50 anos pós-1964, paranoia de golpe vermelho ecoa no Leblon em cena cômica
Mário Magalhães
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Clicando no vídeo lá em cima, é possível ver e rever o salseiro no Leblon domingo passado. Como se sabe, alguns moradores do bairro, incomodados, deram piti e peitaram pessoas que queriam participar do rolezinho que acabou não rolando no Shopping Leblon _o estabelecimento fechou as portas.
Para além do sofisticado, digno de escola de altos estudos, bate-boca sobre imperialismo, direita e esquerda, o melhor desempenho humorístico foi da senhora de máquina fotográfica, e ninguém tasca.
Parecendo em transe, a madame não gostou quando o cineasta, entre uma bravata e outra em que se jactava de ganhar bem, encarou o Batman e julgou:
''Esses são caras de direita que não querem ver que o país avançou''.
Na desinteligência, ela estava ao lado do cabeça branca, mas não gostou:
''Não é de direita, não. Eu sou de direita e não faria isso''.
Logo a retratista pontificou:
''Existe um plano de ocupação comunista, totalitarista no país. Será que ninguém vê isso?''
Pois é, eu não vejo, mas conheço a origem da paranoia.
Pode-se encontrá-lo em quadras históricas anteriores, mas o espantalho se concentra nas vésperas do golpe de Estado que derrubou o presidente João Goulart em 1964. Bilac Pinto, deputado federal da golpista UDN (União Democrática Nacional), pregava incansavelmente uma dita tese de que estava em curso uma guerra revolucionária no Brasil. Os comunistas vinham aí, e a cuca iria pegar. Muitos brasileiros, notadamente incautos de classe média, fiavam-se na lorota.
Assim como não existia guerra revolucionária em 1964, não haverá golpe agora. Para haver virada de mesa institucional, interesses de poderosos têm de ser severamente ameaçados.
Meio século atrás, a anunciada reforma agrária de Jango e medidas governamentais como a limitação de remessa de lucros para o exterior contrariavam latifundiários e empresas multinacionais, para resumir em dois exemplos.
Hoje, os proprietários de terra lucram como nunca lucraram no Brasil, e bancos estrangeiros salvam aqui suas contas claudicantes nos países de origem.
O rolezinho não rolou no Leblon no fim de janeiro de 2014.
A capa do ''Jornal do Brasil'', acima, é de 23 de janeiro de 1964. No meio da página agiganta-se a chamada ''UDN dá apoio à denúncia de Bilac''. Denúncia de guerra revolucionária com a participação de Jango.
Os comunistas não deram o golpe e poucos deles resistiram à quartelada.
Quem deu o golpe foram militares e civis que, como a dona do Leblon, disseminavam a empulhação do perigo vermelho.