Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : maio 2014

Assistir a jogo do Flamengo causa depressão. Não dá para antecipar a Copa?
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Mário Magalhães

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Ney Franco: mal chegou e já é chamado de burro por torcedores – Foto Miguel Schincariol/Getty Images

 

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Se, como reza o samba, reconhecer a queda antecede a sacudida da poeira e a volta por cima, o Flamengo está em maus lençóis. Jogadores conseguiram elogiar o desempenho sofrível do time no empate de 1 a 1 desta quinta-feira contra o Figueirense, lanterninha até obter o ponto no Morumbi.

“Jogamos bem”, disse Paulinho. Se um titular não identifica o óbvio, que se a equipe jogasse bem teria atropelado o limitado adversário, é de se imaginar que na próxima ele pense em repetir a atuação de ontem.

Há um engano evidente nas avaliações sobre a partida: o de que no segundo tempo só teria dado Flamengo.

Ou eu estou maluco, dormi durante o jogo e sonhei ou depois do intervalo o time catarinense acertou uma bola no travessão e teve duas excelentes chances, com a bola espalmada para escanteio pelo Paulo Victor.

A ilusão decorre do sufoco do Fla no finzinho, quando o Alecsandro deu uma bicicleta belíssima, depois de matar a bola no peito, e quase anotou.

Já são cinco partidas do Flamengo sem vencer.

Somente uma vitória em oito jogos no Brasileiro.

Média abaixo de um gol por rodada.

Presença na zona de rebaixamento.

E a perspectiva de enfrentar o líder Cruzeiro, em Minas, no último confronto antes da parada da Copa.

O Mundial traz alento, por dois motivos: oferecerá tempo para a diretoria, se enfim entender que Flamengo é Flamengo, contratar e ajudar Ney Franco a arrumar a casa; e porque promete futebol de qualidade.

O que foi aquilo que foi jogado em São Paulo, para onde o Flamengo levou o jogo sob seu mando?

Não deu nem para se irritar, de tão lamentável, e sim sucumbir à depressão.

Como a equipe usa três volantes (Márcio Araújo, Amaral e Luiz Antônio) para encarar o lanterna, mais o Elano?

Por mais que o Ney, ainda virgem de vitórias no regresso ao clube, tente experimentar, é pusilanimidade demais.

Márcio Araújo errou passe que quase resultou em gol do Figueirense.

Amaral conseguiu, a despeito do corpanzil, perder boa parte das divididas.

E Luiz Antônio alonga sua má fase.

E o Elano? Se não se recuperar fisicamente, é melhor pendurar as chuteiras.

Desgraçadamente, a falta de ritmo de jogo pesa para Paulo Victor _tal como os efeitos da altitude, ritmo de jogo não é mito, sobretudo para goleiros. Ele falhou no gol de Everaldo, nome de tricampeão do mundo, e, como no fim de semana, voltou a repor perigosamente a bola.

Por que o treinador insiste com André Santos, que se arrasta em campo e cujas costas são um convite a ataques e principalmente contra-ataques?

O time não consegue encadear sequências de passes certos e carece de inteligência tática. O horror, o horror.

O que foi a substituição do Igor Sartori pelo Ney, pouco depois da metade da segunda etapa, quando o jogador havia entrado após o intervalo e melhorado a equipe? “Burro”, gritaram torcedores para o técnico.

Desconfio de que até mesmo os baba-ovos dos cartolas rubro-negros reconheçam que o projeto futebolístico fracassou e exige duas inflexões: investir mais, como na desejável contratação de Júlio César para o gol; e gastar com qualidade, sem reeditar acintes como a milionária aquisição de Carlos Eduardo, case maior de desperdício.

Para não dizer que eu não falei de nada de bom, dá gosto ver o Samir. Ele cruzou para o Alecsandro marcar e soltou um petardo que quase entrou. Zagueiro, o Samir segurou a onda lá atrás e fez na frente o que os volantes não fizeram.

Mas um Samir sozinho não faz outono.

Depressão futebolística se cura com bom futebol. Será que não dá para antecipar a Copa?


Seminário Política FC – O futebol na ditadura
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Mário Magalhães

Política FC

 

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Começa na próxima terça-feira (3 de junho) em São Paulo e vai até a sexta (dia 6) um seminário cuja programação é das melhores entre as atividades que, neste tempo de Copa, pretendem refletir sobre futebol e história.

O Seminário Política FC – O futebol na ditadura antecede a exposição homônima, com curadoria dos jornalistas Vanessa Gonçalves e Milton Bellintani, que abre dia 14 no Memorial da Resistência.

Eis o timaço que participará do seminário, por ordem da entrada em campo ou em cena: Flávio de Campos, José Paulo Florenzano, Ednilson Valia, Domingos Fernandes, Helvídio Mattos, Celso Unzelte, Bernardo Borges Buarque de Hollanda, Denaldo Alchorne de Souza, Alberto Helena Jr, Milton Bellintani, André Iki Siqueira, Luis Augusto Simon (Menon), Vanessa Gonçalves, Lívia Magalhães, Juarez Soares, Silvio Lancellotti, Eduardo Roberto Stinghen (Ado), Gilvan Ribeiro, Milton Saldanha, Luiz Cláudio Cunha, Humberto Kinjô, Clayton Netz, Afonso Celso Garcia Reis (Afonsinho), Fernando Coimbra (Nando), José Reinaldo de Lima (Reinaldo), Manoel Cyrillo, Gustavo Longhi de Carvalho e Cláudio Roberto Sollito (Solito).

Como se vê, dá para formar várias seleções.

A entrada é franca.

A programação completa do seminário, incluindo os filmes que serão exibidos, pode ser consultada clicando aqui.


Biografia ‘Marighella’ chega à sexta reimpressão
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Mário Magalhães

blog - valee

 

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Saiu a sexta reimpressão da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras).

O livro que conta a vida do revolucionário Carlos Marighella (1911-1969) foi premiado seis vezes: Prêmio Jabuti, Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte), Prêmio Casa de las Américas, Prêmio Direitos Humanos, Prêmio Botequim Cultural e Prêmio Brasília de Literatura.

A biografia será adaptada para o cinema, numa co-produção do ator Wagner Moura com a produtora O2, do cineasta Fernando Meirelles. O filme marcará a estreia de Wagner como diretor de longa-metragem.

Tim-tim.


Promessa descumprida sobre gastos com a Copa legitima protestos ainda mais
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Mário Magalhães

Estádio Mané Garrincha, o mais caro da Copa (Foto: divulgação)

Na “arena” do Distrito Federal, dinheiro público a rodo – Foto reprodução

 

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A tabelinha dos meus solitários neurônios mais dispostos com os cabelos brancos de quem tem o que lembrar não me permite esquecer, e às vezes a memória mais incomoda do que conforta.

Na TV, volta e meia pontifica sobre as nebulosas da economia um consultor sabichão, antigo condutor da política econômica que resultou em mais de 80% de inflação, num só mês, em 1990. Sim, eu lembro.

Bem como não ignoro que na ditadura, tão pranteada por meia dúzia de viúvas inconsoláveis, a dívida externa galopou, a desigualdade se acentuou, e a inflação teve índices maquiados para aparentar que os preços estavam sob rédea curta. As viúvas formam no time de saudosistas que hoje encenam angústia com alegado descalabro inflacionário.

Não vivi, mas aprendi, que muitos daqueles que mais alardeiam preocupação com os rumos da Petrobrás são herdeiros dos senhores que, seis décadas atrás, descabelavam-se com a iminência da adoção do monopólio estatal do petróleo _o que não justifica a aparente gatunagem de quem, com mão grande criminosa, vem embolsando patrimônio público na empresa.

Eu me lembro muito bem que em 2007 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfileirou declarações, a respeito da organização da Copa do Mundo reivindicada pelo Brasil, na linha de “tudo será bancado pela iniciativa privada”.

O então ministro do Esporte, Orlando Silva, reiterou, também naquele ano: “Estádios de futebol, arenas, locais de competição, isso tudo pode ser feito com investimento privado”.

O ministro enfatizou: “O governo pensa em não destinar dinheiro público para a construção ou remodelação de estádios. Essa questão deve partir da iniciativa privada”.

Como se sabe, não partiu, e recursos dos contribuintes foram (e estão sendo) derramados em obras do Mundial, inclusive estádios como o Mané Garrincha e o Maracanã. Quem mais paga impostos no Brasil são, em proporção, os pobres.

Deve-se ao abismo entre a promessa original de gasto público zero com instalações da Copa e os bilhões despendidos mais tarde a impropriedade de comparar a opinião de ontem com a de hoje sobre a justeza de receber o Mundial.

Há sete anos, os brasileiros formaram juízo com base em parâmetros apresentados pelo governo. As pesquisas atestaram apoio majoritário à iniciativa de hospedar a Copa.

Agora, os parâmetros são outros, o que torna previsível maior equilíbrio entre os favoráveis e os opositores ao Mundial.

O contraste entre o antes e o depois é o que mais fragiliza o proselitismo contra os manifestantes que protestam contra a Copa ou contra as despesas públicas com a competição, no país pornograficamente desigual e sedento de serviços públicos decentes.

Se uma pessoa pensava assim e passou a pensar assado, é legítima a mudança. Mais legítima é se as garantias oferecidas no passado não se confirmam. No caso, as garantias de não torrar um só centavo do erário em obras como praças esportivas.

Ainda mais com a entrega de patrimônio do Estado para companhias particulares explorarem, como fez o governo do Rio com o Maracanã. Empreiteiras ganharam com a construção ou reforma paga pelos cidadãos e uma delas continua ganhando, ao assumir o estádio.

No Distrito Federal, a dinheirama pública esbanjada para erguer uma dita arena tem ao menos três estimativas: R$ 1,4 bilhão, R$ 1,6 bilhão e R$ 1,9 bilhão. Obra bilionária, feito o Maracanã, tudo às custas dos cofres públicos.

Outros ataques contra os militantes anti-Copa que me parecem desprovidos de mérito condenam os protestos porque eles seriam extemporâneos, por surgirem tardiamente.

Primeiro, como dito, a realidade frustrou as promessas. Segundo, o argumento equivale a desqualificar, por não ter ocorrido mais cedo, a massiva campanha que, em torno da bandeira das eleições diretas, batalhou pelo fim da ditadura em 1984.

Pior é criticar movimentos organizados como os de trabalhadores assalariados, de funcionários públicos e de brasileiros sem habitação por se “aproveitarem” da proximidade da Copa. Ora, ninguém é inocente de supor que no Brasil alguma conquista caia do céu. Quem não chora não mama, sobretudo os mais fracos, eis uma lição irrefutável da nossa história.

Como se não bastasse o descumprimento do prometido, os brasileiros testemunham abusos de hipocrisia. Membro do comitê organizador, o empresário Ronaldo Nazário se disse envergonhado com o atraso de obras. Ele não se envergonhou por ter sido nomeado ou indicado por Ricardo Teixeira. Nem por dinheiro público ser presenteado para a iniciativa privada, como no episódio da Odebrecht mimoseada com o Maracanã tinindo de novo. Nem pelo preço ofensivo dos ingressos que impedem garotos humildes como o Ronaldo surgido no São Cristóvão de assistir em loco não somente a partidas do Mundial, mas até a peladas do Campeonato Brasileiro. Muito menos pelos operários mortos ao construir estádios que seus filhos não poderão frequentar.

É ou não compreensível que tanta gente se sinta lograda?

Num cenário de expansão da intolerância no debate público, quando insultos substituem ideias, foi oportuna a reportagem na “Folha de S. Paulo” mostrando que o custo público da Copa fica muito aquém do que se reserva aos serviços públicos.

Do ponto de vista da legitimidade dos que se opõem ao Mundial, contudo, o desembolso poderia ser de um real. Não constitui escândalo advogar que a moeda seja encaminhada a uma escola e não a um estádio.

Em 2007, firmou-se um pacto entre governo e nação: enfim, vamos realizar a Copa dos sonhos, mas sem sacrificar quem já é muito sacrificado. O pacto foi rompido.

Talvez o que mais me tenha intrigado nesses anos tenha sido a recusa dos governos estaduais, municipais e sobretudo federal a explicar por que mudaram o paradigma. Parece que não têm o dever de prestar contas e se submeter ao escrutínio público.

Se separar algumas dezenas de bilhões para a Copa era o único meio de abrigá-la, gerando potencialmente desenvolvimento, renda, emprego, autoestima e outros benefícios, que se dissesse isso aos brasileiros, para que pudéssemos escolher.

Desde sempre simpatizei com a candidatura para a Copa, sem dinheiro público em estádios. No balanço sincero da história, mantenho-me a favor, mesmo com os gastos que ocorreram _descontando, é óbvio, as suspeitas de superfaturamento sob investigação.

Torço para que o Brasil promova o melhor Mundial possível e estou ansioso para que a bola role. Vai ter Copa, e a Copa pode ser futebolisticamente de primeira.

Mas é inadmissível demonizar quem julga erro sediá-la. E tem o direito democrático de desfraldar seus estandartes e ecoar suas palavras de ordem.


Se tivesse ‘padrão Fifa’, o Brasil seria muito pior
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Mário Magalhães

Junho de 2013: faixa exibida em protesto em Fortaleza – Foto Luiz Paulo Montes/UOL

 

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A palavra de ordem se disseminou com intenção generosa: o Brasil padrão Fifa seria melhor.

No Google, aparecem 460 mil registros quando se digita “padrão Fifa” entre aspas.

Os serviços públicos, a começar por educação e saúde, teriam mais qualidade, se mimetizassem o alto nível da dona do futebol _é a ladainha que ouvimos desde junho de 2013.

Com o perdão dos que adotaram a divisa, eu acho que o padrão Fifa é uma balela ou significa o avesso do lugar-comum que se fixou no imaginário nacional.

O país seria muitíssimo pior caso se espelhasse nos valores, métodos e obra de Sepp Blatter e seus bons companheiros.

Na saúde, o padrão Fifa seria o contrário de cuidar da vida dos brasileiros, o que se faz (ou deveria ser feito) com bons hospitais e pronto-socorros, profissionais qualificados e bem remunerados, prevenção acurada, saneamento para todos, alimentação decente e outras providências.

Seria o contrário porque a Fifa secundariza a saúde dos jogadores de futebol e prioriza o caixa.

Na Copa de 94, a entidade, ainda conduzida por João Havelange, impôs jogos ao meio-dia no escaldante verão californiano.

Já na gestão de Joseph Blatter, entregou de modo suspeito o Mundial de 2022 ao Catar, onde o calor torturante ataca na época do ano que a tradição reserva ao torneio.

Isso é se preocupar com a saúde?

A educação inspirada no padrão Fifa não seria dos sonhos, e sim o oposto.

Ao abordar o racismo, em vez de ensinar a repulsa, os professores pregariam tolerância com a segregação.

Por todo o planeta, acumulam-se episódios de preconceito. Em vez de punir as agremiações que acolhem torcedores racistas, a Fifa somente obriga seleções a entrarem em campo com faixas cujos dizeres, embora justos, estão longe de proporcionar o efeito de castigos exemplares.

E as lições de democracia?

O que há de se aprender com a política elitista de preços escorchantes dos ingressos?

Mesmo dentro das ditas arenas, camarotes chiquérrimos documentam e celebram a desigualdade obscena.

Uma federação que interdita a alternância de governo e eterniza seus capi sugere democracia? Por mais de 20 anos, Havelange não largou o osso. Seu sucessor mantém idêntico apetite.

De acordo com o padrão Fifa, ditaduras não são ruins e ditadores são todos boa gente, desde que se prestem aos propósitos dos poderosos chefões encastelados na Suíça. Já havia sido assim na Copa de 78, na Argentina do genocida Videla, e continua hoje, quando os tiranos mais sinistros são bem-vindos na entidade.

O que a Fifa diria sobre controle rigoroso de negócios em geral e operações financeiras em particular?

Dificilmente apresentaria como case o esquema que resultou na escolha do Catar.

Muito menos o que permite que amigos da cartolagem lucrem com ingressos da Copa, fazendo decolar a preços ainda mais exorbitantes pacotes que já são para poucos.

É essa a gestão que queremos como padrão?

O padrão Fifa subverte o ensinamento franciscano do “é dando que se recebe”, a considerar tantas denúncias de propinas.

O que o padrão Fifa propõe para quem é flagrado em impedimento, senão a impunidade? Que punição houve para Havelange e Ricardo Teixeira?

É essa a Justiça ideal, o padrão Fifa de combate à corrupção?

Em que o Brasil prosperaria se imitasse o comportamento do secretário-geral Jérôme Valcke?

Ele é o mesmo executivo que embolsou, na condição de lobista, dinheiro da candidatura brasileira ao Mundial e mais tarde, na pele de cartola, sugeriu um pontapé no nosso traseiro.

Do seu papel no lobby só se soube graças a furo do repórter Sérgio Rangel.

Almejamos a transparência padrão Fifa, que escondia o frila do francês?

Em matéria de inovação e evolução, será que o caminho é o da Fifa, que resiste até ao controle eletrônico para saber se a bola entrou no gol?

De todas as expressões do farisaísmo do padrão Fifa, duas se destacam.

A primeira, quando a entidade fala em legado disso e daquilo para o Brasil. Ela está interessada em multiplicar sua fortuna. E só.

E quando alardeia sua devoção pelo futebol. A Fifa mercantilizou a níveis jamais vistos a mais genuína paixão dos brasileiros. Apropriou-se até de nomes consagrados, como “Copa do Mundo”.

Por sorte, pelo menos isso não conseguiram nos roubar, a paixão que constitui a essência do futebol.

A despeito de todas as mazelas que vigoram no país que figura entre os campeões da desigualdade, o Brasil no padrão Fifa seria ainda mais egoísta, hipócrita, inescrupuloso, obscuro e desigual.

Padrão Fifa é exigir do outro o que não se faz _faça o que eu digo, e não o que eu faço.

A Fifa já nos fez muito mal. Fará mais ainda se o seu famigerado padrão se tornar o nosso modelo.


‘A redação invisível’, por Álvaro Pereira Júnior
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Mário Magalhães

O jornalista Howell Raines – Foto reprodução

 

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Há pouco mais de uma década, o controverso jornalista Howell Raines caiu do comando do “New York Times”, em decorrência das cascatas do repórter Jayson Blair publicadas no jornal.

Em sua coluna de sábado, na “Folha”, Álvaro Pereira Júnior recapitulou o episódio:

* * *

A redação invisível

Por Álvaro Pereira Júnior

Desenrosca a tampa, abre a garrafa, dá um microgole, põe a garrafa de volta, abre de novo, bebe mais um pouco, troca alguns papéis de lugar, senta-se na ponta da cadeira inclinado para a frente, mexe as pernas, soca a mesa quando quer enfatizar um ponto.

Não há dúvida: estamos diante de um homem elétrico. Fala com autoridade, é absurdamente articulado. Incluiu citações eruditas em meio à conversa mais informal —ao contar uma história que envolve o hospital Saint Vincent’s, de Nova York, faz questão de mencionar que ali morreu Dylan Thomas, e cita as últimas palavras do poeta: “Quinze uísques; acho que foi meu recorde”.

Está de calça cáqui e camisa azul-clara “buttoned-down”. Não usa terno nem gravata. Os cabelos brancos ondulados estão mais raros e curtos do que quando ele era famoso; ganharam um tom amarelo, penteados para a frente ao estilo do Frank Sinatra dos últimos dias.

As imagens que descrevo são de um vídeo perdido nas franjas do YouTube (is.gd/5N8BUg), na chamada cauda longa da web —aquela dos nichos mais obscuros. Pouco mais de 370 visualizações, quase nada.

O homem é jornalista, um dos grandes. Tem 71 anos, aparenta menos. Seu nome é Howell Raines. Por 21 meses, exerceu o que talvez seja o cargo mais prestigioso do jornalismo mundial: editor-executivo do “New York Times”.

Pouca gente se lembra de Raines. Eu me lembro e sou fã.

(Para ler a íntegra, basta clicar aqui.)


O incrível é que Felipe precisou faltar a treino para ser barrado no Fla
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Mário Magalhães

O goleiro Felipe – Foto Pedro Ivo Almeida/UOL

 

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Ney Franco fez muito bem em barrar Felipe do jogo do Flamengo ontem contra o Santos, miserável empate sem gols.

O incrível é que o treinador e o clube precisaram ser publicamente ofendidos pelo goleiro para que ele fosse afastado.

Sim, representa ofensa e desafio ficar dormindo em vez de comparecer a treino, como fez Felipe na sexta-feira. Com o time numa tremenda pindaíba, um dos principais e mais caros jogadores do elenco se permite, de acordo com sua assessoria, confundir a escala de treinamentos. Enquanto os companheiros ralavam, ele alegadamente entregava-se ao sono até depois do meio-dia.

É incrível que a barração demorasse porque Felipe vinha jogando mal havia muito tempo. Mal ao sair do gol, mal em bolas rasteiras, mal em quase tudo.

Ingênuo que sou, imaginei que o mico do gol do Fred em cima da linha, no escanteio do Fla x Flu, fosse a gota d’água. Não foi.

Também supus que a negligência em lances nos quais brincou com a bola e por pouco não a presenteou a adversários fosse sua despedida como titular. Nada.

Contra o Bahia, não achei escandaloso o gol tomado em cobrança de falta, mas a colocação excessivamente no canto direito facilitou o cobrador que empatou no finzinho.

Ainda bem que o Felipe mostrou, até para quem não parecia ver, que não está nem aí para o Flamengo.

Paulo Victor foi bem contra o Santos, a despeito de uma falha grave em reposição de bola. Mesmo que não tivesse ido, eu manteria minha opinião sobre ele: é bom goleiro, e mais experiente do que o promissor César.

Ponto para Ney Franco, que fez no Morumbi o que Jayme já poderia ter feito antes e que o novo técnico evitou ao assumir: tirar o gorducho André Santos da lateral esquerda. No entanto, penso que exagerou na preocupação defensiva ao escalar como substituto um zagueiro, Samir, e não Éverton ou João Paulo. Ainda mais com três volantes.

Também acertou ao afastar Elano, sem condições atléticas de encarar um jogo de verdade.

O empate contra o Santos muito desfalcado mostrou pelo enésima vez que, sem reforços, nem o Guardiola faria milagres no Flamengo. Não dá para trazer o Di María, eu sei, mas é urgente contratar.

Pitaco técnico: Paulinho foi crucificado por perder nos acréscimos um suposto gol feito. Poderia ter marcado, mas pouco antes de ser chutada a bola levantou, em virtude de irregularidade no gramado. Isso atrapalhou a conclusão. Repito: dava para fazer, mas não considero o erro nenhuma aberração, tipo aquela inesquecível do Deivid.


Preso político que desafiou o delegado Fleury lança livro sobre tortura
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Mário Magalhães

blog - livro eunicio precilio cavalcante

 

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Um dos mais corajosos militantes de esquerda que combateram a ditadura imposta em 1964, Eunício Precílio Cavalcante lança nesta terça-feira (27 de maio) no Rio um livro que busca reconstituir a violência e a barbárie que vigoraram no Brasil durante 21 anos e cuja herança ainda nos castiga.

O lançamento de “Mergulho no inferno: Relatório sobre as torturas no Brasil” começa às 18h, na Livraria Leonardo Da Vinci (av. Rio Branco, 185, subsolo).

Hoje oficial reformado da Marinha, Cavalcante tem muita história para contar: do que viu, do que ouviu, do que pesquisou e sobretudo do que padeceu na própria pele.

Ele foi preso em São Paulo na manhã de 4 de novembro de 1969. Horas mais tarde, seu companheiro Carlos Marighella seria assassinado numa rua escura da cidade, em operação comandada pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury.

Antes da execução, passou-se um episódio na sede do Dops, a política política paulista, que eu incluí na biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo” (Companhia das Letras). Narrei-o assim, com base em várias entrevistas:

“Os presos superlotavam as celas e engarrafavam os corredores. Um deles era o paraibano Eunício Precílio Cavalcante, segundo-sargento do Corpo de Fuzileiros Navais expulso da Marinha em 1964. Era um dos raríssimos companheiros que Marighella levara no Rio à casa _e terreiro_ de Antônia Sento Sé.

Fleury provocou o militante da ALN:

‘Cadê o Marighella?’

‘Você não é macho? Vá buscar!’, desafiou o revolucionário.

Rose Nogueira testemunhou os socos e pontapés que o delegado desferiu no homem indefeso, gritando:

‘Pois eu vou mesmo! Hoje é o último dia do Marighella!'”

ALN era a Ação Libertadora Nacional, maior organização armada de oposição à ditadura. Lideravam-na Marighella e o jornalista Joaquim Câmara Ferreira.

Rose Nogueira é uma _brilhante_ jornalista que havia sido presa devido ao vínculo com a ALN e o próprio Marighella.

Antônia Sento Sé é mãe-de-santo e ex-cunhada de Marighella.

Logo depois da agressão a Cavalcante, Fleury participou do assassinato de Marighella: ao menos 29 policiais armados até os dentes fuzilaram um homem cercado e desarmado _o guerrilheiro não portava nem um canivete.

Eunício Precílio Cavalcante viveu aqueles dias ferozes, desafiou o facínora, mergulhou no inferno e sobreviveu para contar.


Futebol: ‘Aperta, que ele confessa!’ ou ‘A cultura do pau-de-arara’
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Mário Magalhães

Feitor castiga negro, em obra de Jean-Baptiste Debret

 

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Às vésperas da Copa, as maltraçadas abaixo, escritas há quase nove anos, ainda me parecem urgentes.

Até quando locutores e comentaristas dirão “aperta, que ele confessa”?

* * *

A cultura do pau-de-arara

Basta que um defensor se enrole com a bola para o locutor do rádio ou da TV conclamar os adversários a marcar em cima. “Aperta, que ele confessa!”, brada ao microfone. Não é só nas transmissões. Mesmo em mesas-redondas de respeito, de vez em quando sai um comentário sobre o zagueiro vacilão: “Se apertar, ele confessa”.

Isso não é, ou não deveria ser, linguagem de jornalista ou desportista. É dialeto de torturador. É próprio de quem maneja a “coroa de Cristo”, esmagando o crânio do torturado, e o pau-de-arara. Tortura-se em busca de confissão e informações. E para castigar.

Tortura e futebol se cruzaram na história. Os atletas da seleção iraquiana eram chibateados a mando de Udai Hussein, filho do tirano, a cada revés nos gramados. Hoje, no Iraque, quem tortura são os soldados americanos.

À CIA, a central de inteligência dos EUA, não passou despercebida a cena futebolística no governo militar que mais torturou no Brasil: o do general Médici (1969-74), que posava com radinho de pilha a ouvir os jogos, fazia embaixadinhas e se dizia torcedor de Grêmio e Flamengo.

Em documento de janeiro de 1972, a agência analisava: “A popularidade do regime de Médici tem subido desde que ele assumiu (…). Em parte isso se deve (…) ao seu sucesso em se associar à seleção vitoriosa na Copa do Mundo”. No ano anterior, em abril de 1971, os analistas da CIA observaram que “os times de futebol [soviéticos] são populares em toda parte [da América Latina]”.

Quando as tropas nazistas ocupavam territórios da União Soviética em 1942, jogadores ucranianos foram mortos depois que seu time, formado por trabalhadores de uma padaria de Kiev, derrotou um selecionado militar alemão. Três morreram a bala. Um sob tortura.

Três décadas depois, o governo soviético proibiu que sua seleção jogasse no Chile, onde o Estádio Nacional se transformara em centro de tortura e morte de prisioneiros do general Pinochet. No Rio, anos antes, a polícia surrou estudantes no campo do Botafogo.

Também na ditadura, o ex-boleiro Didi Pedalada virou tira. Em Porto Alegre, deu expediente na polícia política, conhecido estabelecimento de tortura. Participou do sequestro de um casal de militantes uruguaios.

Em São Paulo, o policial militar Dulcídio Wanderley Boschilla batia ponto no Doi-Codi, maior concentração de torturadores do país. Do lado de fora, era árbitro de futebol com fama de durão. Em 1975, 34 presos o incluíram numa lista de funcionários que não “participaram diretamente das sevícias”, mas que tiveram “inequívoca colaboração efetiva com a prática de torturas”.

A despeito da barbárie, os presos políticos, na maioria, torceram pela seleção em 70. Recusaram a apropriação do futebol pelo ditador. Agora, o jornalismo esportivo poderia, em um gesto civilizador, abandonar o linguajar de sádicos e criminosos.

(Mário Magalhães, “Folha de S. Paulo”, 12 de agosto de 2005)