Presente de Natal: um tremendo livro na praça
Mário Magalhães
Não é preciso chegar ao fim de ''O oitavo selo'', e foi impossível parar antes do ponto final, para perceber que se disseminou uma impressão enganosa, quase pegadinha, sobre o maravilhoso livro de ''Heloisa Seixas'': o protagonista seria o herói do ''quase romance'', Ruy Castro, ludibriando a morte como o toureiro a bailar com sua capa colorida, cara a cara com o bicho em fúria.
É mesmo espetacular a bravura do jornalista, cronista, biógrafo, romancista, homem de ideias, gente boa, marido da autora e sobretudo torcedor do Flamengo: a magra fustiga de frente, pela retaguarda e pelos flancos, e o Ruy a finta com a leveza de Júlio César-Uri Geller e a bravura de Rondinelli-Deus da Raça.
As tiradas engraçadas do toureiro, diante dos ataques furibundos de tumores aqui e acolá, enfarte, dependência de drogas, alcoolismo, vírus no cérebro, confortam com riso. Sua altivez, até quando o touro parece pronto para guampeá-lo sem apelação, comovem nas passagens mais dolorosas.
O cabra é mesmo valente.
Mas quem mais emociona na reconstituição e imaginação das jornadas de luta é a autora, que esteve com Ruy em muitas das batalhas travadas e vencidas. Sua devoção ao companheiro a torna o verdadeiro protagonista, generoso e corajoso, do livro.
Heloísa não conta o que tem lastro nos fatos _Ruy foi mesmo vítima da coleção de doenças e oportunismos descritos_ e o que foi inventado.
Não muda em nada, talvez valorize, o feito artístico: tantas e tantas vezes matéria-prima de primeira _a realidade que supera a ficção_ se transformou num quase nada literário ao virar narrativa.
''O oitavo selo'', livro de título bergmaniano editado com esmero pela Cosac Naify, é um tremendo presente de Natal.