Chegou a hora da demonização dos ‘marmiteiros’
Mário Magalhães
Um breve preâmbulo, sem intenção professoral: com o fim da ditadura do Estado Novo (1937-1945), sobreveio a eleição presidencial direta, em 2 de dezembro 1945. Os dois candidatos mais fortes eram altos oficiais das Forças Armadas: Eurico Dutra, do Exército, e Eduardo Gomes, da Aeronáutica. Deposto, o ditador Getulio Vargas apoiou Dutra. Sem traquejo político, o brigadeiro falou com desprezo da malta getulista que sufragaria o marechal. Um acólito de Vargas copidescou com malícia a declaração, espalhando que Eduardo Gomes zombara dos ''marmiteiros''. Isto é, maldissera o povo simples, que levava comida em marmita para o trabalho.
A versão pegou, e ajudou Dutra a jantar Eduardo Gomes nas urnas.
Desde então, embora a expressão marmiteiros tenha caído no esquecimento, em todas as eleições os eleitores mais pobres são menosprezados como ignorantes que, como diria o Pelé, não sabem votar.
Isso vai acontecer de novo agora. Muitos sabichões tripudiarão sobre cidadãos _sem muitos direitos da cidadania, mas cidadãos_ como aqueles que ganham até dois salários mínimos, sejam eles eleitores da presidente Dilma Rousseff, que vai ganhar fácil o primeiro turno (mas provavelmente com menos de 50%), ou do governador Geraldo Alckmin, que em proporção terá ainda mais votos.
Para certos ditos bem esclarecidos, o povão inculto não sabe escolher.
Não imaginam esses demofóbicos, para empregar a sacada do jornalista Elio Gaspari, que os brasileiros mais pobres provavelmente têm mais consciência ao votar.
Porque da sua decisão pode depender um prato de comida, a escola para o filho e a chance de transformar em realidade o sonho de uma casa.
Nem o tempo apaga a intolerância: determinada intelligentsia vai continuar detonando os marmiteiros, que como sempre sabem o que fazem e querem ao digitar os números nas urnas.