Rio: Eduardo Campos Lima lança o livro ‘Coisas de jornal no teatro’
Mário Magalhães
Augusto Boal (1931-2009) foi um dos mais criativos pensadores, encenadores e autores do teatro nacional. É provável que seja o brasileiro mais conhecido e influente no teatro mundial, em virtude da disseminação do seu Teatro do Oprimido.
No DNA do Teatro do Oprimido está o ''Teatro Jornal'', última peça dirigida por Boal no Teatro da Arena, na aurora da década de 1970, quando a ditadura cuspia labaredas.
O pesquisador Eduardo Campos Lima investigou a história dessa ousada e vigorosa montagem baseada em notícias veiculadas pela imprensa.
Seu livro ''Coisas de jornal no teatro'' (Expressão Popular) será lançado aqui no Rio no próximo sábado, na Biblioteca Parque Estadual, na avenida Presidente Vargas. A partir das 15h30.
Às 16h30, haverá palestra de um dos nossos grandes diretores teatrais, Aderbal Freire-Filho, também ator de responsa, como se vê na série ''Dupla identidade''.
Abaixo, reproduzo a apresentação e a orelha do livro.
Até o sábado!
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O surgimento do Teatro do Oprimido e a última peça de Augusto Boal no Teatro de Arena
Livro conta a história do Teatro Jornal ou Jornal Vivo, forma teatral de encenação de notícias surgida na Revolução Russa, praticada nos EUA de Roosevelt e reinventada no Brasil em 1970, no Teatro de Arena de São Paulo, sob direção de Augusto Boal
Teatro Jornal: Primeira Edição, de 1970, foi a última peça dirigida pelo teatrólogo Augusto Boal no Teatro de Arena de São Paulo – e foi a primeira das experiências teatrais que ele agruparia, anos depois, entre as metodologias do Teatro do Oprimido.
A peça foi criada por um grupo de jovens artistas que ingressou no Teatro de Arena no fim da década de 1960. Com o Ato Institucional nº 5 (o AI-5), decretado em 13 de dezembro de 1968, a censura prévia praticamente impossibilitava que o teatro de oposição ao Regime Militar continuasse a denunciar a repressão política e a construir, em aliança com movimentos estudantis, uma frente cultural contra a Ditadura. Nesse quadro, Boal sugeriu aos jovens atores que buscassem estruturar uma peça inteiramente baseada em notícias de jornal já publicadas – e, portanto, liberadas pela censura.
Os seis atores – Edson Santana, Dulce Muniz, Hélio Muniz, Elísio Brandão, Celso Frateschi e Denise Del Vecchio – criaram por alguns meses diferentes cenas: algumas delas eram dramatizações puras de uma determinada notícia; outras expunham contrastes entre o que era noticiado e a realidade concreta da Ditadura Militar; outras cenas, ainda, mostravam o que as reportagens não podiam esclarecer. Tudo isso era feito com recursos teatrais variados, muitos deles relacionados ao teatro político europeu. Desde o fim dos anos 1950, o trabalho dos teatrólogos alemães Bertolt Brecht e Erwin Piscator tornava-se mais e mais conhecido no Brasil.
Ao voltar de uma turnê internacional com parte do elenco do Arena, Augusto Boal viu o que o coletivo havia criado e reconheceu a potência artística daquelas formas, decidindo sistematizá-las em nove técnicas de Teatro Jornal: Leitura Simples, Dramatização, Leitura com Ritmo, Ação Paralela, Reforço, Leitura Cruzada, Histórico, Entrevista de Campo e Concreção da Abstração. Teatro Jornal: Primeira Edição fazia uma exposição dessas técnicas, com o objetivo de estimular os espectadores a organizar seus próprios coletivos de Teatro Jornal e praticar essas e outras formas de encenação de notícias. Foi o que aconteceu: ao longo de pouco mais de um ano de trabalho, surgiram em diversas regiões do Brasil – e também na Argentina e no Uruguai – pelo menos 70 grupos de Teatro Jornal.
Pouco depois, com o endurecimento da repressão, Boal teve que partir para o exílio; o Teatro de Arena de São Paulo acabou sendo fechado em 1972. Mas o Teatro Jornal sobreviveu, sendo levado por Boal a diferentes países da América Latina e, pelos jovens atores que o criaram, às periferias de São Paulo – onde a metodologia ajudou a organizar a resistência à Ditadura Militar durante a década de 1970.
Essa é a história que narra o livro Coisas de Jornal no Teatro, do jornalista e pesquisador Eduardo Campos Lima. O estudo apresenta uma leitura detalhada de Teatro Jornal: Primeira Edição, embasada em pesquisa documental inédita e em depoimentos dos criadores colhidos pelo autor – todos eles incluídos integralmente no volume.
O livro aponta na Rússia revolucionária as origens do Teatro Jornal brasileiro. Naquela época, milhares de coletivos de artistas-militantes encenavam Jornais Vivos, forma teatral fundamentada na teatralização de notícias. O gênero rapidamente chegou aos Estados Unidos, onde, na década de 1930, foi incorporado pelo Projeto de Teatro Federal, iniciativa do governo de Franklin Roosevelt para empregar milhares de artistas de teatro desempregados, na época da Grande Depressão. Entre 1935 e 1939, os Jornais Vivos estadunidenses (ou Living Newspapers) levaram a teatros do país inteiro centenas de milhares de espectadores, abordando em cena assuntos como desemprego, problemas habitacionais, crise na produção de alimentos e geração de energia pelo Estado. O mais radical dos Living Newspapers era Injunction Granted (ou Liminar É Concedida), de 1936, que faz um apanhado histórico da perseguição aos sindicatos nos Estados Unidos pelo Poder Judiciário. O livro analisa a peça e inclui o depoimento de um de seus principais atores, Norman Lloyd – hoje com 100 anos de idade.
Augusto Boal estudou nos EUA, na década de 1950, e teve notícia dos Living Newspapers. Em 1962, com seu companheiro de atuação no Arena Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha, ele concebeu uma revista semanal de notícias encenadas, mas o projeto não chegou a ser realizado. Apenas em 1970 ele poderia concretizar o plano – com o qual daria início à grande experiência do Teatro do Oprimido.
Coisas de Jornal no Teatro inclui fotos de Injunction Granted e imagens inéditas de Teatro Jornal: Primeira Edição, produzidas pelo fotógrafo e professor aposentado da USP Victor Knoll.
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Fazer muito a partir de muito pouco: tarefa de pesquisador que alia ao faro detetivesco qualidades de analista crítico estudioso e arguto. Assim é Eduardo Campos Lima, que recupera as realizações do Teatro Jornal, do qual ficaram minguados registros, dadas as próprias características da modalidade, bem como as circunstâncias adversas em que apareceu.
O Teatro Jornal, iniciado no Teatro de Arena de São Paulo, sob direção de Augusto Boal, em 1970, dando origem a dezenas de grupos, que disseminaram a modalidade, é marco importantíssimo do teatro brasileiro de resistência à ditadura. Faltavam estudos sobre ele, vistas as dificuldades da empreitada. Finalmente alguém as superou, e nos oferece essa página do nosso teatro militante, reconhecível em seu alcance e em seus limites.
Indo além, o pesquisador nos revela outro objeto pouco estudado e conhecido no Brasil: o teatro de agitação e propaganda realizado nos Estados Unidos, na década de 1930. Refaz a história do Federal Theatre Project e analisa uma de suas peças. Conta Eduardo que não conseguiu a liberação do texto da peça para esta publicação. Não se perde muito. A análise é tão bem feita que reconstitui a peça em sua quase integridade.
Destaque-se que as duas experiências (do Federal Theatre e do Teatro de Arena) são devidamente consideradas nas relações com as circunstâncias em que se originam, como parte de um processo histórico do qual partem e no qual intervêm.
Eduardo Campos Lima nos fala da “sempre mal contada história do teatro de agitação e propaganda”. De fato, história que não tem tido a atenção merecida, e – pior – tem sido distorcida em nome de convenções e conveniências (teatrais ou não). Preenchendo a lacuna, este livro, além de dar relevo às duas experiências que são objeto de análise, retoma os marcos principais do teatro de agitprop.
Três linhas de informação que, habilmente tecidas, se abrem em contribuições valiosas para quantos se interessem por um teatro que ultrapassa limites das convenções e se afirma como meio de intervenção social.
Claudia de Arruda Campos