Comissão da Verdade deveria sugerir exibição de ‘Anos rebeldes’ nas escolas
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
A lei 12.528/2011, que instituiu a Comissão Nacional da Verdade, determina “recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional”.
Antes de passar ao assunto principal deste arrazoado, uma observação: a “efetiva reconciliação nacional” só será possível com o fim da impunidade, julgando os autores de crimes imprescritíveis contra os direitos humanos. Alguém já imaginou a “reconciliação” na Alemanha do pós-guerra sem submeter aos tribunais chefes e funcionários graduados dos campos de concentração?
Nos termos da lei, proponho que a comissão recomende a exibição de “Anos rebeldes” nas escolas de nível médio do país. Não se trata de obrigar, mas de sugerir à União e aos Estados que distribuam cópias da minissérie às instituições públicas e privadas. Cada estabelecimento decidiria, de modo autônomo, se a mostraria ou não nas salas de aula.
“Anos rebeldes” passou na TV Globo em 1992. Está de novo no ar de segunda a sexta-feira, das 23h10 à meia-noite, no Canal Viva. É uma obra-prima de estética televisiva, mas não é por esse motivo que o programa merece ser assistido nas escolas. E sim por ser um instrumento valioso para conhecer a história do Brasil.
O sucesso de Gilberto Braga se debruça sobre o período inaugurado com o golpe de Estado de 1964 e prossegue até o começo dos anos 1970, com o epílogo em 79, no regresso dos exilados políticos. Conta o tempo mais sangrento da ditadura. Apresenta personagens e argumentos de partidários dos generais e foca em quem combateu o regime, de armas na mão. Como é o caso de João Alfredo (vivido por Cássio Gabus Mendes) e Heloísa (Cláudia Abreu), os dois protagonistas de fato.
A minissérie exuma a censura, a tortura, o teatro, a música, o cinema, as modas, as mortes, os governos, os opositores, os dilemas e as barras da época. Embora seja um trabalho de ficção, fundamenta-se em fatos reais. Com honestidade intelectual: há personagens que chamam a deposição do presidente constitucional João Goulart, em 1964, de “Revolução”, ecoando os militares. Mas “Anos rebeldes” não tergiversa: houve um golpe antidemocrático contra Jango.
Um dos méritos de “Anos rebeldes”, para ser levado às escolas, muitas vezes está ausente dos livros didáticos: a minissérie é cativante, dá vontade de ser vista sem parar. Ao contrário de tantos manuais escolares que convidam ao sono. O programa seria um incentivo para a leitura dos livros adotados pelos colégios, instrumentos para entender com mais profundidade a trama da TV.
De quebra, ainda ajudaria a entender as mobilizações populares de 1992 e o impeachment _legal_ do presidente Fernando Collor. Naquele ano, muitos estudantes se sentiram estimulados a ir às ruas protestar de dia, depois de assistir à minissérie à noite.
“Assegurar” a “não repetição” de violações dos direitos humanos, como prescreve a lei, talvez seja utópico. Mas para combater os crimes que permanecem _como a tortura nas delegacias, agora só contra pobres_ e se vacinar contra nova ditadura, é indispensável conhecer a história.
A cena em que Heloísa mostra ao pai empresário e financiador do aparato repressivo as marcas da tortura no corpo é um dos relatos mais comoventes sobre a violência do Estado contra os cidadãos.
Conhecer “Anos rebeldes” é conhecer o passado. E conhecer o passado contribui para evitar que o mal de outros tempos ressurja ou se torne perene.
Com a palavra, a Comissão Nacional da Verdade.