Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : maio 2014

Sem Thiago Alcântara, Espanha perde maior esperança de superar cansaço
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Mário Magalhães

O meia Thiago Alcântara em partida pela seleção espanhola

Thiago joga muito, mas vive contundido – Foto Ariel Schalit/AP

 

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Se Xavi Hernández repetir sua temporada pelo Barcelona e o desempenho pela Espanha na Copa das Confederações, o técnico Vicente Del Bosque terá imensas dificuldades para superar a principal deficiência que acomete sua seleção, bem como o Barça: a velocidade na troca de passes, que vigorava no auge de Xavi, deu lugar à lentidão que facilita as defesas adversárias.

Aos 34 anos, o craque, tremendo craque catalão passou a administrar o jogo de acordo com suas possibilidades físicas. Ele contamina os times com seu cansaço.

O maior trunfo de Del Bosque para reviver o ritmo dos melhores tempos de Xavi era o jovem Thiago Alcântara, nascido na Itália, filho do brasileiro Mazinho e, por opção, jogador da Espanha, onde passou boa parte da vida.

O problema é que, como sabemos, Thiago, 23, estourou de novo o joelho direito, será operado e perderá a Copa iminente. Sua ausência não constitui o mero contratempo com que tem sido noticiada. É uma catástrofe para o time.

Em tese, a atual campeã vem com um meio-campo melhor que o da Copa das Confederações, porque regressa Xabi Alonso, que em 2013 estava contundido. Assim, Busquets, solitário volante no ano passado, volta a ter a companhia de seu companheiro de 2010. A Espanha joga com dois volantes que sabem jogar, e como.

A dúvida é quem estaria pela direita do meio, tradicional lugar de Xavi na seleção. Thiago seria o sucessor natural, se o técnico tivesse a coragem de mudar. Pensa e passa rápido. Não é veloz nas pernas arqueadas de caubói montado no cavalo, porém faz a bola correr.

Se Xavi é o recordista de toques na bola em jogo de Eurocopa, Thiago mal estreou no Bayern e, meses atrás, estabeleceu nova marca de passes numa só partida da Bundesliga. Suas recorrentes contusões enfraqueceram a equipe alemã, que sem ele acabou humilhada pelo Real Madrid na Champions League.

Outra opção para substituir Xavi é Cesc Fàbregas, 27. No Barcelona, contudo, ele costuma se posicionar mais à esquerda, embora às vezes seja escalado pela direita do meio-campo. Não faz boa temporada, e a torcida o tem vaiado.

Sem Thiago, talvez Del Bosque mantenha Xavi. O grande jogador terá tempo para descansar e se preparar bem para a Copa.

De sua evolução, a Espanha, uma das quatro favoritas (com Brasil, Alemanha e Argentina), dependerá para chegar mais forte.

Como devoto do bom futebol, torço muito para Xavi brilhar em seu derradeiro Mundial, mas sei que não será fácil.


Não vai ter Copa, e sim duas Copas. Uma tentará engolir a outra
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Mário Magalhães

Cartaz afixado na Cidade Universitária, USP

 

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Na tarde desta quarta-feira, quando estive na USP para participar de um simpósio sobre futebol, deparei-me com o cartaz acima.

O prognóstico está errado, e a bandeira é irreal.

Vai ter Copa.

A quatro semanas da estreia, a novidade é que, ao contrário do que por anos se supôs, não haverá uma Copa no Brasil, e sim duas.

A primeira será disputada nos gramados, com a previsão de grandes seleções, com mais excelência esportiva do que nas edições anteriores da competição.

A segunda será jogada nas ruas, com manifestantes contrários à realização do Mundial ou revoltados com a dinheirama pública torrada, inclusive com estádios que, era essa a promessa original, não deveriam consumir um tostão dos contribuintes.

Resmungam os anti-protestos com a escolha deste momento para reivindicar. Queriam o quê? Que as numerosas categorias em greve deixassem para depois da Copa, quando governantes e patrões não lhes dariam ouvidos? O pessoal não é parvo, e quem não chora não mama.

Se a seleção brasileira prosperar em campo, talvez os movimentos programados arrefeçam. Talvez.

Caso as manifestações engrossem como em junho de 2013, a Copa é que diminuirá de tamanho, e a Fifa e os governos já ficarão felizes se chegar ao fim.

Se a abertura fosse hoje, o mais provável é que houvesse menos manifestantes do que no ano passado, mas com a diferença da entrada em cena de trabalhadores organizados, com ou sem o amparo dos sindicatos.

Mas falta quase um mês, e tudo é muito imprevisível. No Rio, por exemplo, as passagens dos transportes públicos-privados aumentam nos próximos dias. Haverá protestos?

Hoje há, em muitas cidades, contra a Copa.

Elas serão duas, e uma tentará engolir a outra.

Por ora, a única certeza é que os repórteres terão tanto trabalho fora quanto dentro dos estádios. Quem diria…


Nem Eurico Miranda faria tão mal à alma do Flamengo como os atuais cartolas
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Mário Magalhães

jayme de almeida

Jayme, demitido de forma “asquerosa” – Foto reprodução UOL

 

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Nem o vascaíno Eurico Miranda, disfarçado de rubro-negro, com todo o apetite de Dick Vigarista e vestindo uma daquelas máscaras inigualáveis do agente Ethan Hunt em “Missão Impossível”, seria capaz de fazer tão mal aos torcedores do Flamengo como os cartolas que hoje tocam o clube.

É indesculpável o que eles fizeram ao demitir Jayme de Almeida sem avisá-lo, humilhando-o publicamente. O técnico passou horas e horas dando entrevistas a jornalistas que, ao contrário dele, já sabiam de sua queda.

Já seria um comportamento sádico com qualquer treinador. Mas foi muito pior com Jayme, prata da casa, ex-jogador da Gávea, filho de ídolo rubro-negro, membro de uma dinastia que tanto orgulha _ou deveria orgulhar_ o Flamengo.

Em entrevista ao vivo ao “Bate-Bola”, Jayme qualificou de “asquerosa” a forma como se livraram dele. Está coberto de razão.

É possível que com Ney Franco o time evolua, mas não é de desempenho esportivo que se trata aqui. É direito dos clubes, na pior tradição, trocarem de treinador depois de resultados adversos. Mesmo que o técnico penasse com um elenco muito fraco, fruto de uma política tacanha que pensa que finanças só se equilibram cortando drasticamente investimentos.

O Flamengo perdeu muito dinheiro ao ser eliminado na primeira fase da Libertadores. Fracassou também porque não contratou. Mas trouxe para ganhar uma fortuna um perna-de-pau como Carlos Eduardo. Sem falar de outros jogadores horríveis.

Depois da lamentável gestão de Patrícia Amorim, o investimento rareou e foi mal feito. Alecsandro, um reserva em clubes com torcidas menores do que a do Flamengo, hoje é bambambam no Ninho do Urubu. O gorducho André Santos, em fim de carreira, é dos mais bem pagos da equipe.

Os ingressos caríssimos levam menos público aos estádios. Pois os dirigentes deveriam saber que casa cheia provoca impacto midiático enorme, o que resulta em contratos publicitários muito melhores.

O pior é não entender a genética do clube popular, majoritário em todas as classes sociais. Ao afastar os torcedores menos abastados ou mais pobres, o Flamengo ofende seu passado e avilta seu caráter, desde que no começo do século XX um grupo de pioneiros rompeu com as Laranjeiras, foi treinar em praça pública e assim conquistou corações sem fim.

Parece que a atual diretoria, com “cabeça de mercado”, ignora a genética rubro-negra. É como se fosse um corpo estranho, incompatível com o sangue do clube.

E não venham falar em ética, porque cartola que opera ao mesmo tempo como empresário ou executivo do setor comunicações-esporte evidencia conflito de interesses que hoje afeta o Flamengo.

A direção do clube vilipendia a alma dos torcedores, ofende seus valores mais caros.

Se, disfarçado, o Eurico Miranda tomar o controle do clube para sabotá-lo, não será mais cruel com o Flamengo do que os atuais mandatários têm sido.


No Rio, FGV promove seminário ‘Por uma História Política do Futebol’
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Mário Magalhães

 

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No dia 29 de maio, a Fundação Getulio Vargas, no Rio, promoverá o seminário “Por uma História Política do Futebol”.

Com palestras, debates e exibição de filmes, o evento é organizado pelo CPDOC (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) e reverencia a memória do professor Carlos Eduardo Sarmento.

O seminário será aberto pelo grande historiador rubro-negro Bernardo Buarque, professor do CPDOC/FGV e um dos mais talentosos pesquisadores do futebol no país.

Em seguida, terei a honra de falar a respeito de grandes reportagens sobre o futebol brasileiro.

A programação completa está lá em cima.


São Paulo recebe 2º Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol
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Mário Magalhães

 

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Começa nesta terça e vai até a sexta-feira, em São Paulo, o 2º Simpósio Internacional de Estudos Sobre Futebol.

Na quarta-feira, a partir das 14h30, terei a honra de participar da mesa-redonda “Olhares sobre o jornalismo esportivo contemporâneo”, ao lado do jornalista Marcelo Barreto (SporTV) e do professor Francisco Pinheiro (Universidade de Coimbra), com mediação do professor José Carlos Marques (Unesp-Bauru/Ludens).

Programação completa e informações sobre inscrição podem ser consultadas clicando aqui.

O simpósio é promovido pelo Museu do Futebol, pelo Ludens (Núcleo Interdisciplinar de Estudos sobre Futebol e Modalidades Lúdicas, do Departamento de História da Universidade de São Paulo), pela Biblioteca Mário de Andrade e pela Fundação Getulio Vargas.


Fla-Flu dá motivo para Felipão festejar: Fred voltou a jogar muito bem
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Mário Magalhães

O atacante Fred comemora gol do Fluminense sobre o Flamengo, no Maracanã

Fred festeja seu gol no Fla x Flu – Foto Nelson Perez/Divulgação/Fluminense

 

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Não são apenas os tricolores que têm o que festejar com a merecida vitória dominical de 2 a 0 no Fla-Flu, mas também torcedores de outras cores, excluindo os rubro-negros, a não ser que sejam mais Brasil do que Flamengo: depois de tempos bicudos, abatido por lesões que o perseguem como os zagueiros mais determinados, Fred demonstrou que evolui bem para a Copa.

Atacante de bons recursos técnicos, Fred depende da sua condição atlética mais do que outros jogadores. Ele ainda não está tinindo, saiu cansado no segundo tempo, mas jogou muito bem. Felipão deve ter vibrado mais do que muitos torcedores do Flu _só não mais do que o Parreira, que além de prócer da comissão técnica da seleção torce pelo clube das Laranjeiras.

A aposta de Felipão é que Fred reproduza sua recuperação do ano passado. Depois de várias semanas parado por contusão muscular, um mês antes da Copa das Confederações ele voava no Flu. Acabou decisivo no torneio-ensaio do Mundial.

Ontem, Fred lutou, incomodou, orientou a equipe. E definiu, ao abrir de cabeça o placar. Foi um gol difícil, em escanteio, parado quase na linha do gol. É claro que a defesa do Flamengo falhou de modo bisonho, mas quem tirou a concentração do goleiro Felipe (que errou também no segundo gol) e do volante Cáceres, dupla cascuda, foi Fred.

Se ele jogar na seleção o que está jogando novamente pelo Fluminense, o Brasil chegará ainda mais forte à Copa.


Uma conversa com Flávio e Zezé, os técnicos da seleção nas Copas de 50 e 54
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Mário Magalhães

blog - flavio e zeze vale

“Folha de S. Paulo”, 16 de abril de 1995

 

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Em campo, uma era o Alicate, e o outro, o Zé Cavalo. Lutavam _e às vezes batiam_ muito.

Tornaram-se dois grandes treinadores, gigantes do futebol brasileiro.

Flávio Costa, o Alicate, comandou a seleção na fatídica Copa de 50. Zezé Moreira, o Zé Cavalo, na de 54.

Foram os Mundiais do complexo de vira-latas, como diria Nelson Rodrigues. Em 58, o Brasil papou seu primeiro caneco.

Quando conversei com os dois, 19 anos atrás, eu me senti, com razão, um sortudo: passar três horas ouvindo Flávio e Zezé compartilharem suas memórias e ideias.

Hoje tenho consciência de que aquele bate-papo constitui um documento histórico.

Pena que não consegui recuperar as fotos feitas pelo meu companheiro de matéria, o amigo André Villaron, tremendo fotógrafo. Reproduzi acima as duas páginas em que a entrevista foi publicada, na edição da “Folha de S. Paulo” de 16 de abril de 1995.

Zezé morreria em 1998 (alô, Wikipedia, ele nasceu em 1907, e não 1917). Flávio, no ano seguinte.

Como se vê pelos depoimentos abaixo, eles vivem na história do futebol.

* * *

Flávio Costa, 88, troca figurinhas com Zezé Moreira, 87, sobre o futebol dos 90

Os técnicos da seleção brasileira nas Copas do Mundo de 50 e 54 se reencontraram 60 anos após trabalharem juntos pela última vez

A convite da Folha, Flávio Costa, 88, e Zezé Moreira, 87, conversaram sobre futebol durante três horas.

Depois de, como jogadores, terem sido adversários e integrado a mesma equipe, eles voltaram ao estádio do Flamengo. Lá, em 1935, Flávio era o técnico, e Zezé, o meia defensivo da equipe.

Flávio, vice-campeão mundial no Brasil (1950), e Zezé, eliminado nas quartas-de-final na Suíça (1954), continuam fascinados por futebol.

Flávio ainda vai ao estádio da Gávea (zona sul do Rio) para ver o seu Flamengo. O botafoguense Zezé acompanha seu time pela TV.

Raramente se vêem. É a primeira vez que vão juntos à Gávea desde 1935. Colecionam mais opiniões comuns do que divergências.

Ambos defendem Mario Jorge Zagallo como técnico da seleção brasileira. Flávio critica o atacante Bebeto e Zezé elogia o meia defensivo Mauro Silva.

Contam histórias de triunfos e fracassos, de erros e acertos, de violência e pancadaria.

Zezé escala o mitológico jogador Friedenreich em sua seleção brasileira de todos os tempos. Flávio prefere Zizinho.

Falam sem parar sobre futebol.

A seguir, os melhores trechos da entrevista com dois dos mais importantes treinadores do futebol brasileiro, realizada na Boca Maldita, o local da Gávea onde velhos esportistas se reúnem nos sábados e domingos para discutir futebol.

*

Quando os senhores se conheceram?

Flávio Costa – Em 1930, 1928, 1929, mais ou menos por aí. Eu já jogava no Flamengo. O primeiro clube em que joguei no Rio foi o Helênico, em 1924.

Zezé Moreira – Eu comecei no Esporte Clube Brasil, em 1928. O clube ficava na praia Vermelha (zona sul do Rio).

Flávio – Era para eu ter vindo antes para o Flamengo. Entrei na escola militar e, para me livrar do trote, fiz cupinchada com os caras do segundo ano que jogavam no Helênico. Eu era center-half (volante), como o Zezé. O centro-médio jogava mais parado que hoje, dali irradiava o jogo.

Os senhores, depois de se enfrentarem por seus clubes, chegaram a jogar juntos pelo Flamengo.

Zezé – O Flamengo fez uma excursão a Uruguai e Argentina e pediu reforço ao Clube Brasil.

Flávio – Formamos a seguinte linha média: Zezé, eu e Canalle. Com a introdução do profissionalismo (1933), você foi para o Palestra Itália, em São Paulo, não é?

Zezé – Não. Fui contratado em 1933 pelo América do Rio. No ano seguinte fui para o Palestra (como era denominado então o atual Palmeiras).

Na opinião dos senhores, a seleção brasileira campeã mundial em 94 era melhor do que as de 50 e de 54?

Flávio – Olha, eu respeito os analistas da TV Bandeirantes, mas eles são muito facciosos. Combateram muito a seleção brasileira e sobretudo o Parreira. Deram o prêmio de figura da seleção na Copa ao preparador físico (Moraci Sant’Anna). É como você pegar um quadro de Portinari e, em vez de elogiar o pintor, elogiar a Casa das Tintas. Por melhor que o Moraci fosse, a direção era do Parreira.

E o time de 94?

Flávio – Mesmo levando em conta erros cometidos, a preparação foi extraordinária. Nós, torcedores, queríamos avaliar o Taffarel. Não conseguimos. O adversário não chegava ao nosso goleiro.

Zezé – A parelha de zagueiros, Aldair e Márcio Santos, foi das melhores que apareceu. O meio-campo não deixou a bola chegar. Esse Mauro Silva é um grande jogador.

Flávio – Ele saiu do Bragantino e o time desapareceu. Foi para um time de merda, o La Coruña (Espanha), onde jogava o Bebeto, e a equipe quase foi campeã. Como você sabe, o Bebeto não leva nenhum time para frente. Ele recebe bola e faz gols porque é habilidoso, mas não dá campeonato a ninguém.

Em relação à década de 50, o futebol atual é mais ou menos bonito?

Zezé – Agora não tem beleza. O que modificou o futebol foi a preparação atlética. No tempo em que Flávio e eu jogávamos, nossa preparação era muito deficiente.

Flávio – Quando comecei, eu treinava só uma vez por semana.

Zezé – Hoje a preparação deu tudo o que necessita um jogador -velocidade. O center-half, como nós, tinha conhecimento da posição, passava bem, lançava bem, mas atuava sempre parado.

Flávio – A gente jogava sempre com os extremas desmarcados no ataque. Meu treinador ensinava a chutar a bola do meio do campo em direção à bandeirinha do córner. Era um passe para o extrema. No passado era mais fácil jogar, havia mais espaço.

Zezé – Outro dia eu estava vendo o Gérson (ex-jogador, hoje comentarista de futebol) falar sobre isso. Ele estava criticando a seleção brasileira porque fulano não sabe passar. Eu joguei com o pai do Gérson, Clóvis, que jogava direitinho. Na época do Gérson, os jogadores paravam a bola, olhavam, caminhavam. Agora, quando se pára a bola, tem três em cima de você. A combatividade fez com que o futebol perdesse um pouco da sua classe. Eu estava vendo um jogo na Inglaterra pela televisão, esses dias. Em 20 minutos de jogo, houve 21 faltas. O sujeito combate, luta, corre, marca, faz tudo. A verdade é que o futebol não retrocedeu. O futebol evoluiu.

Quem são os grandes craques brasileiros hoje?

Zezé – Nas eliminatórias da Copa, em 1993, eu concordei com o Zagallo (então auxiliar técnico) e o Parreira (técnico), quando não convocaram o Romário. Ele não ajudava ninguém em campo. É rápido, sabe fazer gol, se coloca bem. Mas não auxilia nenhum companheiro. Não combatia, mas hoje está numa direção diferente. Depois, quando ele foi chamado para a Copa, concordei com a convocação.

Flávio – Como o Zezé diz, o Romário não chega a ser um Leônidas, mas está na crista da onda. Chegou aqui na Gávea de helicóptero para treinar. Não sei se você sabe, eu não jogava nada, mas dava canelada à vontade.

Que jogadores deveriam ser dispensados da seleção? Há quem peça a saída de Branco.

Flávio – Tinha gente que queria tirar o Dunga na Copa. E ele foi um ás no Mundial.

Zezé – Não é que o Branco tenha que continuar. Se aparecer um melhor…

Roberto Carlos?

Zezé – É um bom jogador, igual ao Branco nas faltas, no chute. Passa bem. O Branco tem um defeito. A bola dele, no cruzamento para a área, faz uma curva que favorece o adversário.

Flávio – Tanto faz um como o outro, é a mesma coisa. O Branco é lento, o que às vezes deixa a desejar num futebol rápido. Mas, quando ele sai do time e há uma falta para cobrar, a gente pensa nele. O Roberto Carlos também chuta bem. Esses dias fez um gol de falta do meio da rua.

Zezé – Me lembrei do Jair Rosa Pinto. Era um jogador de precisão fantástica.

Zagallo é o nome mais indicado para dirigir a seleção brasileira?

Zezé – Não é questão de ser indicado. Ele está fazendo um trabalho bem feito.

Flávio – Ele já estava no esquema da comissão técnica anterior.

Zezé – Zagallo tem experiência, o que é importante. Eu fui vítima da falta de conhecimento. Fui treinador na Copa de 54, na Suíça, sem nunca ter ido antes à Europa. Os jogadores, na maioria, também. Tudo foi surpresa.

Tanto que no jogo contra a Iugoslávia bastava o empate e, até o fim, a equipe tentou desesperadamente ganhar, achando que precisava da vitória para sobreviver na competição…

Zezé – Eu não conhecia a regra. Dentro do vestiário estava todo mundo chorando porque se pensava que, com o empate de 1 a 1, tínhamos sido eliminados. Mas entrou um jornalista e disse que estávamos classificados. Ficou todo mundo de boca aberta olhando. Nem os dirigentes sabiam que o empate classificava os dois times.

Flávio – Tem outra história. Antes dos anos 30, veio um goleiro escocês jogar no Rio. Ele botava a bola no bico da pequena área, como hoje, e dava um chutão. O povo gozava. Nós jogávamos o campeonato oficial…

Zezé – …e o beque levantava a bola na mão do goleiro para dar a saída.

Flávio – Não obedeciam a regra de tirar a bola da área. E, por obedecer a regra, o escocês era vaiado como se fosse um maluco. Daí em diante passamos a fazer o mesmo. Havia pouca comunicação com a Europa. Nossos ídolos eram os jogadores argentinos.

Zezé – Eles vinham aqui e davam passeio.

Flávio – E quando íamos jogar lá? Você não passou o que eu passei. Na Argentina, a zaga do Flamengo era Florindo e Domingos da Guia, contra um combinado River-Independiente. Levei um passeio. O único que jogava no nosso time era o Domingos. O Artigas, nosso half-esquerdo, deitou-se no campo. Entramos eu e o massagista. O Artigas disse: “Seu Flávio, não tenho nada, não. Mas me tira, pelo amor de Deus, que estou com vergonha”.

Quem é o melhor técnico do Brasil hoje?

Zezé – Todos aqueles que ganham são os melhores.

Flávio – O futebol paulista no ano passado foi um sucesso. Tinha Telê Santana no São Paulo, Wanderley Luxemburgo no Palmeiras e Carlos Alberto Silva no Guarani. As três equipes fizeram miséria. No Rio, faltou técnico dessa envergadura. Agora, Palmeiras e Guarani perderam os técnicos e os times baixaram de produção. O Corinthians tentou com o Mário Sérgio, mas não saiu grande resultado.

Zezé – Mas o Mário Sérgio fez um bom trabalho. Gostei muito da forma de ele dirigir a equipe. O jogador brasileiro não tem sentido de marcação, de aproximação, de distância do adversário.

Flávio – Quando se ataca, tem que se seguir aquele princípio do Gentil Cardoso (treinador): quem desloca recebe, quem pede tem preferência.

Zezé – Mas o jogador brasileiro não oferece jogada, não sabe fazer isso.

Flávio – Veja a quantidade de faltas e de passes errados. O passe é a conexão de duas vontades: a do que dá e a do que recebe. Quando vai arremessar um lateral…

Zezé – …ninguém se apresenta para receber.

Flávio – O sujeito ser um bom técnico é um acontecimento. Às vezes, é um bom técnico sem ter sido um jogador extraordinário, e vice-versa.

Por exemplo?

Flávio – O Zizinho foi um jogador extraordinário e nunca conseguiu ser técnico. Tem também o caso do Gentil Cardoso. Conhecia futebol…

Zezé – …mas não orientava. Não dava fundamentos. Fundamento é importante para o jogador de futebol. Se você toca piano, precisa treinar para executar. Jogador de futebol tem que saber correr com a bola, driblar, passar.

Qual o peso do técnico num time?

Zezé – Basta que tenha autoridade, confiança dos jogadores. O que você fala, o jogador absorve.

Flávio – Tem que reunir uma série de qualidades. Tem que ser professor, companheiro, pai, mãe, bedel, carrasco. É uma operação de guerra, o futebol. Tem que ter o time na mão. Ô, Zezé. Veja a decisão do Campeonato Estadual de 50, entre Vasco, que eu dirigia, e o América. O Ipojucan, do nosso time, era um artista com a bola. Driblou a defesa toda do América e apenas levantou a bola para a mão do goleiro. Quis colocar e pegou mal. O Ipojucan colocou a mão na cabeça. Estava 1 a 1 no intervalo. Saí gritando, incentivando, na volta ao campo. Em meu vestiário nunca rezei Pai Nosso.

Zezé – Nem eu.

Flávio – Nunca fiz promessa. Os jogadores, então, voltaram ao campo. Eu fiquei para tomar um cafezinho. No boca do túnel do Maracanã, vi que o Ipojucan não queria voltar. Mandei o Augusto, capitão do time, avisar ao juiz que o Ipojucan voltaria depois. Naquele tempo se proibia substituição. Pensei que o Ipojucan quisesse vomitar, coisa assim. Mas vi que ele estava deitado no chão do vestiário. E eu, disputando o campeonato. O que o técnico poderia fazer? Dei duas bolachas nele. “O seu filho de uma…” Saí atrás e ele correu pelo corredor. O corredor vai dar no campo. Ipojucan entrou no campo. Depois, todo o segundo tempo, ele ficou me olhando. Ipojucan deu o passe para o Ademir fazer o gol e ganhamos o campeonato.

Quem foi o melhor e o mais inteligente jogador que os senhores treinaram?

Zezé – É uma questão muito difícil. Leônidas da Silva era extraordinário. Friedenreich, sensacional. Eu joguei com ele aqui no Flamengo, no final da carreira dele. Em São Paulo, onde eu atuava no Palestra, joguei contra.

Flávio – Em 1928 eu joguei em São Paulo, no antigo Palmeiras. Fui para São Paulo como vendedor de uma firma. Fiquei seis meses lá e fui mandado embora porque não vendi porra nenhuma. Quando joguei contra o Paulistano, acabei agredindo o Friedenreich porque ele me deu uma cama-de-gato. Estávamos perdendo de 3 a 0, um passeio, e o cara me dá uma cama-de-gato. Levei um tombo e uma vaia. Fiquei fulo da vida, perdi a cabeça e dei um sopapo no Friedenreich. Os jogadores todos correram em cima de mim. Foi uma pancadaria só.

Volto à questão dos melhores jogadores que os senhores dirigiram.

Flávio – Eu tive jogadores maravilhosos. Para começar, Domingos, Jaime, Zizinho, Leônidas, Pirillo, Gonzalez.

Zezé – Eu tive tantos bons jogadores… Tive um que todos achavam ignorante, que era o Garrincha. Ele não era nada disso.

Flávio – Você era do Botafogo quando o Garrincha foi para lá?

Zezé – Eu era treinador do Fluminense quando o Garrincha treinou lá, antes de ir para o Botafogo. O Gradim era meu auxiliar. Havia um treinamento de experiência às segundas-feiras. Numa segunda, eu não fui. O Garrincha treinou bem. O Gradim me disse que tinha treinado um rapaz que deveria voltar. Mas o Arati, lateral-direito do Botafogo, foi jogar perto da casa do Garrincha. Viu o Garrincha jogar e o convidou para treinar no Botafogo.

Qual foi a melhor seleção brasileira em Mundiais?

Zezé – A de 50 foi uma das melhores. Teve azar. Outro dia, falando com o Ademir Menezes, perguntei-lhe como ele perdeu tantos gols contra o Uruguai na Copa de 50. Que se vai fazer?

Flávio – Eu influí na formação das chaves para tirar a Espanha do último jogo. Era a melhor seleção, entre as adversárias. Eu já estava farto de jogar com o Uruguai, que depois acabou nos derrotando. Conversando com pessoas que tinham influência, nós é que fazíamos a tabela, prevendo a final. No profissionalismo, a partir de 1933, as seleções foram todas boas.

Zezé – A de 58 foi muito boa.

Flávio – Foi, como a sua de 54. Você tinha Julinho, um jogador maravilhoso. A seleção de 38 foi ótima.

Taticamente, a última grande inovação no futebol foi o “Carrossel Holandês” do Mundial de 74, em que os jogadores se movimentavam por várias posições. O futebol ainda terá alguma grande novidade tática?

Zezé – Não vai se criar sistema novo nenhum. Estão querendo fazer mudanças absurdas nas regras, como bater o lateral com os pés.

Flávio – Também querem parar o jogo [com pedidos de tempo].

Zezé – É um absurdo. Futebol não é vôlei ou basquete. No meu modo de entender, só deveria se permitir uma substituição.

Os senhores são contra todas as mudanças?

Zezé – Não. Defendo a proibição completa de atrasar a bola para o goleiro, seja com pés, mãos, peito, cabeça. Devolver bola para o goleiro torna o jogo monótono. Defendo outra coisa: no futebol atual, a velocidade está no homem e na bola. Antes, era só na bola. Não se pode mais jogar em campos como os de agora, embora eu saiba que em muitos estádios não dá para aumentá-los. Não é uma idéia má diminuir de 11 para 10 o número de jogadores. Os campos estão pequenos para o futebol.

É verdade que o Brasil perdeu a Copa de 50 em parte porque o brasileiro Bigode intimidou-se, na final, diante do uruguaio Obdúlio Varela?

Flávio – Não. O Bigode jogava o jogo dele, não tinha influência de nada.

Zezé – Não tinha medo de nada. Dava carrinho, lutava muito.

Flávio – O Obdúlio gritava muito, mas não importava. Estávamos acostumados a ganhar. O problema foi que levamos o primeiro gol e não reagimos. Só quando sofremos o segundo. Mas foi uma reação nervosa, só chutávamos para fora. Perdemos por 2 a 1.

Por que o senhor, Flávio Costa, no único jogo em São Paulo na Copa de 50, mudou mais da metade do time, retirando jogadores cariocas e escalando paulistas?

Flávio – Havia muita rivalidade entre São Paulo e Rio. Era guerra. Fui treinador por dez anos da seleção carioca. Uma vez, em São Paulo, houve uma briga e acabei preso num camburão. Não me apresentei como o treinador carioca no camburão para não ser linchado ali mesmo. Depois o chefe da delegação foi me tirar da cadeia.

E o jogo no estádio do Pacaembu?

Flávio – Botei vários jogadores paulistas. A linha média era a do São Paulo: Bauer, Rui e Noronha. E nem assim arranjei torcida, porque, ainda assim, torceram contra. Estávamos ganhando por 2 a 1 da Suíça, mas o juiz era um italiano. Ele nos prejudicou e empatamos em 2 a 2.

De quem era a chuteira que o senhor, Zezé Moreira, usou para brigar com jogadores húngaros, no vestiário, em seguida à eliminação do Brasil no Mundial de 54?

Zezé – Eu não saí brigando com os húngaros. Quando começamos a jogar com eles, havia sol. Em seguida, desabou um temporal. Nenhum jogador brasileiro ficava em pé porque todos estavam com trava curta sob as chuteiras. No fim do primeiro tempo, fiz os jogadores mudarem de chuteiras. Mas o Didi, cujos pés se machucavam com trava alta, mudou de chuteira na minha frente e, depois, escondido, voltou a usar as travas curtas. No segundo tempo, só o Didi não parava em pé. Fiz o Djalma Santos cair e fiz o Didi mudar a chuteira. Fiquei com a chuteira dele na mão.

E a usou para brigar.

Zezé – No fim da partida, depois de perdermos por 4 a 2, nas quartas-de-final, o Maurinho descia para o vestiário, e o Czibor, jogador húngaro, esticou sua mão. Quando o Maurinho esticou a mão, o Czibor retirou a sua. O Maurinho deu-lhe uma porrada na barriga e fechou o tempo. Peguei o Maurinho e tirei-o dali. Então, desci para o vestiário. Uns três ou quatro húngaros se viraram para mim e disseram: “Moreira, Brasil…” e cuspiram em cima de mim. Peguei a chuteira, joguei-a e abri a cabeça de um deles. Foi pau para tudo quanto é lado.

Qual a seleção brasileira de todos os tempos de cada um dos senhores?

Zezé – Escalo à moda antiga: três zagueiros, dois médios e cinco atacantes. Amado; Djalma Santos, Domingos da Guia e Nílton Santos; Fausto e Fortes; Garrincha, Leônidas, Friedenreich, Pelé e Moderato.

Flávio – Amado; Djalma Santos, Domingos da Guia e Nílton Santos; Fausto, Zizinho, Pelé e Jaime; Garrincha, Leônidas e Moderato.

Zezé – Times mais ou menos parecidos. A minha história com o Flávio é sensacional. Jogamos um contra o outro, jogamos juntos e, depois, ele foi meu treinador.

Os senhores se davam bem em campo?

Zezé – Sim. O Flávio tinha o apelido de Alicate porque dava muito carrinho. O meu apelido era Zé Cavalo. Diziam que eu dava pontapé em todo mundo. Mas nunca tirei nenhum jogador de campo, nem quebrei a perna de ninguém. O Gérson, o Didi e outros quebraram perna de jogador. Eu, não.


O sol se põe no Rio. O que isso tem a ver com as greves?
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Mário Magalhães

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Fiz essa foto com meu iPhone no fim da tarde de ontem, ao lado do portão de entrada da Chácara do Céu, em Santa Tereza.

Que raios _de sol_ o lindo entardecer teve a ver com o Rio sacudido pela greve dos motoristas e cobradores de ônibus que rejeitaram o peleguismo do sindicato oficial?

A imagem foi feita desde o portão pois os museus que lá funcionam estavam fechados, devido a uma paralisação de dois dias dos servidores do Ministério da Cultura.

Nesta sexta-feira de manhã, numerosas agências de bancos operavam a meia-boca aqui em Botafogo, por exigência dos bancários, que se sentem desprotegidos devido à greve dos vigilantes.

A greve dos rodoviários trouxe duas novidades:

1) pela primeira vez em muito tempo, ninguém desconfiou de que poderia se tratar de locaute, a “mobilização” encomendada pelos donos das empresas para pressionar por aumento de tarifas;

2) a direção subserviente do sindicato da categoria não conseguiu, mesmo depois de sacramentar um acordo com os patrões, impedir o movimento.

Os garis fazem escola.

Daqui a poucos dias, as passagens de ônibus e outros transportes vão subir na cidade.

Mais outros dias, e a Copa começará.

Como se chama mesmo aquele historiador que proclamou o fim da história?

Do pauteiro de jornal que sempre achava a pauta _o rol de fatos e eventos_ fraca eu me lembro do nome. Ele não tem mais do que reclamar.