Blog do Mario Magalhaes

Irmão de PC diz que STF o inocentou. Verdade: tribunal não o julgou

Mário Magalhães

Augusto Farias, hoje no julgamento; em 1999, ele foi indiciado pela polícia de Alagoas como co-autor dos homicídios do seu irmão PC Farias e de Suzana Marcolino

 

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O ex-deputado Augusto Farias afirmou hoje, como testemunha no julgamento do Caso PC em Maceió, ter sido “julgado” pelo Supremo Tribunal Federal. Ontem, em entrevista, Augusto dissera ter sido “inocentado” pelo STF da acusação de duplo homicídio do seu irmão Paulo César Farias e de Suzana Marcolino.

Ambas as declarações não têm lastro na realidade: o Supremo jamais julgou Augusto Farias pelas mortes de quase 17 anos atrás.

No julgamento em curso, ele é testemunha de defesa dos quatro ex-seguranças de PC acusados de duplo homicídio. O ex-deputado paga o advogado dos réus.

Augusto foi indiciado em 1999, pela polícia de Alagoas, por co-autoria das duas mortes. Como tinha fórum privilegiado, o Ministério Público estadual não poderia denunciá-lo, pois a prerrogativa era do Ministério Público Federal.

Comandado pelo então procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, o MPF pediu em 2002 o arquivamento do inquérito federal, que investigava Augusto Farias e o médico-legista Fortunato Badan Palhares.

O STF não julgou Augusto e Badan. Simplesmente arquivou o inquérito federal, pois esse fora o pedido do MPF.

O que o Supremo fez, em 2011, foi rejeitar mais um dos recursos da defesa dos quatro seguranças, que tentava evitar um julgamento.

Em 2000, Brindeiro escrevera em parecer: há elementos que “indicam a participação” de Augusto no “duplo homicídio”. Também apontou “indícios fortes” de Badan ter cometido falsa perícia.

O ex-deputado e o legista sempre negaram autoria de qualquer crime.

Geraldo Brindeiro, procurador no governo de Fernando Henrique Cardoso, era chamado pelos críticos de “engavetador-geral da República”.

O parecer do MPF que pediu o arquivamento ignorou todas as novas provas surgidas na reabertura das investigações em 1999. O procurador que assinou o documento não assistiu a um vídeo relevante, contido nos autos. Esmiucei tudo na edição de 24 de novembro de 2002 da “Folha de São Paulo”. Até hoje, os pormenores do arquivamento impressionam, como se pode ler abaixo:

 

O parecer da Procuradoria Geral da República, que pediu o arquivamento do inquérito federal sobre o caso PC, ignorou todas as provas produzidas em 1999. Naquele ano, fotografias derrubaram a versão inicial sobre as mortes de Paulo César Farias e sua namorada, Suzana Marcolino, ocorridas em 1996.
Também novos laudos e testes foram feitos em 1999 a pedido da Justiça de Alagoas. As conclusões contradisseram o relato de que Suzana matou PC com um tiro e depois se suicidou. Apontaram para o assassinato dos dois por outras pessoas.
PC Farias foi o principal articulador do esquema de corrupção no governo Fernando Collor (1990-92). Horas após sua morte, a polícia divulgou a versão de Suzana como homicida-suicida. Laudo pericial coordenado pelo médico-legista Fortunato Badan Palhares amparou a tese.
O parecer tem erro, omissões e contradições até com o parecer sobre o mesmo caso assinado pelo procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, em 2000. O autor do novo documento é o vice-procurador-geral, Haroldo Ferraz da Nóbrega. Recebeu o ''aprovo'' de Brindeiro, manifestando concordância.
Nóbrega assinou o parecer no dia 8 passado. Sustentou que Suzana matou PC e se suicidou. No dia 13, o STF (Supremo Tribunal Federal) arquivou o inquérito. Segundo o relator, ministro Sepúlveda Pertence, se o procurador-geral da República pede o arquivamento, o STF deve determinar o encerramento do inquérito, mesmo que não concorde.
O tema dominante do parecer é a altura de Suzana. Ocupa cinco das oito páginas. Sua importância é uma das raras unanimidades técnicas do caso.
Se ela não tivesse a altura de 1,67 m descrita por Badan em 1996, a bala do suposto suicídio a teria atingido não na região mamária, mas no pescoço, na cabeça ou teria passado sobre o ombro.
Estando errada a altura, o resto das conclusões também estaria, escreveu Badan em 1997, num artigo na Folha. Antes, uma segunda equipe pericial estimara a altura em 1,57 m, projetando-a a partir de ossos das pernas (o cadáver estava em decomposição).
Em 1999, o Ministério Público de Alagoas iria arquivar o inquérito estadual sobre o caso por não saber quem tinha razão. Fotografias obtidas pela Folha mostraram que Suzana era menor que PC, que media 1,63 m ao morrer (dado comum a todos os laudos). Por causa das fotos, as investigações foram reabertas.Contradições
Nada do que se descobriu a partir daí contou para a Procuradoria, que levou em conta provas recolhidas em 1996 e 97. Ela aceita -e cita- os argumentos de Badan no artigo de 1997 no qual reafirmava a altura como 1,67 m.
Haroldo da Nóbrega diz concordar que Suzana era 4 cm maior do que PC. Não comenta as fotos -que o contradizem- dela com o namorado. Nem com a irmã, Ana Luiza, maior do que ela (1,63 m, em medição de 1999). As fotos foram analisadas pela Unicamp, que estimou a estatura de Suzana em 1,55 m a 1,57 m.
Está tudo nos autos.
O procurador aceita a versão de que Badan mediu Suzana na necropsia. Mas um vídeo gravado pela equipe do legista mostra o contrário -não há medição. O vídeo integra o inquérito.
Nóbrega apresenta o argumento de Badan, segundo o qual a altura de 1,57 m estipulada pela segunda equipe estaria errada porque as tabelas internacionais de projeção de altura a partir de ossos não servem para brasileiros. O legista, porém, usa tabelas semelhantes em seus trabalhos.
Embora registre a altura de 1,57 m como a definida pelo segundo grupo de peritos, o procurador cita que o dado informado foi 1,67 m. Trata-se, na verdade, de um erro de digitação nos autos, nos quais a informação repetida diversas vezes é 1,57 m.
Em 1999, o erro de digitação foi reconhecido por seus autores. O procurador citou o número errado, digitado uma única vez, e não o dado anunciado repetidamente e em torno do qual é desenvolvida a análise.Acareação
Em 2000, Brindeiro pediu que a Polícia Federal promovesse acareação entre Badan e o fotógrafo Donato Pasqual Júnior e a fotógrafa Noelandi Jimenez. Ambos, chefiados por Badan ao documentar a necropsia, disseram em 1999 que Suzana não foi medida. A PF cumpriu a missão. O procurador calou sobre o resultado.
Uma das maiores contradições é de Brindeiro, que em fevereiro de 2000 escreveu em parecer que ''ficou cabalmente provado por meio de novas perícias -com o exame do corpo exumado e de fotografias da vítima- que Suzana (…) media no máximo 1,57 m, o que torna impossível a hipótese de suicídio''.
Brindeiro não explicou o que o fez mudar de idéia. O parecer deste mês desconhece as ''novas perícias'' e sustenta como fato o que antes era ''impossível''.
O inquérito federal investigava a participação do deputado federal Augusto Farias (PPB) nos crimes. Irmão de PC, ele foi indiciado (citado como suspeito) pela polícia de Alagoas em 1999. Também apurava suposto crime de falsa perícia cometido por Badan.
Como o deputado não se reelegeu em outubro (perdeu o foro privilegiado do STF), sua situação -e a de Badan- seria analisada pelo Ministério Público de Alagoas, e não o Federal, a partir de janeiro. Com o arquivamento do inquérito federal, Augusto e Badan escaparam de eventual julgamento em Alagoas. Ambos negam ter cometido crime.
No Estado, a polícia e o Ministério Público consideraram ter havido duplo homicídio. Augusto Farias e oito ex-funcionários de PC foram indiciados. O Ministério Público denunciou (acusou formalmente) oito pessoas -o caso de Augusto foi para o STF. A Justiça de Alagoas decidiu levar quatro réus a julgamento.