Blog do Mario Magalhaes

Carta a Ari Cipola (1962-2004), onde quer que esteja

Mário Magalhães

( Para seguir o blog no Twitter: @mariomagalhaes_ )

Salve, Ari, quanta saudade. Já são nove anos, desde aquele fim de manhã, começo de tarde, quando nos despedimos de ti no cemitério em Maceió, depois de o teu coração te pregar uma peça.

Não faço ideia de se onde estás as notícias chegam rápido, por isso trato de contar as novidades. Terminou ontem à noite o julgamento relativo às mortes de Paulo César Farias e Suzana Marcolino.

Sim, demoraram 17 anos para julgar, e os meus tímpanos tremem só de pensar no teu vozeirão: “Dezessete anos? Para com isso, Marião!”.

Está aí uma coisa que eu nunca entendi: com o dobro do meu tamanho verticalmente e o triplo na horizontal, és tu que me chamas de Marião, e eu jamais te trato por Arizão. Um dia a gente conversa, e tu me explicas isso melhor.

Os jurados decidiram que não houve o tal crime passional alardeado pela polícia em 1996, com o endosso de uma turma de peritos que bancou a versão de que Suzana teria assassinado PC e depois se suicidado.

O júri popular concluiu que houve duplo homicídio, mas não puniu os quatro réus, aqueles policiais militares e seguranças do PC que tu conheceste.

Achei que gostarias de saber que não foi em vão o teu esforço, farejando pistas e revelando informações que contradiziam a versão oficial de 1996 sobre o crime. É isso mesmo: de acordo com a Justiça, o PC e a Suzana foram assassinados. Ela não deu um só tiro na madrugada ou na manhã de 23 de junho de 1996.

Minha opinião sobre a absolvição? Acabei de escrever um artigo sobre isso. O juiz falou em “clemência”. É difícil acreditar que os PMs não tenham ouvido os disparos, mas, se condenados, haveria um incômodo: a punição de peixes pequenos, sem a identificação do mandante.

Embora o júri tenha visto o óbvio, as provas ululantes de duplo homicídio, o julgamento consagrou a impunidade: a Suzana e o chapa do Collor foram mesmo eliminados, mas ninguém pagará por isso.

A culpa não é do júri, mas de uma “investigação”, assim, com aspas, em que, no calor do fato, antes de apurar, algumas autoridades já bradavam a tese de crime passional. Ok, sei que sabes disso tudo muito mais que eu.

O laudo da equipe do Badan Palhares? O júri popular rejeitou-o, adotando o parecer da equipe do Daniel Muñoz, o legista, e do Domingos Tochetto, aquele gaúcho de sotaque italiano, especialista em balística forense.

Imagino que devas estar recordando o perrengue que foi ficar, tu e a tua família, protegido pela Polícia Federal e a Polícia Militar por tanto tempo, depois das intimidações à época da reviravolta no caso, em 1999.

Mas eu queria dizer, reitero, que valeu a pena tu não bajulares peritos, não te submeteres às primeiras versões oficiais, preferindo buscar dados novos, exercendo o trabalho do magnífico repórter que és.

A propósito, Ari, tem uma rapaziada de talento despontando na reportagem, mas tu fazes muita falta. Sei que poucos anos depois do Caso PC resolveste largar o jornalismo. Lamentei, mas respeitei a decisão. De todo o modo, tomara que cada vez mais jovens jornalistas conheçam os trabalhos que fizeste. Não haverá melhor inspiração.

O Paulo Peixoto, nosso companheiro naquelas investigações de 1999, manda um abraço. Estivemos juntos outro dia, em BH. Continua igualzinho, o tempo tem sido generoso com ele. O Paulo escreveu na “Folha” uma análise sobre o episódio, talvez tenhas lido.

Vou me despedindo, para ficar com a criançada. Depois do Caso PC, como sabes, ganhei uma segunda filha, tão adorável quanto a primeira. Quem não conheces é o caçula, que chegou depois daquela nossa despedida em Maceió.

Ontem à noite eu falei de ti para ele, que começou a conhecer a tua história. É isso aí, Ari: enquanto houver quem se lembre da gente depois da partida, nunca morreremos.

Abração do velho amigo que não te esquece,

Mário