Flu entra com coragem, é garfado, pena com próprios erros, luta e cai
Mário Magalhães
( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )
A derrota do Fluminense para o Olimpia e a eliminação da Libertadores, no mítico estádio Defensores Del Chaco, bem merecia a narrativa épica de Nelson Rodrigues. Como dispenso a petulância, não me arriscarei a escrevinhar um pastiche das crônicas do velho escriba tricolor. Mas tenho certeza de que nesse instante cairia bem uma de suas tiradas antológicas: “Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos”.
Antes de a falta de caráter se impor, espantei-me com a cena prosaica, de Rhayner de luvas. A temperatura em Assunção, informou a Globo, era de 19 graus, mais ou menos a mesma do Rio àquela hora. Quase 20 graus no termômetro, dentro de um caldeirão futebolístico, e o cara calça luvas. Vai entender…
Pois foi ele, que não tem lá muita intimidade com o ofício de balançar a rede, que aproveitou um vacilo do zagueiro Manzur para abrir o placar aos 9 minutos. Como o jogo de ida terminara 0 a 0, a equipe brasileira só perderia a vaga para a semifinal com uma virada do Olimpia.
Foi alucinante o início do Fluminense, que não levou sufoco e tomou conta do confronto. Aos 24 minutos, acumulava 62% de posse de bola. E ainda encaixava contra-ataques, como aos 18 minutos, numa arrancada de Rhayner pela direita que quase termina em gol. Aplicação tática, altivez e uma coragem assombrosa, assim o time de Abel encarava a fornalha do Defensores.
Até que o moço das luvas fez besteira, cometendo uma falta pueril na direita defensiva do Fluminense. Aos 35 minutos, Salgueiro cobrou, e o goleiro de seleção Diego Cavallieri fez besteira maior ainda, deixando-se encobrir. O 1 a 1 assegurava a sobrevivência dos visitantes.
Aos 28 minutos, ocorrera o primeiro ato da tragédia assentada sobre a falta de caráter evocada pela pena rodriguiana. Dentro de sua área, Pérez abriu um braço como a asa de um planador, impedindo a bola cruzada pelo Flu de chegar ao seu destino. Pênalti evidente, ao qual o árbitro uruguaio Daniel Fedorczuk deu de ombros. Na mesma noite, uma penalidade muito menos clara foi justamente assinalada contra o Flamengo, no vexame diante da Ponte Preta.
O segundo ato veio aos 38 minutos, com a marcação de um pênalti inexistente de Digão sobre Bareiro. O zagueiro, lento como seu parceiro Leandro Euzébio, só atropelou o adversário quando este já estava caindo, de propósito, jogando-se no gramado. A mão de Digão nas costas do oponente que freou acintosamente não tinha força para derrubá-lo. Uma encenação abençoada pela arbitragem. Com o pênalti convertido por Salgueiro, o Olimpia sacramentou a ida às semis, com 2 a 1.
O Fluminense lutou no segundo tempo, quando assistiu a novas barbaridades. Ferreyra acertou um pontapé criminoso em Wagner, mas escapou da expulsão.
Wellington Nem, em noite infeliz, recebeu com perigo no ataque, em posição legal, e o bandeirinha ''viu'' impedimento.
Samuel, que entrara havia pouco, foi derrubado na área por um rival que mal tocou na bola, porém Daniel Fedorczuk voltou a deixar para lá _portanto, foram ignorados dois pênaltis para o Flu e inventado um contra.
As falhas clamorosas do Fluminense na noite paraguaia não podem ofuscar o, perdão, Nelson, óbvio ululante: sem as decisões arbitrais erradas, Fred e seus companheiros não teriam se despedido do sonho do título continental inédito para o clube.
Assim como o Corinthians, o Fluminense foi garfado. Coincidência? Não tenho informações para responder sem correr o risco de ser leviano.
O tricolor foi bem superior nos dois jogos, mas exibiu incompetência nas conclusões. Ontem, como na semana passada em São Januário, a bola quase não chegou a Fred. Em ótima forma, como demonstrara no domingo, Rafael Sóbis deveria ter jogado desde o início ou entrado mais cedo. Jean cobrou muito mal as faltas, e Bruno foi nulo. Apesar das falhas individuais, o Flu teria prosseguido, não fosse o árbitro.
A equipe lutou tanto que Abel balbuciou mais tarde: “Tá uma dor irreparável”. O técnico foi tão comovente que aqui em casa uma menina de 12 anos, que torcera pelo Olimpia, emocionou-se com o lamento.
Se tem alguém que não merecia essa derrota, esse alguém é Abel, mais uma vítima da falta de caráter.