Blog do Mario Magalhaes

Arquivo : julho 2013

Lartigue, um fotógrafo burguês
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Mário Magalhães

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

É fabulosa a exposição fotográfica de Jacques Henri Lartigue (1894-1986) em cartaz no Instituto Moreira Salles. Pintor menor, o francês eternizou-se na fotografia como um gigante da arte.

Filho da mais endinheirada “bourgeoisie” parisiense, não precisava trabalhar. Ganhou a primeira câmara aos oito anos. Encantado com passatempos e esportes de ricos como ele, retratou corridas de baratinhas e aventuras pioneiras da aviação. Seduzia-o tanto o movimento das máquinas quanto o das pessoas. Não é à toa que a expo se intitula “A vida em movimento”.

Na velha e bela casa da Gávea, sede do IMS no Rio, a mostra tem imagens de Santos Dumont, Picasso e John Kennedy, a turma que Lartigue frequentava na França ou com que cruzava mundo afora. Amador, ele ganhou tardia projeção internacional ao expor em 1963 no Moma, em Nova York, e merecer uma reportagem de dez páginas da revista “Life”, na mesma edição que cobriu o assassinato de JFK.

A grande exposição reúne 255 peças, incluindo fotos (quase todas P&B) e páginas dos diários (com anotações e ilustrações) de Lartigue. Rola de terça a domingo, das 11h às 20h, e vai até 15 de setembro. Programão para crianças e adultos. Mais informações no site do instituto.

Boa notícia: a entrada é franca.

A seguir, um aperitivo, com fotos de 1911 a 1913.

 

 

 

 

 


Na era Telê, Morumbi tocava axé nos intervalos. Música pode ser uma boa nos estádios
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Mário Magalhães

Telê, Fio de Esperança, o cara mais legal que este blogueiro conheceu no futebol

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Muita gente está na bronca porque inventaram de tocar músicas nos intervalos das partidas nas novas “arenas” de futebol.

Assino embaixo dos protestos contra o volume insano e o repertório desmiolado que mais parece provocação.

Mas acho que, com certos critérios, a música pode deixar mais divertido o tempo entre o primeiro e o segundo.

Na Olimpíada de 1996, uma DJ californiana eletrizava os intervalos dos jogos de futebol no Orange Bowl, em Miami. A loira balzaca tocava Beatles, Stones, Clapton, Village People, The Doors e até a “Macarena”. O público vibrava.

Sim, eu sei, os Estados Unidos estão mais longe da tradição boleira do que o Cazaquistão. E o som no futebol migrou dos hábitos de outros esportes.

Ao contrário do que se tem comentado, contudo, música no intervalo não é um procedimento tão estranho assim no Brasil. Não falo das charangas consagradas em estádios como o Maracanã. Desde que eu me entendo por gente, elas tocaram lá, o jogo inteiro.

Lembro-me de uma das estações mais profícuas que o futebol nacional viveu, a era Telê no São Paulo Futebol Clube. Em 1992 e 93, os anos da glória do bicampeonato mundial, os alto-falantes do Morumbi ecoavam nos intervalos um clássico do axé, “Prefixo de Verão”, com a Banda Mel (ouça aqui).

Nunca soube de alguém se incomodar. A contagiante canção de Beto Silva reverenciando Salvador, os negros e o Pelô tinha tudo a ver com o astral do futebol, ainda que na capital paulista, e não baiana.

Critério é isso: axé tem a ver; João Sebastião, meu compositor clássico favorito, não.

Talvez, conversando com DJs, se chegue a uma trilha sonora bem bolada e a um volume civilizado que tornem mais agradáveis os intervalos nos estádios.


‘Caetano’, ‘carlotinha’ e ‘piriquitex’: vem aí o dicionário da pornografia brasileira
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Mário Magalhães

Rogério Menezes, jornalista, cronista e romancista

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Tem tudo para ser um estrondoso sucesso editorial: está pronto o dicionário da pornografia brasileira, obra do jornalista, romancista e cronista Rogério Menezes.

Diga lá, meu coração: você sabe o que significam, em matéria de sacanagem, as expressões “fidel”, “di santini” e “botar café no bule”? _esta última quer dizer isso mesmo, não é difícil adivinhar. E as três palavras entre aspas no título lá em cima?

Gosta de “baixar vovó?”. Faz ideia do que seja “candelabro italiano”, técnica criativa bem explicadinha no dicionário? Tudo isso Rogério responde nesta entrevista ao blog.

Baiano de Mutuípe e criado em Jequié, ele foi buscar no fiofó da memória de juventude os palavrões que aprendeu. E também poemetos inspirados: “O trem passou na linha/a linha balanceou/quem deu esse peido/a buceta da mãe estourou”.

Até de verbete que não entrou na seleção de mais de 2.500 do livro ele fala abaixo. Conheces o “nicodemo”?

Rogério Menezes, 59, vive no Rio. É autor dos romances Meu Nome é Gal (Codecri, 1984), Três Elefantes na Ópera (Record, 2001) e Um Náufrago que Ri (Record, 2009). Publicou o livro de crônicas A Solidão Vai Acabar Com Ela, seleção de 60 das quase mil que escreveu no jornal Correio Braziliense de 2000 a 2002. Para a coleção Aplauso, editada pela Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, escreveu as biografias de Walderez de Barros, Bete Mendes e Ary Fontoura.

Agora, só falta definir a editora que lançará o dicionário. Seguramente, candidatas não faltarão.

*

O que é o projeto e como foi gerado o seu dicionário sobre pornografia brasileira?

A minha ideia inicial foi listar e explicar à minha maneira todos os palavrões e expressões chulas que ouvi desde a infância, a maioria aprendida e captada quando morava em Jequié, no interior da Bahia, nos anos 1960, entre os 4 e os 14 anos, quando fui fazer o curso colegial e depois cursar universidade em Salvador. Desse período, numa aparentemente provinciana comunidade, retirei das franjas da minha memória a maioria dos verbetes que dicionarizei.

Meu núcleo familiar era basicamente conservador. Minha mãe, dona de casa e costureira, cozinheira, bordadeira e doceira excepcional. Severa, era dona de sensibilidade extremada. Ostentava certo pathos existencialista e perfil aparentado com algum personagem feminino dos filmes do cineasta sueco Ingmar Bergman, e, claro, não costumava usar palavras de ´baixo calão´, como alguns preferiam e ainda preferem dizer.

Em compensação, meu pai, pequeno comerciante, sempre bem-humorado, era frasista e piadista de primeira linha. Não tinha pejo algum em usar palavrões e expressões de caráter profano e iconoclasta em profusão, geralmente no local de trabalho – em casa, respeitava o tom respeitoso de minha mãe.

Era dono de uma venda (espécie de mercadinho no qual comercializava quase tudo: de sabonete a pimenta e cominho). Ficava localizada em praça onde funcionava a feira semanal da cidade, que tinha uma movimentação excepcional de fregueses, principalmente nos finais de semana. Eu estudava pela manhã, e nas entediantes tardes de meio de semana, e, durante todo o sábado, ajudava no atendimento, na pesagem de alimentos (açúcar, café, arroz, sabão, farinha de trigo, que eram empacotados em pequenos sacos de papel pardo, em volumes que variavam de 250 gramas a 1 quilograma). Nos dias de maior movimento, sexta e sábado, tomava conta do caixa, me responsabilizando pelo cálculo exato do troco em dinheiro que deveria ser devolvido aos compradores.

Não gostava muito dessa atividade, já sonhava me tornar escritor algum dia. Mas algo naquele mundo já me fascinava. Naquela espécie de ecossistema de linguajares diferentes, mas convergentes, pude conviver com gentes de toda a região, das putas da Ladeira do Maracujá, onde ficavam os bordéis jequieenses à época, localizado bem ao lado do mercado, aos ´coronéis´ e fazendeiros da região. No calor da hora, no frenesi do entra e sai de pessoas, todas as palavras e expressões, inclusive as não aprendidas na escola, as de sentido mais chulo e popular, eram permitidas. E esses termos e sentenças eram ditos e quase gritados a cada minuto.

Meu pai, sempre bem-humorado, ao contrário de minha mãe, bastante introvertida, não negava fogo. Se um cliente lhe disparava algum chiste de duplo sentido, ela dava o troco, na hora, numa agilidade mental impressionante. E eu me perguntava: – Se meu pai pode falar essas coisas que as professoras de religião condenam e as batizam de baixo calão por que eu não poderei dizer o que quiser e bem entender? E assim o fiz.

Além disso, vivi infância numa época em que questões morais e sexuais eram escondidas sob os tapetes das salas ou no fundo dos guarda-roupas cheirando a naftalinas. Tais assuntos eram sequer verbalizados. Mas isso não impedia que, por trás dos muros dos quintais, na calada da noite, as crianças de minha época tivessem a libido à flor da pele e cometessem ´delitos´ que, apenas décadas depois seriam liberalizados (alguns) ou discutidos, e demonizados ou ainda consideradas tabus (outros).

Sexo entre meninos e meninos, com animais, eram práticas absolutamente comuns. Nas aulas de educação física, no alvorecer da manhã, vários alunos costumavam se atrasar: praticavam zoofilia com éguas das redondezas.

 Como se não bastasse, praticamente aprendi a ler por meio dos livros de Jorge Amado, meu pai tinha coleção completa das obras dele em capa dura vermelha – e ele acabou se tornado o meu Monteiro Lobato. Além disso, as histórias eróticas em quadrinhos, desenhadas por Carlos Zéfiro num estilo quase naïf, nos provocavam sinapses de alta voltagem eróticas, Last but not least, uma das minhas mais remotas memórias é, aos quatro ou cinco anos, ouvir minha irmã treze anos mais velha do que eu, me mandar à merda por eu ter derramado um pouco do perfume que ela tanto amava no chão. Ou seja, o meu dicionário tem certo tom proustiano, absolutamente autoral, memorial e pessoal. Mas, claro, reflete, também, toda uma época e todo um padrão ético, social e moral. Com o passar o tempo, fui acrescentando palavras e expressões pornográficas ia ouvindo  em minhas passagens por Salvador (onde morei 17 anos), São Paulo (12), Brasília (10) e Rio de Janeiro (há 5).

Qual o título do livro?

Imaginei inicialmente chamá-lo de Palavrão – Dicionário da Pornografia Brasileira. Depois achei o nome pretensioso demais. Nunca foi minha intenção dicionarizar todas as, talvez, dezenas de milhares de palavras e expressões chulas utilizadas no Brasil inteiro. Para isso teria que viajar durante um longo período pelo país, consultar centenas de fontes, do Rio Grande do Sul ao Acre – e, claro, a partir dessa abordagem, digamos, mais científica e menos memorial, resultaria um dicionário de dimensões e pretensões infinitamente maiores.

Meu modesto dicionário não pretende ter qualquer caráter antropológico ou etimológico. Também acho que chamar essas palavras e expressões de palavrões ou, mais suavemente, de palavras e expressões de baixo calão algo extremamente preconceituoso e antiquado. Para mim são palavras como outras quaisquer, sacralizadas pelo uso amplo e corrente da maior parte da população do país, seja rica ou pobre. Portanto, não merece qualquer restrição moral, ética, ou religiosa. Óbvio, ninguém é obrigado a usá-las, mas são expressões legítimas e altamente expressivas do imaginário popular brasileiro.

A partir desse tom autoral, pensei em rotulá-lo de Dicionário Rogeriano da Putaria Nacional. Também deletei tal ideia. Soaria demasiado egóica e, talvez isso pareça paradoxal diante do que disse até aqui, vulgar. Então lembrei grupo de teatro amador que criei e dirigi, no fulgor dos 21 anos, em meados dos anos 1970, em Salvador: tinha como objetivo básico conscientizar as camadas populares da capital baiana e de cidades do interior a se engajarem na luta pela implantação do socialismo no Brasil por intermédio da luta armada, cuja primeira ação efetiva era a Guerrilha do Araguaia.

Integrei os quadros do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) dos 18 aos 22 anos. Mas, mesmo após sair da organização, por discordar de algumas posturas que achava extremamente dogmáticas, eu mantive a linha de conscientização social do grupo de teatro, até se pulverizar em 1979, bombardeado por ameaças de prisão, pressões da ditadura militar, mais especificamente da draconiana censura da época, que mutilava todos os textos que encenávamos.

Mas, apesar do tom algo megalomaníaco de nossas ações, procurávamos realizar montagens populares, mas não popularescas, e nunca abrimos do tom assumidamente lúdico de nossa dramaturgia e de nossas encenações, e o nome do grau revela bem essa intenção: Amador Amadeu. Tínhamos inspiração alemã: o nosso grande inspirador e mestre eram os textos teóricos sobre teatro escritos pelo Bertolt Brecht.

Então resolvi resgatar esse nome e transpô-lo para um, agora, objeto literário, e cheguei ao título definitivo: Dicionário Amador Amadeu da Pornografia Brasileira. Também me levou a reaproveitar esse trocadilho, quase um hai kai, o fato de a atuação do grupo ter sido recentemente objeto de duas teses de mestrado no Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia.

Quantos verbetes tem?

Mais de 2 mil e quinhentos. A maioria absoluta teve como base de pesquisa apenas a minha memória. Só li o Dicionário de Palavrões e Termos Afins, trabalho exemplar do advogado e folclorista pernambucano Mário Souto Maior, a única obra de referência sobre o tema no Brasil, escrito nos anos 1970, depois de ter listado todas as palavras e expressões de que eu havia lembrado.

Fiquei feliz em perceber que Mário Souto Maior também havia registrado termos e frases que eu memorizara, e que eu registrara centenas de termos e frases que ele não dicionarizara. Isso não significaria que o meu dicionário seria melhor que o dele. Foram escritos em épocas diferentes e com abordagens diferenciadas.

A propósito, o meu livro é dedicado à memória dele, pelo pioneirismo e pela genial sacada de, em plenos e ditatoriais anos 1970, ter se dedicado, de maneira extenuante, a uma ação cultural tão pioneira e tão necessária que buscava promover o diálogo entre a linguagem popular e a proclamada linguagem culta do idioma português.

Quanto tempo durou seu trabalho?

Talvez pudesse dizer que levei 59 anos, a minha idade atual, para escrever este trabalho. Como disse antes, foi na infância que tudo começou a se engendrar na minha mente. Mas, na verdade, levei cerca de dois anos para concluí-lo. A maioria absoluta dos verbetes me veio à mente enquanto caminhava pelo Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro.

Ando de 15 a 20 quilômetros diários desde 1989, quando morava em São Paulo, e faço isso esteja onde estiver, e sejam quais sejam as condições de tempo às quais eu estiver submetido. Na criação desse dicionário, sempre levava um lápis e um pedaço de papel no bolso, e, a cada dez minutos, parava para registrar uma palavra ou frase que ouvira da boca de meu pai, das putas que freqüentavam a venda que ele possuía, e que amigos de infância urravam nas horas do recreio.

Poderia contar algumas palavras que você descobriu durante a apuração?

Na verdade, não descobri palavras e expressões que não conhecia, eu redescobri palavras e expressões que já estavam armazenadas no HD do meu cérebro, e os pus de volta à luz. Lembro, por exemplo, da expressão Turma do Lamê, que a minha memória não me devolveu à luz na minha versão autoral, mas que, Mário Souto Maior, registrara no livro dele. Resultado: acrescentei o verbete ao meu dicionário, citando a fonte, claro, mas colocando-o sob o meu ponto de vista.

Veio-me à mente imediatamente a imagem minha e de outras crianças de Jequié repetindo a expressão, quando nos referíamos aos pederastas e viados que circulavam pela nossa cidade à época. Os homossexuais assumidos de antanho eram poucos. Os mais corajosos não escondiam o requebro no andar e o gestual exagerado, e, na verdade, vistos sob os olhos de hoje, eram um grande paradoxo: a pacata e recatada Jequié dos anos 1960 convivia pacificamente com esses gays assumidos.

Não sem motivos. Eles, vestidos com trajes típicos de baianas, faziam e vendiam os melhores acarajés e abarás da cidade, e todos faziam filas para comprá-los nos finalzinhos de tarde. O corajoso chefe do bando gay se chamava Lourinho, e, hoje, ainda vivo e forte, aos 80 anos, vive no interior de Minas Gerais.

Outra expressão também redescoberta que me instigou, e me instiga, se dizia em situações nas quais uma determinada pessoa jurava a outra que estava falando a verdade, a maaaaaais absoluta verdade: – Tá rebocado e piripicado pela buceta da mãe!

Quais os verbetes mais curiosos?

Difícil destacar. Mas tenho certa preferência por palavras como fidel (vagina não depilada), caetano (pênis), carlotinha (vagina), chechênia (vagina), di santini (lésbica), casa das primas (bordel), piriquitex (espécie de suporte que as mulheres usavam nos anos 1960 na região da vagina para aumentar o volume da genitália, quando usavam calças compridas); e por expressões como: 1) baixar vovó (praticar sexo anal);  2) Amélia chegou (menstruação); 3) Abaixo do cu da perua (deprimido, triste);  4) Falar com Wanderley Cardoso (ir ao banheiro, WC, fazer cocô); 5) Botar café no bule (praticar ato sexual). E por aí vai. É também interessante a versão pornô para a música A Banda (de Chico Buarque, que venceu o II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em 1966). A paródia se intitulava-se A Bunda, e tinha versos assim:  Estava à toa na vida/o meu amor me chamou/pra ver a bunda passar/peidando a todo vapor.

Poucas palavras têm tantos sinônimos como “puta” _no Houaiss, são mais de cem. Por que os brasileiros são tão criativos com o vocabulário pornográfico?

Não tenho informação de que os brasileiros sejam mais criativos em relação a essa questão do que os habitantes de outros países. Mas não será temerário afirmar que ocupamos posição de ponta na criação de novas expressões e palavras relacionadas à pornografia. Não só criamos como damos sentidos diversos à mesma palavra. Por exemplo, cagão. Tanto pode significar pessoa medrosa e covarde, como pessoa que tem muita sorte. Além de puta, ânus, pênis e vagina são campeões em número de sinônimos.

Produzimos também versos pornográficos que rimam de maneira, digamos, escandalosa: O trem passou na linha/a linha balanceou/quem deu esse peido/a buceta da mãe estourou.

Devo ressaltar que, nesta entrevista, em vez de usar e pronunciar a palavra boceta e veado (como é grafada nos dicionários clássicos), usei a grafia buceta e viado, como são nacionalmente pronunciadas.

Qual o seu critério para seleção de verbetes?

Absolutamente autoral e pessoal. Há no Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mário Souto Maior, expressões que conhecia, mas que não tinham nada a ver com a minha vida pessoal e sexual. Fiz questão de selecionar verbetes que tinham relação direta comigo, e com o que cada palavra e expressão selecionadas significavam para mim e, provavelmente, para milhares de outros brasileiros meus contemporâneos. Tenho intenção de escrever outra edição, ampliada, na qual eu incluiria palavras e expressões que me fossem enviadas por leitores de outras regiões do país.

Todos os palavrões que (re)descobriu entraram?

Não. Alguns eu não consegui recuperar integralmente as palavras, nem por meio de minha memória nem em consulta a amigos de infância. Havia, por exemplo, uma versão pornográfica clássica da canção italiana Casa de Irene, composta por Nico Fidenco e que teve versão brasileira de grande sucesso popular na voz de Agnaldo Timóteo. Não consegui resgatar inteiramente a letra mesmo consultando diversas fontes. Alguns outros tive dúvidas em relação à grafia ou à própria palavra, ou não consegui fontes suficientes para checagens, e eu descartei.

Que região do Brasil é mais pródiga em verbetes pornográficos curiosos?

Pelo fato de ter morado em vários estados do Brasil, mas não em todos, teria dificuldade em ter informação peremptória a respeito. Mas, usando meu ´desconfiômetro´, talvez pudesse declarar: Rio, Bahia, e o Nordeste em geral são extremamente pródigos em criar verbetes novos. É interessante notar o caráter antropofágico da criação de novos termos: certos verbetes relacionados à vagina e ao pênis são apropriações (indébitas) de nomes próprios masculinos e femininos. Certamente inspirados em mulheres e homens pródigos no tamanho ou no excesso de uso de seus órgãos genitais.

Uma palavra que resolvi não incluir no dicionário, por ser extremamente local, extremamente jequieense, e extremamente restrita a um período da minha infância, foi nicodemo – utilizado no sentido de descrever homem cujo tamanho do pênis fosse muito acima da média. Era o nome de vizinho de rua que se chamava Nicodemus, e, segundo lenda que nos assustava descrevendo-o como um bicho-papão fálico e priápico, teria pênis que chegava à altura do joelho.

Você descreve enciclopedicamente o significado das palavras ou é, digamos, mais autoral?

O Dicionário Amador Amadeu da Pornografia Brasileira (e o Amador de Amador Amadeu acentua esse tom; amador, no sentido literal, de alguém que pratica determinada profissão por que ama o que faz, e não pelo dinheiro que aquela atividade lhe proporciona) não quer nem pretende ter nenhum caráter acadêmico ou enciclopédico. Ambiciona, na verdade, emanar certo caráter lúdico, mais do que didático. Alguns verbetes são minicrônicas impregnadas de impressionismo e profunda pessoalidade. Embora o significado dos verbetes seja autoralizado, faço, no entanto, citações e referências a livros, filmes, e outros hábitos de fruição cultural que cultivei, e cultivo, durante toda a minha vida.

O dicionário de pornografia é herdeiro dos dicionários de palavrões?

Se você estiver se referindo ao Pequeno Dicionário dos Palavrões, escrito por Gilles Guilheron, e lançado com enorme sucesso de vendas em maio de 2013, na França, renego completamente tal herança. Conclui o Amador Amadeu em dezembro de 2012 e comecei a imaginá-lo no final de 2010. Logo, um não tem nada a ver com o outro.

Talvez, no entanto, eu deva colocar o Dicionário do Palavrão e Termos Afins, de Mario Souto Maior, não como fonte de inspiração, pois não o conhecia antes de escrever o meu dicionário. Mas reconheço nessa obra lançada nos anos 1970 um pioneirismo e um visionarismo invejáveis.

Você poderia mostrar três verbetes?

Acusada de morte – Era uma vez, nos anos 1960, um grupo de amigos, e outros tantos grupos de amigos, que gostavam de praticar a seguinte brincadeira: narrava-se determinada cena, geralmente mentirosa, para que se desvendasse o nome de alguma atração cinematográfica, geralmente hipotética. Uma das mais cultuadas dessas narrativas era a seguinte: de repente, em rua qualquer, de lugar qualquer, em desesperada tentativa de se matar,  mulher gorda e de quadris exageradamente largos se joga pela janela. Ela se salva da morte. Mas cai sobre o pescoço de homem que passa pela calçada, quebra-lhe o pescoço, e o mata. Como é o nome do filme, perguntava imediatamente o narrador. Em bom pornografês, a resposta certa era (e é) A Cusada de Morte.

Bufa  – Flato ciciante, pouco barulhento, mas, segundo as más línguas, os mais malcheirosos que os seres humanos serão capazes de emanar. De poder quase letal quando disparados na classe econômica de voos de longa duração, ou sob o sol escaldante do meio-dia no interior de algum ônibus urbano ou interurbano lotado. O seminal cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) emprestou certa transcendência às nossas sempre indiscretas ventosidades num de seus melhores filmes, Fanny e Alexander, realizado em 1982. A cena em questão: na escada da grande casa onde moram, surgem três crianças ricas e entediadas que não têm mais do que brincar. De repente, a menina arrebita a bunda, tira a calcinha, e solta potente flato. Rápido no gatilho, um dos garotos saca palito de fósforo do bolso, acende a onda de gás metano que é expelida pelo ânus da garota, e bola de fogo eclode no ar.

Candelabro italiano – Parece complicada modalidade olímpica. Mas se trata, na verdade, de famosa e exitosa sessão de sexo grupal, praticada nos quatro cantos do mundo. Da orgia participam apenas uma mulher e de cinco até sete homens – a depender das habilidades corporais da solitária protagonista. Primeiramente, ela se deixa penetrar por três homens que atuam setorialmente: na boca, na vagina e no ânus. Na sequência, a nossa acrobata do sexo masturba com as duas mãos e com os dois pés os pênis de mais quatro homens. Como utilizar os pés com fins masturbatórios exige muito anos de prática e, também, extrema perícia, as mulheres menos experientes reduzem os participantes masculinos a cinco, e usam apenas as duas mãos para masturbar os dois pênis que não a penetram. Com seis ou oito participantes, a coreografia final, com todos os participantes ocupando os seus devidos lugares, deve remeter a um candelabro, e ainda por cima italiano. Ironicamente, a nome dado a esse balé orgíaco é o mesmo de um romântico e bem comportado filme americano produzido em 1962, no qual virginal professorinha (Suzanne Pleshette, 1937-2008), em visita à Roma, conhece nobre aristocrata italiano (Rossano Brazzi, 1916-1994), e eles se apaixonam, e eles só fazem sexo, se é que faziam, papai-mamãe, e são felizes para sempre.

Quais são as palavras mais antigas e as recém-surgidas na pornografia brasileira?

Também aqui não tenho uma informação exata para fazer uma declaração peremptória. Mas a palavra foder, por exemplo, já era utilizada na poesia escrita pelo iconoclasta poeta baiano Gregório de Matos (que viveu no século 17). Referendo-se a Salvador da época, escreveu os versos: De dois fês se compõe esta cidade a meu ver/um furtar, outro foder.

Também, girando no mesmo universo gregoriano, podemos citar a palavra freirático, hoje em desuso, mas que mantive no meu dicionário porque tudo que se refere a esse fescenino autor me interessa desde a adolescência. Esta palavra designa uma profissão muito comum na Bahia do século 17.

Como as famílias ricas de Salvador não admitiam a possibilidade de deixar a herança para o primogênito, caso nascesse mulher, quando isso acontecia, os pais a isolavam num convento de freiras, mesmo que não tivessem nenhuma vocação para a vida religiosa. As mulheres obedeciam aos rígidos cânones da época, mas não sem reagirem. Com o que as famílias ricas lhes subsidiavam mensalmente pagavam a homens para fodêlas na calada da noite ou sob a plena luz do sol. Eram os freiráticos.

Quanto a palavrões e expressões pornográficas mais recentes  podemos lembrar, por exemplo, a expressão Carái, véi!, usado como eufemismo de Caralho, velho! – usada à exaustão, principalmente por adolescentes, desde os meados dos anos 1990.

 


Prefeitura do Rio sabia que até ‘chuva média’ poderia provocar ‘grave alagamento’ em local de missa do papa
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Mário Magalhães

No dia 2 de julho, a prefeitura sabia que terreno de missa poderia alagar – Reprodução de “O Dia”

 

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A Prefeitura do Rio sabia que mesmo uma chuva não torrencial poderia causar “graves alagamentos” no terreno de Guaratiba (zona oeste) que deveria abrigar os dois últimos dias da Jornada Mundial da Juventude. É o que revela hoje o jornalista Fernando Molica no jornal “O Dia”.

Em 2 de julho, no “Diário Oficial”, a Fundação Instituto das Águas do Município do Rio de Janeiro (Rio-Águas) intimou a empresa produtora da jornada a corrigir instalações que prejudicavam o escoamento de água onde haveria a Missa de Envio dominical, celebrada pelo papa Francisco. A fundação é vinculada à Secretaria Municipal de Obras.

O problema poderia “acarretar graves alagamentos no local, no caso de uma chuva de média intensidade”. A Dream Factory Comunicação e Eventos, responsável pela produção, foi multada em R$ 603,58, por alegadamente não atender ao pedido da Rio-Águas.

Isso mesmo: seiscentos e três reais e cinquenta e oito centavos.

Mais de R$ 100 milhões de verbas públicas foram gastos na jornada.

Com a chuva que alagou o terreno em Guaratiba, os eventos derradeiros foram transferidos às carreiras para a praia de Copacabana.


Como Guardiola no Barça, Abel não quis fazer mudanças
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Mário Magalhães

 

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Quem mais ganhou com a saída de Abel do Fluminense, depois de dois anos no clube, foi o próprio Abel. Técnico admirável, ele não merecia a sucessão desmoralizante de derrotas. Já são cinco consecutivas no Campeonato Brasileiro. Muito menos as pressões do patrocinador, Unimed, e de cartolas que pediam sua cabeça. A entrega a Abel de uma réplica do troféu nacional do ano passado, na cerimônia que sacralizava o pontapé no seu traseiro, comprovou que a hipocrisia desconhece limites.

Os jogadores têm estado muito aquém do que se espera do elenco que defende o título. Goleiro de seleção, Cavalieri melhorou, mas vinha falhando. Fred, destaque na Copa das Confederações, entregou o clássico para o Vasco, ao ser expulso no primeiro tempo. A zaga Leandro Euzébio e Gum se apresentou mal na derrota de domingo para o Grêmio. Iria melhor com Digão, que dera um gol de presente ao Inter?

Sem contar a saída de gente como Nem e Thiago Neves.

Como é tradição, Abel pagou sozinho pelos revezes.

Mas talvez ele também tenha culpa pelo que vem acontecendo. Sua insistência em manter intocados alguns titulares que têm jogado pelo nome e novatos que não se firmam parece se dever não somente às idiossincrasias comuns aos treinadores de futebol.

Um exemplo é Deco, tremendo meia no passado, que hoje, quando está em condições físicas de ir a campo, atrasa o ritmo tricolor adaptando-o às possibilidades dos seus pulmões e das suas pernas.

Um motivo decisivo para Guardiola ter deixado o Barcelona foi a convicção, segredada a amigos, mas jamais pronunciada publicamente por ele, de que para seguir na rota dos triunfos precisaria mexer em algumas posições. Suponho que começaria por Puyol e talvez chegasse a Xavi, pela idade. Mas Pep se sentia tão devedor daquele grupo, um dos times mais espetaculares de todos os tempos, que não se dispôs a se chocar com quem havia se tornado seu amigo.

Foi comovente ontem Abel dizer que se fosse o chefe também demitiria o técnico, porque é melhor para chacoalhar o grupo. Bom caráter, deu a entender que seu sucessor poderá fazer o que ele não se dispõe. Como Guardiola, acabou virando amigo de jogadores. A gratidão prevaleceu sobre a atitude necessária de gestor. Eis uma cara decente, o que não é tão comum no futebol.


Moradores da área de porto de Eike pedem ao STJ o afastamento de Cabral e do presidente do BNDES
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Mário Magalhães

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Moradores do 5º Distrito de São João da Barra (RJ), área onde está sendo construído o complexo industrial do porto do Açu, apresentaram notícia-crime ao Superior Tribunal de Justiça pedindo o afastamento imediato do governador Sérgio Cabral e de Luciano Coutinho, presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). A empresa LLX, de Eike Batista, controla o porto do Açu.

O documento protocolado sábado pelo sistema eletrônico do STJ é assinado por 29 moradores. Acusa Eike, Cabral e Coutinho de formação de quadrilha. Formalmente, solicita a investigação sobre os negócios em torno do porto e das desapropriações de terras de agricultores. Afirma que a “desapropriação de 7.200 hectares” para a construção do complexo foi viciada por “decretos ilegais e arbitrários”.

O governador do Rio de janeiro é apontado como beneficiário de favores ilícitos de Eike Batista: Cabral “passou, publicamente e sem temer a Justiça, a valer-se das facilidades que lhe foram proporcionadas” pelo empresário. É citado um empréstimo de avião.

Coutinho teria, conforme a notícia-crime, aprovado o fornecimento de verbas federais para quem não estaria em condições de recebê-las, como a empresa de Eike. Haveria a “existência da organização criminosa para sangrar os recursos públicos através do banco oficial do governo federal” e para “praticar delitos contra o erário público estadual”, sustenta a petição de 39 páginas.

A saída de Cabral e Coutinho é requisitada com base no Código de Processo Penal, que determina a “suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais”.

Os signatários da notícia-crime são agricultores que pretendem receber de volta as terras que julgam terem sido desapropriadas irregularmente.

O blog está aberto às manifestações do governador, do presidente do BNDES e de Eike Batista.


Prefeitura infla cálculo da multidão em Copacabana
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Mário Magalhães

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Parece que as manifestações de junho e julho não ensinaram à Prefeitura do Rio a lição de que as pessoas estão cansadas de engodos.

Trata-se de pura marquetagem, destinada a iludir incautos, o chute de que 3,2 milhões de peregrinos e curiosos compareceram domingo a Copacabana, para celebrar com o papa.

Foi bonita a festa, pá, ficou-se contente. Para que alardear a presença de um público que não havia? Certamente, o pontífice dispensaria tal fabulação. Ele mencionou os 3,2 milhões como o número divulgado pelos organizadores locais. Não tinha como contar os presentes.

Com método científico, o Datafolha estimou que, estourando, havia de 1 a 1,2 milhão na missa. A prefeitura não explicou os critérios empregados para avaliar a massa. Anos atrás, a cidade do Rio desenvolveu um método rigoroso, agora desprezado, para esse tipo de cálculo.

Com 4 quilômetros de extensão de praia, precisaria haver 80 mil fiéis a cada 100 metros, arredondando. Ocorre que quase todo o Leme estava vazio, bem como os trechos mais próximos ao posto 6. Em muitos outros, a concentração não era tão numerosa quanto perto do palco.

É muita gente 1 milhão, uma demonstração gigantesca do carisma do papa e do prestígio da Igreja. Não precisa exagerar, ligando o “chutômetro” no qual alguns ingênuos, inclusive colegas jornalistas, confiam.


Papa defende ‘carro modesto’ para padres e desmoraliza os Jetta de cardeal
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Mário Magalhães

O papa, em um Idea, na manhã do sábado – Foto UOL/Reprodução

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Durante a transmissão do jogo entre Borussia Dortmund e Bayern de Munique, no sábado, passou um anúncio do Idea, da Fiat. O mesmo modelo foi propagandeado na TV antes de Flamengo x Botafogo, no domingo.

Poderiam exibir um bilhão de vezes essas publicidades, que não alcançariam o efeito das cenas do papa Francisco andando de Idea pelo Rio. Alguém reparou no recall do Strada e do Palio, outros produtos da empresa italiana, divulgado no fim de semana? O que se notou foi o carro do chefe do Vaticano.

Na entrevista a Gerson Camarotti, na Globonews, notável furo mundial, Francisco contou que em seus tempos de cardeal Bergoglio recomendava “carros modestos” aos sacerdotes de Buenos Aires. Eles precisavam de automóveis para desenvolver seus trabalhos pastorais, mas não deveriam descalçar as sandálias da humildade. Pediu que no Brasil não o fizessem passar a vergonha de ostentar um carrão.

Quanta diferença em relação ao espírito que vigorava na Arquidiocese do Rio de Janeiro até pouco tempo atrás. Em 2010, quando o jornalista Fernando Molica revelou luxos nababescos do alto clero, soube-se que dois modelos Jetta, comprados novinhos, haviam circulado pelo menos até o ano anterior no roteiro da Catedral. Um ficava à disposição do cardeal, outro do padre que controlava o caixa da Igreja. Tratei das mordomias neste post.

Para a cultura que presidia a Igreja católica aqui até 2009, sob o comando de Dom Eusébio Scheid, hoje cardeal-arcebispo emérito do Rio, talvez o comportamento do papa Francisco não passe de demagogia.

Se o seu estilo franciscano já criara constrangimentos, a perambulação de Idea incomodou mais ainda, bem como a entrevista que foi ao ar ontem à noite.

Um Idea zero-quilômetro custa de R$ 43.290 a R$ 52.400.

Um Jetta, R$ 88.290.

O papa é Idea, não blindado.

O cardeal e o padre eram Jetta.