Blog do Mario Magalhaes

Doce de leite do Vandeca: uma obra-prima mineira

Mário Magalhães

Três dias depois, nada sobrava do doce soberbo

 

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Eu saía no sábado à noite para assistir à vesperata, tradicional serenata diamantinense em que os músicos tocam das sacadas dos sobrados centenários, e reparei alguém arrumando vidros numa prateleira da pousada.

Curioso que sou, cheguei mais perto, vi na penumbra que eram doces e peguei um. “Está quente”, surpreendi-me, e o funcionário apontou para a cozinha: o doce de leite acabara de sair da panela. Olhei pela porta e percebi o chef Vandeca em pé, mãos nos quartos e ares cansados.

No almoço, eu tinha desfrutado de um sublime frango ao molho pardo preparado por ele. Sem saber se há um nome consagrado para traduzir o prato, expliquei em inglês a um comensal norte-americano: é galinha no seu próprio sangue. Como o gringo fez cara de nojo, tripudiei ao lhe contar: a cada garfada eu me lembrava da avó que comprava o bicho vivo na feira e lhe passava a faca no pescoço, colhendo a matéria-prima do molho. À noite, reservei um doce de leite e um de limão.

Poucas semanas antes, comentara o contraste dos doces de leite argentinos e uruguaios com dois da primeira divisão de Minas. Os dos hermanos, como o Conaprole do Uruguai, são acentuadamente açucarados, densos e escuros. O do Xapuri, em Belo Horizonte, um dos melhores restaurantes do país, e o do Bolota, de Tiradentes, levam menos açúcar e são mais claros, mais sutis e menos enjoativos.

Todos magníficos, cada um com sua personalidade.

Na segunda-feira, abri aqui no Rio o recipiente da grife Delícias do Vandeca, como informa o rótulo. A guloseima remete às receitas do Xapuri e do Bolota. Como é produzida em baixíssima escala, em fogão de pousada, parece mais rústica, embora também clarinha e nada espessa. Delicada e deliciosa, das mais espetaculares que encarei em minha longeva trajetória de devorador de doces de leite. Não sei se é melhor do que os primos mineiros, mas não fica nada a dever. Uma obra-prima que eu não teria conhecido se um pessoal de boa vontade não tivesse me convidado para participar do Festival de História.

O doce do Vandeca acabou na quarta-feira. Na quinta, inaugurei a lata do prestigiado Doce de Leite Viçosa, que comprei no aeroporto de Confins. Bom, filia-se à escola argentina e uruguaia.

Pena que eu não tivesse ideia do que me reservava o doce de leite descoberto na Pousada do Garimpo, onde o fabuloso Vandeca trabalha. Da próxima vez, trarei uma dúzia.

(Serviço meia-boca: esqueci quanto paguei pelo doce de leite e pelo de limão. Juntos, com certeza saíram por menos de 20 reais. Ignoro se o Vandeca só vende lá em Diamantina ou envia para longe. Em todo caso, para quem se interessar, eis o site da Pousada do Garimpo.)