanhados da consciência de uma história e de um destino comuns. A ascensão de movimentos populistas e xenófobos, a rejeição de uma imigração de cultura muçulmana por certos setores da população, a tradição de laicidade dos Estados, a liberdade da imprensa e o crescimento dos fanatismos religiosos são fenômenos comuns a diversos países do continente.

 

A Frente Nacional, da ex-candidata a presidente Marine Le Pen, fica mais forte para as eleições presidenciais de 2017?

 

Maud Chirio – Tudo que atiça ódios serve a ela, que já estava muito forte. Por isso, estou bastante pessimista. Entretanto, não acho que ela tenha sido muito hábil nas últimas 24 horas. Já propôs o restabelecimento da pena de morte para os responsáveis pelo atentado, que nem foram presos ainda. Foi muito fora de contexto e (felizmente) ela ficou sozinha nessa. Ela também não lidou bem com o fato de não ter sido convidada a se manifestar, no próximo domingo, junto com as outras forças políticas.

 

Sei que os historiadores gostam de tratar de temas mais pretéritos, mas pergunto: quais são suas impressões taquigráficas, a quente, sobre o impacto do atentado na vida francesa nos próximos anos?

 

Maud Chirio – Eu não sei se meu pensamento está sereno o suficiente nesses dias, pois esses assassinatos me abalaram muito. Estou, de um lado, cercada de medos, às vezes contraditórios. Medo de que a obsessão racista acabe tomando conta da sociedade, que a democracia francesa conheça uma deriva de segurança parecida com a evolução repressiva da democracia americana após o 11 de setembro, que o fanatismo religioso manipule mais e mais crianças francesas que a sociedade não conseguiu integrar, que nosso modelo de laicidade não sobreviva a isso… Mas não consigo, por outro lado, não ter a esperança de que esses eventos sejam a ocasião de lembrarmos _sejamos nós muçulmanos, cristãos ou ateus, filhos, netos ou bisnetos de imigrantes_ que queremos mesmo viver juntos aqui, numa sociedade livre e tolerante.

 

Pergunta pessoal: o que a fez ir à rua na noite de 7 de janeiro para se manifestar, com milhares de pessoas, aí em Paris?

 

Maud Chirio – Era um momento histórico, nesse momento você tem que ir pra rua. Eu estava muito triste e precisava compartilhar minha mágoa com outras pessoas. Foi também uma maneira de mostrar minha solidariedade aos sobreviventes do jornal, às famílias e amigos das vítimas, ao mundo do jornalismo que estava de luto. Por fim, foi também, na minha pequena escala, um ato de resistência.

 

Você gostaria de fazer alguma outra observação?

 

Maud Chirio – “No pasarán.”

 

*

 

 

blog - maud charlie 1

“O papa no Rio – ‘Disposto a tudo para arrumar clientes!’” (2013)

 

blog - maud charlie 2

“O amor mais forte que o ódio” (2011)