Alex, o Peter Parker do futebol, poderia ter ido mais longe
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
Mesmo com mais time e dominando boa parte do jogo, o Fluminense perdeu para o Coritiba de Alex. Ou, melhor, perdeu para o Alex do Coritiba. Porque o meia deu um passe para gol e marcou um golaço na vitória de ontem por 2 a 1, que promoveu a equipe paranaense à liderança do Campeonato Brasileiro.
Foi seu 400º gol na carreira. Como de hábito, esse estilista do meio-campo pareceu um vaga-lume. Em muitos momentos, luminoso, decide. Em outros, apaga-se. É um dos poucos boleiros de clubes do país que honram a palavra craque.
Alex, 35, poderia ter ido ainda mais longe no futebol, não fosse sua ciclotimia. Digo “mais longe” porque ele foi longe, é um vencedor. Mas não manteve, em momentos decisivos e períodos duradouros, o desempenho que é capaz de atingir. Com os milagres que obra com a perna esquerda, merecia uma história mais bem-sucedida na seleção.
Escrevi sobre ele em 2004, na “Folha”. Na época, Tobey Maguire encarnava o Homem-Aranha. Guardo a mesma impressão ainda hoje: Alex, tremendo jogador, é o Peter Parker do nosso futebol.
Eis a croniqueta “Alex e a alma de Peter Parker” (julho de 2004):
Encanta multidões, nas telas de todo o planeta, uma das melhores aventuras de super-herói já filmadas, ''Homem-Aranha 2''. Conta a depressão de Peter Parker, sua crise existencial, a perda de poderes, a volta por cima contra o satânico Dr. Octopus e o conforto no colo de Mary Jane.
Os palcos do Peru exibem a bela história de um craque marcado pela fama de sestear durante as partidas. O camisa 10 que submergiu com o time olímpico na Austrália, micou na passagem pelo Flamengo, enrolou-se com uma transferência malograda para o Parma, frustrou-se como deserdado da Família Scolari, renasceu no Cruzeiro, viu Kaká roubar-lhe o lugar na seleção de Parreira e agora constrange, jogando muita bola, aqueles que o secam com olhos de urubu.
O fotógrafo mora numa espelunca. Não tem dinheiro para pagar o aluguel. Deve ao jornal um adiantamento. Fracassa como entregador de pizzas. Sente-se culpado pela morte do tio. Falta-lhe esperteza até para descolar canapé em coquetel. Patina na faculdade. Bate com a moto. Mancha as roupas caretas de Parker ao lavá-las misturadas com a roupinha fashion de Aranha. Nega fogo à mulher que ama. Pior, convive com os moles que uma baranguinha anoréxica lhe dá.
Na Olimpíada de 2000, o estilista do meio-campo virou boneco de Judas em Sábado de Aleluia. Perder para Camarões com dois a menos foi mesmo demais. Naufragou com a equipe improvisada por Felipão na Copa América de 2001. Descuidou-se com o peso e a taxa de gordura, como reconheceu aos repórteres Cosme Rímoli e Silvio Barsetti. Gorducho e irregular, não contestou quem dele dizia alternar genialidades e sonecas em campo.
Peter Parker tocou o fundo quando lhe faltaram as teias. Atirou as vestes de Aranha numa lata de lixo. Tirou o time, rasgou a fantasia. Fotografou o noivado da amada com um bobão.
Alex viu Ronaldinho Gaúcho, parceiro de infortúnio olímpico, ser reabilitado na Copa do penta. Não conseguiu assistir à final na TV. Bem que podia estar lá.
Parker tomou coragem e confidenciou à tia seus fantasmas com o tio morto. Os escrúpulos se impuseram, e ele ressuscitou o Aranha para salvar Nova York e Mary Jane. Ficou com sua garota. Até o próximo grito de socorro.
Alex carregou o Cruzeiro ano passado no Campeonato Brasileiro. No banco da seleção, entrou no fim de alguns confrontos. Como se haveria na Copa América? No domingo, marcou de pênalti. Roubou a bola e a passou para Adriano fazer mais um. Arrumou para Kleberson disparar o chutão, numa jogada que acabou com a bola na rede. Brilhou com quase meia-dúzia de embaixadinhas na coxa. Anteontem, seu pé esquerdo esteve na origem do gol de empate. E acertou o pênalti que eliminou o Uruguai.
O Homem-Aranha reviveu mais forte depois do baixo-astral. Alex escapou do inferno para viver dias inspirados na seleção. Como o Aranha, tem resolvido as paradas. É o nosso Peter Parker.