Blog do Mario Magalhaes

A Copa renegada (da série ‘A minha Copa’, na ‘Folha’)

Mário Magalhães

No estádio Rose Bowl, jogadores festejam tetra com Parreira – Foto Pisco Del Gaiso/Folhapress

 

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Na série ''A minha Copa'', a ''Folha'' publicou neste domingo um texto meu (para ler no jornal, basta clicar aqui).

Já haviam escrito na série, por ordem alfabética: Carlos Heitor Cony, Clóvis Rossi, Janio de Freitas, Jô Soares, José Miguel Wisnik, José Roberto Torero, José Trajano, Juca Kfouri, Marcos Augusto Gonçalves, Nando Reis, Paula Cesarino Costa, Rogério Gentile, Ruy Castro e Sérgio Dávila.

Compartilho abaixo as minhas memórias:

* * *

A Copa renegada

Não sei se rende diploma de pé-quente, fico encabulado de falar, mas nas três Copas que eu cobri, 94, 98 e 2002, a seleção alcançou a final.

Por conta de umas questões paralelas, não pude topar os convites para viajar à Alemanha e à África do Sul, nos Mundiais seguintes, e deu no que deu.

Copa é Copa.

Guardo como reminiscência cara a decisão no México-70, acompanhada em preto e branco pela TV. Aos seis anos, passei o jogo picotando jornal para atirar pela janela, na celebração do triunfo.

Vi ao vivo Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho devorando a bola na Coreia e no Japão, nos idos de 2002.

Nem com o timaço do tri nem com o penta da turma de erres, contudo, eu fui tão feliz como no título renegado por tantos brasileiros que desdenham o tetra como nódoa a macular a camisa canarinho.

Não há do que se avexar. Depois de cinco frustrações, inclusive com o escrete dos sonhos regido por Telê em 82, a conquista da Copa dos EUA inebriou com a vitória gerações que só conheciam o fracasso e outras que já não se lembravam de como era vencer.

Assisti ao Bebeto embalando o bebê ao comemorar seu gol contra a Holanda. Vacilão, eu não notara na hora, no jogo anterior, que ele havia agradecido um passe do Romário com a declaração “eu te amo”.

Flagrei, com os colegas de jornal, o ônibus da seleção quebrado à beira do caminho. O gênio Antônio Gaudério fotografou com exclusividade os jogadores a pé no acostamento da rodovia. Furo!

Contaram-me sobre o harém cultivado por alguns dos nossos craques. Nem se o torneio se estendesse por meses eles dariam conta da infinidade de beldades que os assediavam feito beque no cangote.

Até o meu último grito de gol não apagarei da memória o mais perseverante exercício de tolerância que testemunhei. O protagonista? Carlos Alberto Parreira.

O cristão apanhou, e muito, sem deixar de oferecer a outra face. Acusavam-no de retranqueiro, e sua equipe liderava em chances de gol.

Avacalhado como avesso ao futebol-arte, o técnico prezava a posse de bola, antecipando o Guardiola do século 21.

Tinha excessivas precauções defensivas? Parreira ensinava: imagine o desgaste físico de sair atrás no placar com jogos sob o sol do meio-dia.

Numa tenda montada ao lado do campo da Santa Clara University, não se cansava de responder serenamente às perguntas mais implacáveis.

Ao bater a Itália nos pênaltis _alguém supõe que passar pelo Baresi era moleza?_, chegara o seu momento. Fosse um ressentido vulgar, Parreira teria ido à forra.

Eu o provoquei, instando-o a reagir à pancadaria recente, e ele repetiu que compartilhava o sucesso com todos. Os repórteres indagaram: por que não desabafava?; considerava-se um homem bafejado pela sorte?

Comportava-se assim porque esse era o seu jeito, disse o campeão, evocando a canção clássica: “Como diria o Frank Sinatra, it’s my way”.

É isso aí: Parreira citou Sinatra no tetra.

Dá para esquecer a Copa de 94?